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Estreia: O Último Azul

Fabrício Correia
Fabrício Correia
Fabrício Correia é jornalista, escritor, professor universitário, especialista em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. É crítico de cinema, membro da Academia Brasileira de Cinema e apresenta o programa “Vale Night” na TV Thathi SBT.
FABR

Há muito tempo o cinema brasileiro não entregava um filme tão vivo, tão cortante e, ao mesmo tempo, tão silencioso quanto “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro. A cada plano, não sentimos o deslizar da ficção, mas o peso de um país que transformou a velhice em problema de planilha, a vida em estatística.

Tereza, interpretada por Denise Weinberg, é dessas figuras que parecem nascer já clássicas. Não há nela enfeite, sobra ou concessão. Sua recusa em aceitar o exílio burocrático para uma “colônia” é um gesto mínimo, mas nesse ato se inscreve um terremoto moral.

Rodrigo Santoro, como Cadu, é barqueiro de destino. Pela primeira vez em muito tempo deixa de lado o galã para ser pura presença. Não carrega a cena, não invade: apenas está. E estar, aqui, é tudo. Seu personagem lembra Caronte, mas sem mito — um homem que conhece a corrente e compreende que todo transporte é também julgamento. O encontro entre ele e Tereza tem a beleza das coisas secas: cúmplice, despojado, sem palavras.

Mascaro filma a Amazônia como febre. Não há cartão-postal: há umidade que impregna, mato que engole monumentos, barulho de insetos que não cessa, motor de rabeta que insiste. É uma floresta que sufoca e revela. E nela, a aparição da baba azul do caracol; superstição, ciência, metáfora, delírio. Essa fissura poética dá ao filme sua grandeza: lembra que nenhum sistema é absoluto, que sempre resta espaço para o impossível.

O poder, em “O Último Azul”, não tem rosto. Ele se revela no carimbo, na pulseira, na ordem burocrática. A violência é administrada como política de estado. É essa frieza que devasta.

Tecnicamente, Mascaro alcança um rigor raro. Os planos respiram, a montagem respeita o tempo dos corpos, o som organiza uma sinfonia áspera de madeira, água e insetos. Quando o azul invade a tela é epifania. O instante em que a vida se suspende, e resistir se descobre como forma de beleza.

Belíssimo e necessário.

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