BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A derrubada de uma série de vetos presidenciais que beneficiou empresários do setor elétrico e elevou a conta de luz gerou um clima de insatisfação dentro do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e entre parlamentares da base aliada. O episódio escancarou falhas de articulação política e expôs um jogo de empurra entre ministérios e líderes do Congresso sobre a responsabilidade pelo resultado.
Dentro do governo, auxiliares apontam que o Palácio do Planalto falhou na condução do processo. Nesse caso, a principal crítica recai sobre a demora em analisar uma minuta de MP (medida provisória) do Ministério de Minas e Energia que buscava oferecer um meio-termo aos parlamentares, com redução de custos de subsídios e alívio no impacto sobre as tarifas de energia.
Como a Folha mostrou, a minuta ficou parada no Palácio do Planalto e deixou de ser enviada a tempo da votação. Após a derrubada dos vetos, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), anunciou o envio da MP pelo governo. Mas parte do Executivo vê ceticismo na eficácia do instrumento que poderia, de acordo com as expectativas iniciais, diminuir os efeitos dos ‘jabutis’ em até 83%.
A SRI (Secretaria de Relações Institucionais), comandada por Gleisi Hoffmann e responsável pela articulação política do Planalto, teve que soltar uma nota dois dias após a votação dizendo que foi surpreendida por um acordo costurado pela liderança do governo no Congresso. Inicialmente, a pasta trabalhava com a ideia de que somente uma parte dos vetos referentes ao programa Proinfa, de benefícios a fontes alternativas de energia seria derrubada. Mas afirma que houve a inclusão repentina de outros itens.
“No caso específico desse projeto, fomos surpreendidos com a inclusão, de última hora, de outros dispositivos, como PCHs, eólicas no RS, usina a hidrogênio no NE e relicitação de térmicas”, afirmou, em nota publicada na quinta-feira (19). De acordo com a pasta, havia necessidade nesses casos de um acordo maior nos vetos.
Procurado, Randolfe afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ele foi consultado pela SRI para a produção da nota de esclarecimento e que ele concordou com os termos utilizados. A Casa Civil e a SRI não responderam.
De acordo com um político que acompanhou as tratativas, pouco antes de a sessão do Congresso ser iniciada, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi se reuniram com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e lideranças, entre elas Randolfe, em uma tentativa de evitar a apreciação do veto das eólicas.
Diante das queixas de lideranças dos partidos de centro, foi fechado um acordo ampliando o número de dispositivos do veto que seriam derrubados. Nessa conversa, ainda segundo relatos, integrantes do governo sinalizaram para o envio da MP, mas, sem o texto pronto, optou-se por derrubar os vetos para, num segundo momento, analisar essa medida.
Randolfe recebeu críticas pela condução da sessão do governo e até mesmo de parlamentares aliados. Congressistas afirmam que até a véspera da sessão ainda não havia clareza sobre os acordos costurados. Diferentes lideranças garantiam no dia anterior que a deliberação dos itens de energia ficaria para uma futura sessão. À noite, no entanto, surgiu a informação entre eles de que os itens poderiam, sim, ser votados no dia seguinte.
Na terça-feira (17) pela manhã, horas antes da votação, foi divulgado que cinco vetos de energia seriam derrubados por meio de um acordo.
Assim que a sessão foi aberta por Alcolumbre, foi anunciado um acordo para a derrubada de mais três itens. Ao todo, oito vetos de Lula na energia foram derrubados à revelia das recomendações de diferentes ministérios.
Deputados do PT se queixaram de Randolfe em grupo de WhatsApp da bancada do partido. De acordo com relatos, petistas disseram que não houve explicação do senador sobre o conteúdo do veto e suas consequências. Ao menos quatro pastas do governo Lula, no entanto, vinham se expressando ao menos desde o começo do ano de forma contrária às propostas entre os motivos, o aumento na conta de luz.
Um deputado afirma, sob reserva, que há um clima entre os parlamentares de uma quebra de confiança com o senador. Também houve queixas de que os deputados e senadores que votaram seguindo orientação do governo passaram a ser criticados nas redes sociais enquanto Randolfe nem sequer votou (ele se absteve).
O PT votou de forma quase unânime pela derrubada dos vetos de Lula com mais votos, proporcionalmente, do que partidos como o PL, de Jair Bolsonaro. Enquanto isso, se posicionaram totalmente pela manutenção dos vetos PSOL, Novo, PV e Rede.
Apesar disso, governistas minimizam o episódio e afirmam que o Executivo enfrenta dificuldades no Congresso Nacional por não ter uma base aliada coordenada. Eles afirmam que o trabalho dos parlamentares na sessão era de evitar grandes derrotas para o Palácio do Planalto, mas que já estavam precificados alguns pontos.
Isso porque a sessão ocorreu num momento em que há uma grande insatisfação dos parlamentares com o Executivo, sobretudo pela demora na liberação das emendas parlamentares de 2025 e de recursos aprovados em anos anteriores.
Um político lembra que no dia anterior à sessão do Congresso, a Câmara impôs uma derrota ao governo ao aprovar por um placar expressivo a urgência de projeto que derruba o novo decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) publicado pelo Executivo.
Há uma avaliação de que, se a MP elaborada pela pasta de Minas e Energia tivesse sido enviada antes ao Congresso, os vetos não precisariam ter sido analisados. A medida foi discutida em reunião no dia seguinte à sessão do Congresso com Costa, Gleisi, Alcolumbre e líderes do Senado na residência oficial da presidência do Senado, em Brasília.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, se mostrou distante das negociações. Apesar de defender a manutenção dos vetos, ele chegou a afirmar que a articulação política sobre o tema era de responsabilidade da SRI.
VICTORIA AZEVEDO E FÁBIO PUPO / Folhapress
