Hoje, para homenagear a cantora e compositora carioca que nasceu há exatos 95 anos – no dia 07 de junho de 1930 – mas que partiu prematuramente antes de completar 30 anos, trouxemos a história da música “A Noite do Meu Bem”, maior sucesso de Dolores Duran.
Sobre Dolores Duran
Dolores Duran foi uma das maiores cantoras, compositoras e instrumentistas do gênero samba-canção e influenciou uma geração de artistas que vieram depois dela. Com seu imenso talento, construiu uma trajetória muito significativa dentro da música popular brasileira, mesmo em pouquíssimo tempo de vida.
A artista nasceu na zona central do Rio de Janeiro, com o nome de Adiléia Silva da Rocha, em uma família com poucos recursos. Aos oito anos de idade, contraiu uma febre reumática que quase a levou à morte, e que deixou como sequela um sopro cardíaco gravíssimo.
Desde criança, Adiléia gostava de cantar e sonhava em ser famosa. Aos 12 anos, influenciada por amigos da família e impulsionada por seus sonhos pessoais, inscreveu-se no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, onde interpretou a canção “Vereda Tropical” (de Gonzalo Curiel).
Surpreendentemente, a menina cantou como uma profissional, mesmo sem nunca ter estudado música, e conquistou o primeiro lugar no concurso. Logo, as apresentações no programa tornaram-se frequentes, fixando-a na carreira artística.
Com 16 anos, Adiléia dividia-se entre o trabalho em casa junto de sua mãe e irmãs, costurando e lavando roupas para fora, e os finais de semana em que participava como atriz na rádio.
Até que conheceu um casal rico e influente – Lauro e Heloisa Paes de Andrade – que dava saraus e concertos em sua mansão, e – percebendo a belíssima voz da jovem em um concurso de música – a convidou para se apresentar nas festas em sua casa.
Adiléia passou a fazer um enorme sucesso, chamando a atenção de radialistas e pessoas influentes que frequentavam as festas e, depois, passando a se apresentar nas mais importantes boates do Rio de Janeiro, participando de cada vez mais programas de rádio e logo iniciando suas primeiras gravações. Nos anos que se seguiram também foi convidada para viajar em turnês pelo Brasil.

Foi Lauro Paes de Andrade que sugeriu o nome artístico de Dolores Duran, inspirado no da atriz americana Dolores Moran. Sem nunca ter estudado línguas, Dolores aprendeu sozinha a cantar em inglês, francês, italiano, espanhol e até em esperanto.
Ella Fitzgerald, durante sua passagem pela cidade do Rio de Janeiro, nos anos 1950, foi à boate Baccarat especialmente para ouvir Dolores Duran e entusiasmou-se com a interpretação da cantora brasileira para a canção My Funny Valentine (de Lorenz Hart e Richard Rodgers, famosa na voz de Frank Sinatra), dizendo que foi a melhor que já ouvira.
A estreia de Dolores Duran em disco foi em 1951, gravando dois sambas para o carnaval do ano seguinte: “Que Bom Será” (de Alice Chaves, Salvador Miceli e Paulo Márquez) e “Já Não Interessa” (de Domício Costa e Roberto Faissal). Em 1952, gravou o samba-canção “Um Amor Assim” (de Dora Lopes) e o samba “Outono” (de Billy Blanco).
Em 1954, gravou o samba-canção “Tradição” (de Ismael Silva) e o samba “Bom é Querer Bem” (de Fernando Lobo). No mesmo ano, gravou com sucesso os sambas-canção “Canção da Volta” (de Antônio Maria e Ismael Neto); e “O amor Acontece” (de Celso e Flávio Cavalcanti). Em 1956, gravou um de seus maiores sucessos como intérprete, o baião “A Fia de Chico Brito” (de Chico Anysio).
Em 1955, Dolores Duran sofreu um infarto e passou um mês internada. Isso aconteceu pois, com a carreira artística em alta, a artista resolveu não seguir as restrições que os médicos lhe determinaram por conta de sua condição de saúde desde a infância, como dormir cedo, evitar bebidas alcoólicas e cigarro, e não vivenciar fortes emoções. Ela temia a morte desde criança e queria viver intensamente tudo o que tinha para viver, mesmo com todo o preconceito que sofria da sociedade conservadora da época.
Dolores Duran namorou os compositores Billy Blanco e João Donato, de quem chegou a ser noiva. Casou-se com o cantor e compositor Macedo Neto, mas separou-se em pouco tempo. Dolores sofreu muito com racismo que enfrentava por ser uma mulher negra e de origem humilde vivendo relacionamentos inter-raciais e, neste último relacionamento também vivia idas e vindas por conta do machismo e das violências constantes que sofria do marido.
Durante o relacionamento com Marcelo, Dolores também sofreu um aborto espontâneo que a impossibilitou de ter filhos e a levou a uma forte depressão e ao uso constante de barbitúricos. Mais tarde, eles adotaram uma menina, chamada Maria Fernanda.
A artista gravou diversas músicas desses três artistas que namorou e também compôs diversas músicas com base no sofrimento que sentia com suas separações. A canção “Fim de Caso”, por exemplo, gravada em 1959, foi um estrondoso sucesso, que a levou direto para a Europa, onde ela cantou e se apresentou em diversos países, nas mais conceituadas casas de show.
