Escola indígena tem fila de espera em Manaus ao propor resgate de identidade

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sob a copa de árvores amazônicas, crianças fazem grafismos no corpo e descascam macaxeira doce. Ao redor de um formigueiro, os curumins aprendem sobre o povo que veio do centro da terra e, antes que o sol se deite, banham-se no rio Tarumã.

Esses e outros saberes ancestrais são passados por mulheres indígenas a crianças no Parque das Tribos, lar de mais de 700 famílias de 30 etnias na periferia de Manaus (AM).

“Se tu está na cidade, não é considerado mais indígena”, diz Vanda Witoto, 37, liderança da comunidade.

É para enfrentar o que chama de “apagamento da identidade dos povos originários” que ela abriu o quintal de sua casa para semear essa escola indígena.

“Ao sofrerem racismo nas escolas e em todos os espaços, essas crianças não se reconhecem como indígenas, pois não querem viver mais essa violência. E aqui a gente fortalece essa identidade”, afirma ela, ao encontrar traços desse apagamento na própria história.

Vanda foi levada de seu território, no Alto Solimões, aos 16 anos, para ser doméstica em Manaus. Conta que sofreu diversas violências, além da solidão.

Aos 27, ingressou na Universidade do Estado do Amazonas. Por “ter cara de índio”, diz ela, pediram-lhe o Rani (Registro de Nascimento Indígena), documento que Vanda não conhecia justamente por ignorar, até então, sua origem.

“Descobri que tinha nome indígena e que sou do povo do centro da terra”, diz ela, agora ativista da causa e criadora do Instituto Witoto.

“A educação me ensinou a fazer perguntas e a questionar a história que é contada no nosso processo formativo”, afirma a pedagoga e também enfermeira.

Vinte crianças frequentavam esse espaço de resistência e preservação cultural no Parque das Tribos em 2018. Agora são 80, entre 4 e 12 anos, vinculadas ao projeto, que funciona aos finais de semana. A ideia é expandir para o contraturno escolar.

“A fila de espera é gigantesca porque o que essas crianças têm aqui não tem em nenhuma outra escola, é outra perspectiva”, avalia Witoto.

Conquistada por essa pequena joia no coração do Amazonas, a filantropa Katia Francesconi, que dirige a fundação americana que leva seu nome, vai destinar R$ 130 mil ao projeto de Vanda.

O recurso de milionários americanos permitirá que a escola, hoje sem estrutura adequada para acolher mais crianças, se torne uma casa de conhecimento ancestral -ou “Jofo Nimairama”, na língua dos Witoto.

“Gosto de apoiar projetos semente, que ainda não têm apoio e precisam ganhar vida, e são mais arriscados”, diz Katia.

A brasileira radicada nos Estados Unidos há 28 anos já doou mais de US$ 6 milhões a ONGs -a maioria deles com projetos ligados à infância. Isso porque a filantropa, que não teve filhos, deposita nas crianças de seu país natal uma maneira de exercer a maternidade.

“Mesmo não tendo a estrutura familiar como todo mundo espera de uma mulher, a educação de crianças é minha missão. Essa vida aqui não é sobre mim, é sobre as crianças que eu posso ajudar.”

Foi Jeff Ares, que lidera a agência de comunicação e responsabilidade social Pedra, quem fez a ponte entre Francesconi, em Los Angeles, e Witoto, no Parque das Tribos.

“Criamos uma conexão a partir de nossas maternidades, que são exercidas de maneiras simbólicas”, diz Katia, que visitou Manaus para conhecer de perto o trabalho da líder indígena, que passou a integrar o rol de projetos beneficiados pelas doações da fundação.

“Eu tenho muitos curumins, mas não tenho filhos”, diz Vanda sobre o fator de identificação com a filantropa. “Tive algumas perdas, alguns anjos, então parei de tentar. Hoje cuido dos filhotes do coração.”

GABRIELA CASEFF / Folhapress

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