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Laura Vinci faz do efêmero matéria-prima para esculpir obras de areia e vapor

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É como se o céu tivesse desabado e as nuvens agora flutuassem sobre o chão. A bruma se forma aos poucos, envolve as pessoas e desaparece de repente, escapando entre os dedos com a mesma rapidez com que surgiu. Tudo é fugaz e efêmero na instalação “No Ar”, de Laura Vinci, artista que reflete sobre o tempo esculpindo a impermanência.

“Para ela, a escultura não é alguma coisa fixa, e sim em movimento e em mudança de estado”, diz Agnaldo Farias, curador de “Fluxos”, exposição que reúne 18 trabalhos da artista no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, o MuBE. “Laura entende que o mundo é mutável, por isso seu trabalho é pautado pela ideia de transformação.”

Esse interesse pelo efêmero se faz sentir de diferentes maneiras nos trabalhos que compõem a exposição. Na obra “Ainda Viva”, ela colocou dezenas de maçãs sobre uma mesa de mármore, opondo a durabilidade da pedra ao caráter perecível do fruto vermelho.

A placa de mármore faz lembrar ainda uma lápide, de modo que as maçãs parecem repousar sobre o próprio túmulo, um prenúncio do fim e um aviso sobre a brevidade da vida.

Vinci trata sobre a passagem do tempo por meio do minimalismo e da contenção estética. Avessa ao exagero, a artista é conhecida por sua produção frugal, concisa e austera. “Ela trabalha com materiais discretos por ser muito econômica”, diz Farias. “Além disso, prefere exposições que não sejam entulhadas.”

A mostra do MuBE reforça isso ao privilegiar espaços vazios entre uma obra e outra, transformando a ausência em elemento expositivo. Para o curador, essa característica é uma reminiscência do lado musicista de Vinci, artista que praticou oboé e flauta na adolescência. “A pausa, o silêncio e o intervalo são fundamentais para o músico. Sem isso, não há contraste entre uma nota e outra.”

A relação com a música está presente também nas paredes da mostra, onde a artista instalou correntes em zigue-zague que dão ritmo à estrutura. O movimento se contrapõe à verticalidade das hastes presentes na instalação “Triz” —cones dourados que expelem fumaça a partir de seu interior. “A relação entre essas obras é uma polirritmia que se dá de maneira muito discreta. Há dois ritmos, dois tempos acontecendo, um ao lado do outro”, diz Farias.

A discrição e a quietude também são uma forma de não competir com o imóvel que abriga o museu —ele próprio uma obra de arte projetada por Paulo Mendes da Rocha. “Laura entra nesse ambiente pedindo licença e de forma muito respeitosa.”

A artista reforça que essa foi a sua intenção, motivo pelo qual escolheu poucas peças. “Queria que a gente não perdesse a beleza do lugar, porque é uma arquitetura muito forte”, diz ela, acrescentando que inicialmente a mostra teria uma quantidade maior de trabalhos. “Mas falei: ‘Não, vamos respeitar esse espaço.’ Tentei equilibrar o trabalho para que ele tivesse uma relação de correspondência com o espaço.”

A preocupação com a arquitetura se intensificou a partir de 1997, quando ela apresentou uma instalação na mostra “Arte/Cidade III”. No evento, a artista depositou cinquenta toneladas de areia no terceiro andar de um edifício em ruínas. Depois, fez um furo de 12 milímetros no chão por onde o material escoava para o segundo pavimento. É como se a obra fosse um grande relógio de areia.

“Não é qualquer lugar que nos permite fazer um furo na laje. Só uma ruína mesmo. A partir dessa instalação, houve uma virada de chave importante”, diz a artista. “Comecei a considerar a situação física do lugar, o espaço, a questão arquitetônica e estrutural.”

Evidência desse esforço é a sinergia entre as obras de Vinci e a arquitetura de Mendes da Rocha. A artista escolheu obras que dialogassem com a estética brutalista da construção, algo que se faz sentir logo na entrada da mostra.

No piso superior, a leveza das brumas da instalação “No Ar” contrasta com o peso de uma enorme placa de concreto que fica em cima do nevoeiro. O arquiteto chamava essa estrutura de “pedra do céu” —referência a um quadro do belga René Magritte em que uma rocha flutua no horizonte.

“É como se o vapor ajudasse essa pedra a ficar mais leve e etérea”, diz Vinci, enquanto a fumaça se desprende do chão a partir de um sistema de aspersão, método usado para irrigar lavouras.

Se por um lado a névoa parece anunciar uma ameaça, por outro é como se escondesse um enigma. “No momento em que você entra dentro dela, a impressão é a de estar em outro lugar que não na sua realidade. É como se essa bruma pudesse nos transportar para novos mundos.”

Outra obra que conversa com a arquitetura de Mendes da Rocha é uma instalação na qual dois pêndulos se movem lentamente da esquerda para a direita. É uma coreografia que lembra o rigor e a elegância de bailarinos sobre o palco.

Essa percepção se acentua quando levamos em conta que o vão no qual a artista instalou os pêndulos foi idealizado para receber eventos como peças de teatro. A dramaturgia, aliás, integra a prática artística de Vinci desde 1998, quando Zé Celso a convidou para conceber a cenografia da peça “Cacilda!”. A parceria se repetiu em outros espetáculos do Teatro Oficina, como “Os Sertões” e “Na Selva das Cidades”.

Vinci diz que seu trabalho como artista plástica se transformou depois que começou a atuar como cenógrafa. “As obras passaram a mobilizar mais o espectador para que ele fosse menos passivo. Acho que foi o teatro que me deu isso.”

Por sua vez, a artista deu à dramaturgia a materialidade que permeia as suas exposições. Em “Cacilda!”, por exemplo, uma grande pedra de mármore foi pendurada nos fundos do Oficina.

Na mostra em cartaz no MuBE, o mármore também aparece de forma recorrente, mas em diferentes estados. Ora sob a forma de esculturas voluptuosas, como em “Duas Graças”, ora reduzido a grãos de areia, a exemplo do que se vê na obra “Máquina do Mundo”.

Essas diferentes versões do mesmo elemento evocam a ideia de transmutabilidade da matéria, outro conceito caro à artista. “A pedra já foi areia e a areia será pedra. É como se eu esticasse a ideia do tempo muito além da nossa experiência humana”, diz Vinci. “Vou para o mundo das matérias justamente para pensar a questão da temporalidade.”

FLUXOS – LAURA VINCI

– Quando Ter. a dom., das 11h às 17h. Até 7 de setembro

– Onde R. Alemanha, 221, São Paulo

– Preço Gratuito

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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