Quarenta milhões de pessoas são vítimas do trabalho escravo contemporâneo no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). No Brasil, mais de 55 mil vítimas foram resgatadas entre 1995 e 2020, de acordo com o Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Os trabalhadores libertados são, em sua maioria, homens de 18 a 44 anos de idade, migrantes internos ou externos, que deixaram suas casas para a região de expansão agropecuária ou para grandes centros urbanos, atraídos por falsas promessas de emprego e melhoria de vida.
Essa é a história retratada em 7 Prisioneiros, filme da Netflix que estreia nesta quinta-feira, 11. Estrelado por Rodrigo Santoro e Christian Malheiros, o longa é dirigido por Alexandre Moratto e produzido por Fernando Meirelles.
Na trama, Malheiros interpreta Mateus, um rapaz do interior de São Paulo com poucas perspectivas na vida, que aceita um trabalho na capital levado por um conhecido, junto com outros três rapazes.
Ao chegar ao ferro-velho de Luca (Rodrigo Santoro), os quatro percebem que foram enganados e que têm “dívidas” com o patrão, como despesas inflacionadas com a moradia que dividem, a comida, o transporte até lá e entendem que não vão ter salário.
Então, Mateus é forçado a tomar a difícil decisão de trabalhar para o homem que o escravizou ou arriscar seu futuro e o de sua família. Segundo o diretor, o filme é fruto de muita pesquisa e, no elenco, um dos atores foi realmente vítima do tráfico de pessoas.
“Refugiado da Bolívia, quando chegou a São Paulo, foi trancado em uma oficina de costura durante 6 meses. Tomaram toda a documentação dele e falaram que, se ele saísse para denunciar, a polícia ia matá-lo. Fiz questão de contar a história dele para todo mundo ouvir e trazer essa autenticidade para o filme”, explicou Alexandre.
SÃO PAULO E A EXPLORAÇÃO
Apesar de o longa retratar somente a capital paulista como cenário da exploração, Moratto afirma que “toda sociedade do mundo foi construída através de mãos exploradas, mãos escravizadas. Isso continua até hoje, só que, atualmente, não queremos encarar”.
“Toda base do País é a escravidão. O Brasil não teria tido o ciclo do pau-brasil, da cana, do ouro, que foram a base desses ciclos econômicos, sem escravos. O Brasil está fundamentado em cima do trabalho escravo e continua”, afirma.
Fernando Meirelles destaca a relação dos protagonistas Luca e Mateus para ilustrar a complexidade dessa exploração, uma vez que, no decorrer da narrativa, o personagem de Christian acaba tendo a mesma trajetória de seu traficante.
“Matheus representa uma herança colonial do nosso país e a gente ainda não tocou nessa ferida. Ele representa muito essa herança da pessoa que é sonhadora, e cai nesse lugar sendo obrigado, humilhado, exposto a situações de vida ou morte, tentando sobreviver dentro dessa engrenagem”, diz Malheiros.
O ator conta que o papel proporcionou a ele grandes reflexões para além da desigualdade: “Será que estou financiando a escravidão moderna?”; “Sou outra pessoa depois desse filme”, questiona.
Rodrigo Santoro diz que o filme revela camadas de uma estrutura de poder perversa e Luca é parte dessa engrenagem. “O Luca é um explorador, mas é consciente das coisas terríveis que faz e não deixa de ser um sobrevivente, não deixa de ser um produto de um sistema desigual e excludente”, conclui.
Agência Estado