A transição de gênero é uma jornada profunda e pessoal, mas que muitas vezes levanta dúvidas sobre o futuro da fertilidade. Para pessoas trans que desejam ter filhos biológicos, conhecer as opções antes ou durante o processo de hormonização é fundamental. Congelar óvulos ou espermatozoides ainda é o caminho mais seguro, mas mesmo após o início do tratamento hormonal, nem tudo está perdido.
“Planejar a fertilidade desde o início é essencial para ampliar as possibilidades de parentalidade no futuro, especialmente porque a transição pode afetar — de forma reversível ou não — a produção de gametas”, explica o ginecologista e especialista em reprodução humana Paulo Gallo de Sá.
Opções antes da transição hormonal
Para quem ainda não iniciou o processo de hormonização, a preservação de gametas é altamente recomendada. Homens trans (pessoas designadas mulheres ao nascer) podem realizar estimulação ovariana e congelamento de óvulos. Já mulheres trans (designadas homens ao nascer) podem coletar sêmen por masturbação ou, em casos avançados de bloqueio hormonal, por punção testicular.
Os gametas ficam armazenados em tanques de nitrogênio líquido e podem ser usados posteriormente em técnicas como inseminação intrauterina (IIU), fertilização in vitro (FIV) ou gestação por substituição — conforme as normas do Conselho Federal de Medicina.
E quando a transição já começou?
Mesmo após o início ou conclusão da transição, algumas possibilidades continuam viáveis:
• A suspensão temporária dos hormônios pode reativar a produção de óvulos ou espermatozoides, ainda que os resultados variem.
• A extração cirúrgica de tecido ovariano ou testicular, ainda experimental no Brasil, já possibilitou nascimentos saudáveis em outros países.
• Doação de gametas e gestação por substituição são caminhos possíveis para quem não tem ou não quer utilizar gametas próprios.
• Adoção também é uma alternativa legalmente acessível, embora ainda existam barreiras sociais e preconceitos.

Desafios práticos e estruturais
Apesar do respaldo do SUS para a preservação de fertilidade antes da transição, o acesso esbarra em limitações. As filas são longas e a oferta, restrita. Já na rede privada, o congelamento pode custar entre R$ 4 mil e R$ 15 mil, e a FIV ultrapassa os R$ 20 mil por ciclo.
Do ponto de vista legal, a Resolução CFM 2.294/21 autoriza a reprodução assistida para pessoas solteiras e casais homoafetivos, mas impõe regras específicas sobre doadores e gestação por substituição que nem sempre se adaptam à realidade das famílias trans. Além disso, ainda há profissionais despreparados e clínicas que recusam pacientes veladamente.



