Publicado em 1930, o poema ‘Vou-me Embora pra Pasárgada’ se tornou um símbolo da liberdade e do escapismo, mas qual seu verdadeiro significado?
Escrito por Manuel Bandeira e publicado em 1930 no livro Libertinagem, o poema Vou-me Embora pra Pasárgada se tornou um símbolo da evasão poética. Com uma linguagem simples e intimista, Bandeira expressa o desejo de fuga e a busca por um refúgio idealizado, em Pasárgada, um lugar perfeito e distante da realidade dolorosa do sujeito poético.
Poema Vou-me embora pra Pasárgada na íntegra
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe – d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
A cidade de Pasárgada, que existiu na Antiguidade, serve como metáfora para a liberdade e para um mundo em que os limites são abolidos, é a busca do indivíduo por uma existência sem amarras. O poema explora a condição humana, a angústia existencial e o impulso de escapar da realidade.
A criação do poema: A cidade imaginária que transcende gerações
A inspiração para Vou-me embora pra Pasárgada surgiu de uma memória da juventude de Bandeira, quando, aos 16 anos, ele teve conhecimento da cidade de Pasárgada, antiga capital do Império Persa, fundada por Ciro, o Grande.
Essa imagem permaneceu na sua mente por anos até que, em um momento de profunda solidão e angústia causadas pela tuberculose, o poeta fez aflorar essa cidade imaginária e utópica em um de seus poemas mais célebres.
A cidade de Pasárgada se transforma, assim, em um símbolo de liberdade e de um refúgio, uma possibilidade de recomeço e de escapismo de uma realidade que ele considerava insuportável. Pasárgada, para Bandeira, é um espaço utópico, um lugar de liberdade e plenitude, onde todos os desejos podem ser realizados.
O tom coloquial e a estrutura ritmada dão ao poema um caráter quase musical, tornando sua leitura fluida e envolvente. A repetição do refrão “Vou-me embora pra Pasárgada” reforça a insistência no desejo de fuga e na construção de um mundo alternativo.
A análise literária: A fuga como uma forma de resistência
Vou-me embora pra Pasárgada revela um desejo de fuga para um lugar onde as normas sociais e as angústias existenciais são deixadas para trás. O sujeito poético almeja não apenas o prazer, mas a aventura e a liberdade absoluta, características que se manifestam no tom irreverente e descompromissado do poema.
A cidade imaginária, com suas promessas de poder, prazer e liberdade, se configura como um antídoto contra a tristeza e a frustração, algo que muitos outros escritores da época também exploraram, é sobre a evasão como uma resposta à dor emocional.
A ideia da fuga, no entanto, não é um escape eterno, pois, mesmo em Pasárgada, o sujeito sabe que a tristeza pode surgir, mas a certeza de estar “amigo do rei” faz com que essa tristeza seja passageira.
O poema apresenta temas centrais como a evasão, o onirismo e a liberdade. A cidade imaginária de Pasárgada se contrapõe à realidade dura e monótona e oferece ao eu lírico um espaço de alegria, prazer e realização pessoal. A liberdade em Pasárgada não está apenas na ausência de sofrimento, mas na possibilidade de viver sem restrições ou regras opressivas.
Outro ponto marcante do poema é seu caráter modernista. O uso de linguagem acessível, versos livres e um tom subjetivo aproximam a obra das características do movimento modernista, do qual Bandeira fez parte. Seu estilo direto e a expressividade emocional fazem do poema um texto atemporal e universal.
O legado de “Vou-me Embora pra Pasárgada”
Com o passar dos anos, “Vou-me Embora pra Pasárgada” se tornou um dos poemas mais conhecidos e citados da literatura brasileira. Seu impacto transcendeu a poesia, sendo referenciado na música, no teatro e na cultura pop.
Gilberto Gil, um dos maiores ícones da música brasileira, fez uma adaptação que chegou ao grande público no álbum Estrela da Vida Inteira (1987), popularizando ainda mais o poema. Vale lembrar que, antes disso, em 1975, o cantor Paulo Diniz já havia gravado sua versão da canção.
A expressão “ir para Pasárgada” passou a ser usada para simbolizar um escape da realidade ou a busca por um ideal de felicidade. Ao transformar um conceito histórico em uma metáfora pessoal e universal, Manuel Bandeira criou um poema que convida o leitor a imaginar sua própria Pasárgada e a sonhar com um lugar onde a vida é plena e feliz.
A obra de Manuel Bandeira: Entre a dor e a beleza

Manuel Bandeira, nascido em 1886 no Recife, é considerado um dos maiores poetas do Modernismo brasileiro. Sua obra é marcada pela dor física e existencial, consequência da tuberculose que o acompanhou por grande parte de sua vida.
Bandeira, no entanto, não se limitou a viver na sombra da doença. Transformou suas experiências pessoais e suas angústias em poesia, com uma linguagem simples, mas profundamente emotiva.
Ao longo de sua carreira, se distanciou do estilo parnasiano e se aproximou do modernismo, participando ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922. Seu legado é imenso, abrangendo não apenas poesias, mas também prosas e críticas.
A fuga que permanece atual
Vou-me embora pra Pasárgada é um grito de liberdade, uma tentativa de encontrar alívio para as dores da vida, uma fuga que se torna necessária diante de uma realidade opressora.
Ao longo do tempo, o poema se tornou uma das obras mais representativas da literatura brasileira, e seu apelo universal é mantido, pois lida com questões atemporais como a busca por identidade, prazer e um refúgio da dor existencial.
Manuel Bandeira, com sua sensibilidade e capacidade de transformar a dor em beleza, deixou um legado literário e Vou-me embora pra Pasárgada continua a ser uma reflexão sobre os desejos humanos mais profundos e sua eterna busca por liberdade.