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Excesso de proteção desprotege trabalhador, diz Barroso

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, disse em entrevista ao C-Level, videocast semanal da Folha, que o mundo do trabalho mudou e que a ideia do empregado celetista talvez não seja mais a dominante.

Para ele, o novo cenário -com mais presença do empreendedorismo e de aplicativos como Uber e iFood- impôs novas realidades, como a terceirização. Ele defende que, em certos casos, é preciso pensar uma forma de proteção social diferente da tradicional.

O ministro diz ainda que um excesso de direitos pode jogar contra o empregado, e que o STF fez bem ao chancelar a reforma trabalhista de 2017. “Não por acaso temos o menor índice de desemprego do país em 40 anos. Acho que algum grau de correlação é possível fazer.”

O Supremo enfrenta críticas pelo que seria o esvaziamento das prerrogativas da Justiça do Trabalho. Em abril, o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos relativos à pejotização, prática em geral tolerada pela Corte, e em fevereiro uma decisão do tribunal dificultou a responsabilização do setor público em reclamações trabalhistas de terceirizados.

Em função dessas e outras decisões, tem sido cada vez mais comum que empresas pulem o circuito normal da Justiça trabalhista e busquem o STF diretamente, como mostrou recentemente a Folha de S.Paulo.

“Acho que, em certos casos, o excesso de proteção desprotege”, afirmou o ministro durante a entrevista. “Acho, sim, que o entregador do iFood e o motorista de Uber têm que ter proteções sociais, mas um pouco diferentes da concepção tradicional. Temos que pensar fórmulas originais de proteção.”

No tema do IOF, Barroso defendeu que o ideal seria uma solução consensuada para o impasse que opõe Congresso ao governo Lula e acaba de chegar no STF. Ele defendeu que o reequilíbrio fiscal não fique na conta das classes sociais mais baixas.

“A contribuição para o ajuste de contas tem que ser geral e não pode recair predominantemente sobre os mais pobres”, disse o ministro, que manifestou apoio ao projeto de lei limitando os salários acima do teto constitucional -embora com uma modulação que defina quais benefícios são justos e quais devem ser cortados.

O presidente do Supremo falou ainda em “epidemia de litigiosidade” ao tratar do pagamento dos precatórios, que deve ir a R$ 116 bilhões em 2026, e rejeitou qualquer contribuição do Judiciário ao aumento de concessões do BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pela administração do benefício, afirmou que tanto a via administrativa quanto a judicial registraram aumento no número de requerimentos do BPC. A pasta também disse esperar um alinhamento maior dos critérios de concessão a partir de decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

PERGUNTA – Que papel o Supremo Tribunal Federal terá na divergência entre o Congresso e o governo federal? Nessa questão do IOF, o Supremo vai conduzir um processo de conciliação?

LUÍS ROBERTO BARROSO – Essa é a questão de que eu menos posso falar, porque o processo acabou de ser distribuído a um relator, o ministro Alexandre de Morais. Eu nem li a inicial, para falar a verdade.

Mas acho que o Supremo vai decidir como decide tudo, interpretando e aplicando a Constituição da melhor forma possível. Se houver possibilidade de uma solução consensual, melhor ainda.

Já que há jurisprudência em relação à ação, ao optar pela conciliação o tribunal não acaba tomando uma decisão política?

O papel do Judiciário é resolver problema. E, portanto, se você puder resolver os problemas de maneira consensual e não litigiosa, é melhor do que fazer de uma forma em que um ganha e o outro perde.

Há um equívoco no Brasil de achar que a solução amigável é pior do que a solução [litigiosa]. Antes, pelo contrário. De modo que, se for possível construir um resultado em que todos estejam de acordo, em que ninguém perca e ninguém ganhe é muito melhor. Não estou dizendo que vai ser feito assim, mas é desejável. Se não for possível, a gente decide.

P. – Cerca de 30% das concessões do BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a carentes que sejam idosos ou pessoas com deficiência) são determinadas pela Justiça. O Conselho Nacional de Justiça disciplinou um pouco as regras para concessão desses benefícios. O senhor acha que isso é suficiente para conter as despesas?