Lá, ela montou um conjunto musical e passou a se apresentar dia e noite, fazendo muito sucesso. Da Europa, foi cantar no Uruguai, na União Soviética e na China, acompanhada de seu conjunto musical, e – depois – sozinha, voltou para conhecer Paris, seu grande sonho, e se apresentar por lá, morando seis meses na cidade.
Na noite de 23 de outubro de 1959, depois de um show na boate Little Club, a cantora saiu com seu namorado, Nonato Pinheiro, e com seus amigos para uma festa e depois resolveram fechar a noite bebendo, dançando e ouvindo canções em uma outra boate. A cantora chegou em casa muito alegre, às sete da manhã, do dia 24 de outubro.
Em seguida, após dar banho e se divertir com sua filha – de apenas 2 anos – foi dormir, já que tinha um show para fazer à noite. Dolores brincou com sua funcionária: “Não me acorde. Estou cansada. Vou dormir até morrer!”. No quarto, enquanto dormia, sofreu um infarto fulminante, prematuramente, aos 29 anos de idade, interrompendo uma trajetória brilhante na música.
Um de seus maiores sucessos é a música “A Noite do Meu Bem”, composição própria, escolhida como uma das “100 Maiores Músicas Brasileiras de Todos os Tempos” pela Revista Rolling Stone Brasil, em 2009, e sobre a qual saberemos a história a seguir.
História da música “A Noite do Meu Bem”
“A Noite do Meu Bem” é uma canção composta por Dolores Duran e lançada por ela em 1959.
Na letra, Dolores fala sobre a espera ansiosa por alguém que se ama e sobre tudo o que somos capazes de querer para “enfeitar a noite do meu bem”.
Durante a canção, sentimentos puros são cantados, até que no fim, cansada de esperar sem o amor nunca chegar, Dolores se mostra desesperançada e decepcionada.
Segundo a cantora Marisa Gata Mansa, amiga pessoal de Dolores Duran, “A Noite do Meu Bem” foi escrita cuidadosamente. Em 1959, Dolores fez um rascunho da letra em casa e durante alguns dias, fosse na rua ou na boate, parava pensativa para modificar e acrescentar os versos.
Num ensaio para a série “História da Música Popular Brasileira”, a ensaísta Marilena Chauí comenta: “Dolores convoca na canção o universo para a sua noite como se a ela própria tudo faltasse para enfeitar a chegada desse bem tão demorado.”
Dolores gravou a canção cerca de um mês antes de morrer e não teve tempo de ver e desfrutar o sucesso que a canção atingiu. Sua versão contém um instrumental que lembra uma caixinha de música.
Com o falecimento da cantora, o lançamento da canção foi apressado e – em menos de quinze dias – era comercializado em um disco 78rpm, junto com a canção “Fim de Caso“, também de sua autoria e também um sucesso.
A notícia da morte da cantora foi embalada por estas e outras canções divulgadas postumamente. “A Noite do Meu Bem” tornou-se um dos maiores sucessos da música popular brasileira e foi regravada por diversos artistas.
Ainda em 1959, as cantoras Elza Laranjeira e Marisa Gata Mansa regravaram a canção em discos 78rpm e Agostinho dos Santos em seu LP “Inimitável”.
No ano seguinte, Elizeth Cardoso gravou a canção para seu álbum “A Meiga Elizeth”, Lúcio Alves para seu álbum que levou o nome da canção, e Nelson Gonçalves para seu disco “Seleção de Ouro”, além de Dalva de Oliveira, que gravou “A Noite do Meu Bem” em um 78rpm.
A cantora Maysa, também amiga de Dolores, gravou a canção em 1961 para o álbum “Maysa Sings Songs Before Dawn”, seu nono álbum de estúdio. Lançado somente nos Estados Unidos e na Argentina, o álbum contém somente “A Noite do Meu Bem” como canção em língua portuguesa, cuja gravação de Maysa contou com seu famoso tom dramático.
Versões em diversas línguas
Em 1961, o cantor argentino Roberto Yanés gravou “La Noche de Mi Amor”, com letra adaptada por Rafaelmo. A cantora mexicana Flor Silvestre gravou a mesma letra com mariachi em 1966.
O cantor brasileiro Altemar Dutra também gravou a canção em versão castelhana, porém com letra adaptada por Quezada. Lenita Bruno, gravou em Hollywood, em 1968, “Velvet”, uma versão em inglês.
A poliglota cantora brasileira Bia Krieger, gravou em 1999 a canção numa versão francesa por Pierre Barouh, chamada “La Nuit de Mon Amour”. Fábio Jorge e Cândido Fernandes também gravaram esta versão em 2008 e 2010, respectivamente.
Em 1968, foi a vez de Elis Regina, que gravou em Paris a versão de Pierre Barouh em francês para a canção.
Na década de 1980 as regravações foram de Milton Nascimento, Ângela Maria e Cauby Peixoto e nos anos 90, Agostinho dos Santos e Nana Caymmi, essas em português mesmo.
A partir dos anos 2000, “A Noite do Meu Bem” – canção atemporal – entrou no repertório de Zezé Mota, Alcione, Kid Abelha, Agnaldo Timóteo e Hebe Camargo.
“A Noite do Meu Bem” é também o nome de um filme biográfico sobre a vida de Dolores Duran, lançado em 1968, com direção de Jece Valadão. O filme conta sobre as lutas de Dolores pra ingressar sua carreira de cantora e seus amores e desilusões. No filme, Dolores é interpretada pela atriz Joana Fomm.



