SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Sebrae estima que 6,5 milhões de CNPJs no Brasil estão inadimplentes. O gerente de serviços financeiros da entidade, Valdir Oliveira, afirma que 88% das micro e pequenas empresas do país nem sequer se dão ao trabalho de procurar bancos quando precisam de empréstimos. Sabem que não terão crédito.
É uma lacuna de mercado que as fintechs tentam preencher com soluções ignoradas pelas instituições financeiras tradicionais.
“O endividamento inviabiliza o processo de crédito porque os bancos seguem uma regra do Banco Central. O banco trabalha e empresta o dinheiro dos outros e o sistema financeiro obriga o provisionamento de recursos com base no risco. Quando o provisionamento cresce, a conta não fecha. O banco não empresta”, afirma Oliveira.
Para empresários do setor ouvidos pela Folha, o que as fintechs oferecem no crédito para micro e pequenos empreendedores, além das soluções tecnológicas, são desburocratização e agilidade.
“O cliente pode abrir o notebook dele em qualquer lugar do Brasil e ver, em tempo real, as opções de crédito que ele tem, a taxa de juros e decidir o que faz mais sentido para ele naquele momento. O dinheiro entra na conta no mesmo dia. A caneta está na mão do cliente. Ele não precisa falar com ninguém se quiser, não precisa mandar nenhum documento. É individualizado”, diz Raphael Levi, CEO da Flip, fintech que é uma espécie de Amazon do crédito.
Quando está cadastrado na plataforma, o empreendedor pode ver na tela a lista de todos os seus recebíveis, um por um, que pode antecipar, assim como outras opções de crédito, cada uma com uma taxa diferente. Seleciona as opções desejadas como se estivesse fazendo uma compra. O dinheiro pode entrar na conta no mesmo dia.
A lógica do negócio é oferecer crédito no valor que o micro e pequeno empresário necessita, uma operação que muitas vezes não faz sentido para os bancos tradicionais. Estes estariam interessados em clientes com faturamentos milionários.
Outra premissa usada por fintechs voltadas aos microempreendedores é buscar o máximo de informações sobre cada empresa. A CashU, por exemplo, criou sistema de inteligência artificial que faz análise de 1.500 informações diferentes sobre o negócio para decidir a concessão do crédito.
“São variáveis comportamentais também. Ver como se relaciona na cadeia [produtiva], o desempenho em redes sociais, o nível de interação com clientes, número de usuários. Trata-se de olhar para informações que estão além do nível de crédito do sistema financeiro tradicional. Ver fatores que podem fazê-los ter maior capacidade de pagamento no futuro”, ressalta Thiago Saldanha, fundador e CEO da CashU, que oferece o sistema a empresas do varejo.
Em fevereiro deste ano, a CashU captou R$ 100 milhões em FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) para expandir crédito para micro e pequenas empresas. O dinheiro veio do Itaú BBA, um dos maiores bancos do país, e do conglomerado japonês Credit Saison.
Na visão do Sebrae, não há uma relação direta entre a dificuldade do crédito com o período da pandemia da Covid-19 e o aumento dos juros.
“Há um estudo da ONU que diz que os pequenos negócios aguentam até 27 dias sem faturamento. Na pandemia, ficaram meses fechados. Quem pegou crédito nessa época assumiu a dívida com Selic a 2%. Em 2021, um ano depois, foi para 13,75%”, lembra Valdir Oliveira.
Pesquisa da entidade em novembro de 2024 mostrou que, para 18% dos micro, pequenos empresários e MEIs (microempreendedores individuais), a maior dificuldade enfrentada pelos seus negócios foram dívidas. Eram 22% os que estavam com débitos em atraso.
Mais da metade dos MEIs (57%) que responderam à pesquisa disseram que o pagamento de dívidas representava mais de 30% dos seus custos. Nas micro e pequenas empresas, eram 43%.
“As fintechs podem ser um caminho para derrubar a taxa de juros no mercado de crédito. Mas elas precisam encontrar um modelo sustentável. Estão caminhando para chegar lá. Quando a gente olha por segmento, gênero, região, mulheres empreendedoras do Nordeste pagam, em média, taxa de juros de 60%. Tem gente cobrando mais. É absurdo e extorsivo. Precisamos democratizar o acesso ao crédito”, diz o gerente do Sebrae.
Quando fala em “modelo sustentável”, a entidade acredita que as fintechs podem enfrentar problema de inadimplência, algo que elas contestam.
“No sistema atual, os bons pagadores pagam mais caro [pelo crédito] porque os bancos fazem a conta do quanto perdem e querem recuperar isso. Então, os bons pagam mais. Quanto mais a tecnologia conseguir avançar e mais tiver dados e algoritmos específicos, vamos ser mais justos e democratizar o crédito com taxa menor”, afirma Gustavo Traballe, COO da Flip.
É uma opinião compartilhada pela CashU.
“A maioria tem um bom comportamento e tem seu poder de pagamento subestimado pelo mercado”, completa Thiago Saldanha.
ALEX SABINO / Folhapress