LB – Houve um crescimento muito relevante das concessões do BPC, mas é um equívoco imaginar que esse crescimento tenha decorrido do Judiciário. Houve um aumento da demanda por BPC em geral, tanto perante o Judiciário quanto perante à administração pública. E, portanto, eles continuam mais ou menos equiparados, até com um pouco mais de concessões pela administração pública.

A verdade é que há uma crise fiscal no país e está todo mundo procurando identificar onde há excessos e onde há as coisas sobrando. Acho que tem que se preocupar com o BPC, tem que se preocupar com a Previdência, mas também tem que se preocupar com as desonerações e com a redução de gastos de uma maneira justa, numa sociedade democrática que tem a justiça social como um dos seus princípios.

É preciso ter a percepção de que a contribuição para o ajuste de contas tem que ser geral e não pode recair predominantemente sobre os mais pobres, mas onde haja coisas erradas ou excessos.

Uma das autoridades que reclamou desse excesso de judicialização foi justamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alertando para o impacto nas contas públicas.

Geralmente quem traz a judicialização para o Supremo é o Executivo ou o Congresso. O Supremo não vai buscar essas demandas. O IOF foi judicializado pelo governo e muitas outras questões são judicializadas por partidos políticos. A percepção popular e equivocada é que o Supremo se mete em tudo. Na verdade, tem sempre algum ator institucional relevante que traz o Supremo para as discussões e pede para ele arbitrar essas demandas. E a gente decide as questões mais divisivas da sociedade brasileira. Estamos sempre desagradando a alguém.

P. – Hoje o Judiciário tem muito mais privilégios do que em 2023, quando o senhor assumiu a presidência do Supremo e o CNJ. Mesmo a trava que foi colocada pelo CNJ na questão dos penduricalhos é avaliada por especialistas como não efetiva. Tem mais gordura para ser cortada? O senhor é favorável ao projeto que limita os supersalários?

LB – Em primeiro lugar, não há nenhuma decisão minha que tenha contribuído para penduricalhos. A única decisão até hoje foi exatamente para cortar os penduricados para o futuro, porque para o passado eu não tenho competência para retirar, é só judicialmente.

A única medida minha que em alguma medida repercutiu sobre qualquer área de direitos e vantagens foi dizer, repetindo o que está na Constituição, que juízes e membros do Ministério Público têm igualdade de situação. O Supremo Tribunal Federal e o Judiciário Federal devolvem dinheiro ao Tesouro no final do exercício. Portanto, na minha conta não entra. Nos estados é possível, sim, que tenham ocorrido aqui e ali abusos, de modo que o que eu fiz foi exigir que os benefícios não possam mais ser dados por decisão administrativa, só se […] o Supremo, autorizar.

P. – O sr. é favorável ao projeto dos supersalários?

LB – Estou totalmente a favor de limitar o que se chama de indenizações para os juízes de uma maneira geral, que é o que a gente chama de extrateto, que está em discussão no Senado. Eu mesmo já falei com o presidente Alcolumbre que seria muito bom aprovar.

Há extras [como adicional por substituição de colegas em férias] que são plenamente justificáveis e necessários, se não você tem um desfalque na prestação jurisdicional. De modo que eu sou a favor de o Congresso dizer quais verbas podem ultrapassar o teto legitimamente, e acabar com os penduricalhos que são dados indevidamente. Sou totalmente a favor dessa limitação.

Em 2027 a reforma tributária entra em vigor. Algumas lideranças defendem que o Supremo seja provocado para afastar a insegurança jurídica e evitar décadas de litígio na área tributária. O que o sr. acha desse funcionamento?

Nós estamos construindo, no Conselho Nacional de Justiça, um anteprojeto de lei. Tem uma comissão com representantes da advocacia, dos estados, dos municípios e do Congresso. E nós estamos tentando elaborar um anteprojeto para ser encaminhado ao Senado, possivelmente.

