Primeira mulher a presidir STM cobra de Lula maior participação feminina na política e no Judiciário

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ministra Maria Elizabeth Rocha tomou posse nesta quarta-feira (12) na presidência do STM (Superior Tribunal Militar) após ser eleita como a primeira mulher a comandar a corte em mais de 200 anos de história.

Promovendo uma série de quebra de tradições, Elizabeth escolheu o Teatro Nacional para a cerimônia de posse, ao invés do tradicional evento na sede do tribunal militar.

Foram à solenidade o presidente Lula (PT) e os presidentes da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), do Senado, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luís Roberto Barroso.

Em seu discurso, Maria Elizabeth defendeu mais mulheres nos tribunais superiores e disse que buscará implementar uma gestão fundada nos pilares da “transparência, reconhecimento identitário e defesa do Estado democrático de Direito”.

“Meu querido presidente Lula, a magistratura feminina o aplaude e permanece esperançosa de que as mulheres continuem sendo indicadas não apenas para o Poder Judiciário, mas para todos os espaços de participação política e jurídica”, disse a nova presidente do STM, em referência à recente indicação, feita pelo chefe do Executivo, da advogada Verônica Sterman para a corte militar.

Ela abriu o discurso se dizendo feminista e progressista. “É por esta razão que o feminismo contemporâneo, o qual professo, desafia as velhas estruturas dogmáticas e faz prevalecer as experiências múltiplas e intersecionais do gênero feminino”.

O discurso de Elizabeth foi o último de um longo evento, com pouco mais de 2h30 de duração. As autoridades cochichavam umas às outras e, ao longo de cada pronunciamento, faziam acenos positivos ou se mantinham inertes.

“Costumo dizer que se a Deusa Themis desvendasse os olhos, encontraria poucas de seu gênero na Judicatura Pátria, notadamente nos tribunais superiores. Aqui e ali, entre calvas circunspectas, barbas esbranquiçadas, ternos e gravatas, veria ela, em algumas poucas togas, traços femininos”, disse a nova presidente ao criticar a falta de mulheres na magistratura, em trecho que arrancou risadas do público e pouca reação entre os ministros do STM.

O clima entre os ministros do tribunal militar já não era de congraçamento. Colegas de Elizabeth criticaram, em discussões nos bastidores, a realização do evento no Teatro Nacional. Segundos relatos de dois ministros ouvidos pela reportagem, havia ainda insatisfação com os rumos que o STM deve trilhar sob o comando da nova presidente.

Maria Elizabeth Rocha, 65, foi indicada por Lula para o Superior Tribunal Militar em 2007. É doutora em direito constitucional pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atuou como procuradora federal, assessora jurídica da Câmara dos Deputados, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e na Casa Civil da Presidência da República.

Em entrevista à Folha de S.Paulo após ser eleita presidente do STM, a ministra se declarou feminista e disse que gostaria de deixar como marca na presidência do tribunal a defesa das minorias.

“Por exemplo, nós não podemos aplicar a Lei Maria da Penha. Houve, infelizmente, um veto do presidente da República [Lula], quando foi alterado o Código Penal Militar, que dizia que a violência doméstica não era crime militar, mesmo se a mulher e o agressor forem militares”, disse Elizabeth.

“A mulher militar acaba sendo revitimizada institucionalmente, porque a lei autoriza que, nesses casos de violência, a corte militar não seja o órgão julgador competente.”

O perfil progressista da ministra causa desconforto no STM, visto como um centro conservador no Judiciário. A resistência dos colegas de Elizabeth fez com que a ministra tivesse de enfrentar a disputa mais acirrada desde o fim da ditadura militar para chegar à presidência.

O presidente do STM é escolhido segundo uma tradição centenária. A cada dois anos, a presidência é transferida entre as categorias representadas (Marinha, Exército, Aeronáutica e civis). Assume o mais antigo entre os togados que ainda não tenha presidido a corte.

Terminou em 2025 o período da Aeronáutica na presidência, com o ministro Joseli Camelo Parente tendo comandado o tribunal por dois anos. Com a passagem da chefia do STM aos civis, seguindo a tradição, Elizabeth seria escolhida para o posto máximo.

O ministro Péricles de Queiroz, porém, decidiu apresentar sua candidatura -num movimento atípico e articulado com colegas de STM. O argumento foi de que Maria Elizabeth já teria esgotado seu tempo na presidência do STM quando assumiu o posto, em mandato tampão, em 2014.

A disputa foi para votação secreta, e Elizabeth venceu por 8 votos a 7.

“Foi doloroso, não vou negar. Foi por um voto de diferença, o meu voto. A questão é que a antiguidade sempre foi uma regra consolidada que prevalece em todos os tribunais do país”, disse Elizabeth na entrevista à Folha de S.Paulo.

“Eu sou uma feminista, e a sociedade é patriarcal. Os nossos direitos não são dados, eles são arrancados a ‘fórceps’. Eles são retirados, com muita luta e com muita conquista por parte daqueles que são segregados. Por isso, essa situação não me surpreende.”

O presidente Lula indicou no último sábado (8) a advogada Verônica Sterman para a vaga do STM que se abrirá, em abril, com a aposentadoria do ministro José Coêlho Ferreira.

Verônica foi advogada da ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann (PR) e do ex-ministro Paulo Bernardo em casos da Lava Jato. Ela também defendeu o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em processo na Justiça Eleitoral de São Paulo sobre doações ilegais para campanha política.

Com apoio de Gleisi e Alckmin, Sterman foi cotada para uma vaga do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) no ano passado. Seu nome, forte na disputa, acabou preterido depois de apelos do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e de sindicalistas em favor do advogado Marcos Moreira de Carvalho.

O Superior Tribunal Militar é composto por 15 ministros, sendo dez militares e cinco civis. Os cargos são ocupados a partir de indicação do presidente da República e aprovação do Senado.

CÉZAR FEITOZA E JOSÉ MARQUES / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS