A Prefeitura de Ribeirão Preto utilizou pelo menos R$ 12,4 milhões das verbas recebidas do governo federal para o combate ao covid-19 para cobrir o rombo nas contas do Instituto Municipal dos Previdenciários (IPM). A informação foi obtida pela reportagem do Grupo Thathi no Portal da Transparência.
A reportagem localizou duas notas de despesas onde ocorre a transferências de recursos das verbas do covid-19 para o IPM. Numa delas, o recurso é de R$ 3,1 milhões e, na segunda, R$ 9,3 milhões. Nas duas notas a que a reportagem teve acesso, a fonte de origem o programa federativo de enfrentamento ao covid-19, sendo o órgão credor o IPM. Na dotação orçamentária, está especificado “recursos para cobertura de insuficiências financeiras”.
A reportagem falou, por whatsapp, com a superintendente do IPM, Maria Regina Ricardo, mas ela informou que apenas a assessoria de comunicação poderia responder a solicitação. Procurada para comentar o assunto no início da tarde desta segunda-feira, a prefeitura da cidade informou, em nota, que a verba foi destinada ao IPM.
“Trata-se de repasse de recurso Federal ao Instituto Previdenciário Municipal (IPM) para o pagamento de custeio, devido à queda na arrecadação do município. Informa ainda [o repasse] que está em conformidade a Lei Complementar 173 que instituiu o Programa Federativo de Enfrentamento à Covid-19, com medidas que beneficiam Estados, Distrito Federal e Municípios”.
Rombo no IPM
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Ribeirão 2030, a novela do IPM é resultado de uma série de gestões temerárias, que levaram o instituto de registrar um rombo que se aproxima de R$ 400 milhões.
A primeira delas foi do ex-prefeito Welson Gasparini (PSDB), que terminou seu governo em 1992. Passaram-se quase três décadas e cinco diferentes prefeitos – Antonio Palocci (PT), Gilberto Maggioni (PT), Roberto Jábali (PSDB), Palocci de novo, Maggioni (PT), Gasparini novamente e Dárcy Vera, duas vezes, além do atual mandatário, Duarte Nogueira (PSDB, e o problema se agravou.
Ainda segundo o Ribeirão 2030, o montante descontado na folha de pagamento dos funcionários e arrecadado pela prefeitura não é suficiente para pagar quem já se aposentou e, no longo prazo, o rombo pode atingir a astronômica cifra de R$ 20 bilhões.
“Por isso, de novembro de 2017 a dezembro de 2019 o município teve que realizar transferências emergenciais de aproximadamente R$ 450 milhões para garantir a aposentadoria e pensão dos servidores em dia. Ou seja: R$ 600 mil diariamente, em médias. São recursos retirados de áreas essenciais, como Saúde e Educação”, afirma a instituição, em nota sobre o assunto divulgada em seu site.
É justamente nesse rombo, que continua sem equação até os dias de hoje, que o dinheiro que deveria salvar vidas no combate à covid-19 acabou sendo utilizado pela prefeitura.
Análise
O advogado Jorge Sanchez, especialista em combate à corrupção, afirma que a situação é inadimissível. “Os recursos destinados ao enfrentamento da covid-19, são recursos que não podem ser destinados a outra finalidade. Ou seja, como se fala, dinheiro carimbado. Esse ato administrativo de transferir o recurso da covid para o IPM caracteriza desvio de finalidade, passível que questionamento judicial e também de denuncia no Ministério Público e Tribunal de Contas”, afirma.
O advogado Gustavo Bugalho, especialista em direito administrativo, concorda. “Na minha análise, sendo verba vinculada, pode caracterizar conduta descrita no art. 1° do Decreto-lei 201/67”, afirma o advogado. O decreto tipifica uma série de condutas criminosas de prefeitos que, se confirmadas, sujeitam o prefeito em questão a penas de reclusão de dois a 12 anos, além da perda dos direitos políticos.
Já Dirceu Chrysostomo, jurista que já foi procurador do Estado de São Paulo, considera que, ainda que discutível, a medida não pode ser considerada ilegal. “Não é ilegal, pressupondo que o percentual de gasto com saúde e assistência social tenha sido efetuado. O restante era de livre gasto. Inclusive, muitos entes federados usaram para pagar pessoal, que é o caso de Ribeirão”, analisa.
Legal e moral
Para o cientista político Edgard Guedes, a situação traz à tona uma questão moral sobre a destinação das verbas recebidas do governo federal.
“Em uma cidade que registra pico crescente de casos confirmados da doença e de óbitos, é ético enviar recursos que poderiam ser usados para aumentar a estrutura hospitalar da cidade – seja alugando leitos da iniciativa privada ou contratando servidores – para tapar o rombo feito por administrações temerárias no IPM? Essa questão não é fácil de se responder e deve ser alvo de especial atenção”, comenta o especialista.
A reportagem também procurou o Ministério Público, no fim da tarde desta segunda-feira, mas não conseguiu contato com o promotor Sebastião Sérgio da Silveira para falar sobre o caso. Assim que isso ocorrer, a matéria será atualizada.