Quem passa apressado pela Praça da República pode se surpreender com uma cena improvável: crianças pequenas, em fila, sobre motocas coloridas, desfilando entre pombos e transeuntes. O que parece uma brincadeira é, na verdade, um potente gesto pedagógico: trata-se do “Motoca na Praça”, projeto da EMEI Armando de Arruda Pereira que leva meninos e meninas de 4 e 5 anos a ocuparem o centro histórico de São Paulo com olhar curioso, afeto e cidadania.
A cidade como sala de aula
Criado em 2019 pela professora Lívia Arruda, o projeto nasceu da inquietação diante da imagem estigmatizada de uma das praças mais conhecidas da capital paulista. Visto como lugar inapropriado para crianças, o espaço foi sendo ressignificado a partir da ocupação cotidiana e da escuta sensível das infâncias. “Ao invés de nos escondermos dentro da escola, resolvemos mostrar que a praça também é das crianças”, conta a educadora, que hoje atua como formadora na Diretoria Regional de Educação – DRE Ipiranga.
Uma pedagogia em movimento
O projeto ganhou força após a pandemia e, com ele, novos percursos foram traçados. As motocas, inclusive com adaptações para acessibilidade, hoje chegam à Galeria do Rock, Biblioteca Mário de Andrade, Sesc 24 de Maio e até à Biblioteca Monteiro Lobato, que é um pouco mais distante dali. Tudo isso com planejamento e participação ativa da criançada.
André Panachi, assistente de direção da escola, explica que as saídas começam dentro da própria unidade, com atividades motoras e combinados. “É um processo. Primeiro, eles treinam dentro da escola. Depois vão para a praça. Por fim, desbravam outros cantos da cidade”, diz. A cada passeio, surgem perguntas, relatos e descobertas. “Eles nomeiam os prédios, reconhecem caminhos, dividem experiências com os colegas. Vivenciam a cidade como sujeitos ativos.”
Transformação para todos os lados
Se as crianças aprendem sobre cidadania atravessando faixas, cumprimentando desconhecidos ou oferecendo flores e desenhos a quem passa, os adultos também ganham. “Às vezes você vê um rosto fechado que se abre num sorrisinho. A criança humaniza o espaço”, diz André. Já Lívia lembra que, em uma das saídas, um familiar revelou nunca ter entrado em um Sesc antes do passeio com a escola. “Não é só sobre as crianças. É sobre a comunidade.”
O Motoca na Praça foi reconhecido por prêmios como o Paulo Freire, da Câmara Municipal de São Paulo, e o Territórios, do Instituto Tomie Ohtake. Mas é no cotidiano das rodas e risadas, entre asfalto, prédios, carros e pessoas, que o projeto revela sua maior potência: ensinar a viver em coletivo, com autonomia, escuta e afeto.