O senador Rodrigo Pacheco é parceiro nesse debate para criar um tipo de jurisdição nacional online para impedir que tal como acontece com o ICMS, você tenha litígio sobre o ICMS em 27 estados da federação. E criar uma jurisdição única paritária de juízes estaduais e federais.

P. – O Supremo aprecia questões tributárias com impacto de R$ 1 trilhão, entre outras que afetam os cofres públicos. Um exemplo é o caso dos precatórios, em que há uma solução adequada até 2026, mas, a partir de 2027, a bomba-relógio volta a correr. Qual é a avaliação que o Supremo faz desses casos?

LB – É uma epidemia de litigiosidade. Nós temos temos 83,8 milhões de ações em curso. É um recorde mundial. Nenhum país paga no mundo 70, 80, 100 bilhões de precatórios. Esse é um fenômeno brasileiro.

Eu fiz um grupo de trabalho para fazer o diagnóstico desse problema. Apuramos que a litigiosidade contra o poder público, União, estados e municípios, se concentra nas ações previdenciárias, nas ações movidas por servidores públicos, nas ações tributárias, nas ações de saúde e nas ações trabalhistas, que correspondem a 90%.

Em relação à litigiosidade trabalhista, que também é um problema no Brasil, eu fiz uma resolução no Conselho Nacional de Justiça que prevê que, se, no momento da rescisão, empregado e empregador estiverem de acordo, cada um assistido pelo seu advogado, o termo de rescisão pode ser levado à homologação pela Justiça do Trabalho e, se for homologado, fica proibido o ajuizamento de reclamação trabalhista.

Porque nós temos dois problemas nessa área, o empregador que não cumpriu o que tem que cumprir e uma indústria de reclamações. Portanto, nós estamos aqui protegendo os bons empregadores e acho que com isso a gente consegue reduzir a litigiosidade trabalhista.

P – O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, falou que a terceirização da forma como foi julgada e decidida no Supremo, ficou irmã gêmea do trabalho escravo. Além disso, tem havido um movimento do Supremo abrir espaço para que as empresas recorram diretamente à Corte para derrubar decisões trabalhistas desfavoráveis. A Justiça do Trabalho está perdendo espaço?

LB – Aquela ideia do trabalhador celetista, metalúrgico, empregado, que cumpre oito horas regularmente, já não é mais, talvez, a dominante no mercado de trabalho hoje, em que você tem pequenos empreendedores individuais, entregadores do iFood, motoristas de Uber.

O mercado mudou e a terceirização se impôs como uma opção. De modo que, melhor do que ter uma terceirização que passasse abaixo do radar do direito e da legislação, nós estabelecemos a sua legitimidade, cumpridas determinadas regras. Eu mesmo fui o relator e acho que fizemos muito bem.

Também acho que fizemos bem em validar a reforma trabalhista. São diferentes visões de mundo que a gente deve respeitar, mas, depois da validação da reforma trabalhista pelo Supremo, creio que não por acaso temos hoje o menor índice de desemprego no país nos últimos 40 anos. Não é desimportante esta estatística e acho que algum grau de correlação é possível fazer.

Na minha visão, que é protetiva do emprego e do trabalhador, um pouco menos de proteção favoreceu a formalização do emprego e o incremento da empregabilidade. Outras pessoas, e eu respeito, têm uma visão ideológica de aumentar a proteção. Mas eu acho que, em certos casos, o excesso de proteção desprotege.

Agora, acho, sim, que o entregador do iFood e o motorista de Uber têm que ter proteções sociais, mas um pouco diferentes da concepção tradicional. Nós temos que pensar fórmulas originais de proteção.

Raio-X | Luís Roberto Barroso, 67

Nascido em Vassouras (RJ), se formou, fez doutorado e deu aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como procurador do estado no Rio. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013, e hoje preside a Corte, com mandato até setembro deste ano.

ADRIANA FERNANDES, BRUNO BOGHOSSIAN, JULIANNA SOFIA E MARCOS HERMANSON / Folhapress

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