Este mês completa trinta anos que Ibrahim Sued se foi, mas ainda parece que ele está atrasado para uma festa. Daria para jurar que, a qualquer instante, atravessará o saguão do Copacabana Palace, com o cabelo arrumado à força de vaidade e o olhar de quem já sabe de tudo antes que aconteça. Ibrahim não morria de amores pela discrição e talvez isso tenha sido sua maior virtude.
Tinha um talento raro: transformar o cotidiano em notícia, e a notícia em rumor. Quando escrevia, no centenário “O Globo”, o Brasil parava. As colunas eram lidas com a mesma ansiedade com que hoje se atualiza um feed. Só que Ibrahim fazia isso com humor, com inteligência, com perfume. O jornalismo dele tinha cheiro de champanhe e maresia.
Filho de libaneses, nascido no Rio, não herdou nada além do faro. Aprendeu cedo que o poder gosta de ser visto, e que quem mostra o poder se torna parte dele. Com o tempo, Ibrahim se consolidou como o intérprete de um país que descobria o prazer de se ver publicado. O Brasil moderno cabia em suas notas curtas, no seu “de leve”, no seu “sorry, periferia”.

Ele frequentava os salões como testemunha. E tinha algo que poucos jornalistas têm: a malícia do olhar. Sabia onde terminava o sorriso e começava a intriga. Anotava tudo. Sabia que, nas festas, as pessoas dizem o que realmente pensam, depois do terceiro champanhe, e contam tudo desde que você finja não estar ligando. Ele ouvia e fingia desinteresse como ninguém.
Ibrahim falava em sua coluna de um jantar em Ipanema e, sem que ninguém percebesse, estava escrevendo sobre o país inteiro. Era, de certo modo, um cronista político, só que a política dele era o comportamento humano.
Hoje, o jornalismo vive de velocidade. Todo mundo noticia, todo mundo comenta, todo mundo quer ser ouvido. Mas quase ninguém sabe enxergar além do que está vendo. Ibrahim enxergava, notava o detalhe, a vaidade, o gesto, a falta de graça escondida sob o brilho. Se vivesse hoje, duvido que teria rede social, mas manteria sua agenda de couro e uma risada que deixaria muita gente em pânico.
Na minha humilde opinião, foi o primeiro a transformar o colunismo social em literatura. Seu português era o do povo que queria ser fino e, nessa toada, nos fez rir da própria pretensão. Ibrahim não zombava dos ricos, mas do ridículo de quem queria parecer importante. E fazia isso com ternura.
Trinta anos depois, a imprensa sente falta dele. Falta quem olhe o mundo com ironia sem ser cruel e principalmente para esta nova geração de escribas alguém que ensine na prática que a notícia é, antes de tudo, um acontecimento humano, feito de ego, de ciúme, de desejo e de brilho.
O Brasil virou um país sem colunas. Tudo é post, está insuportável. Ibrahim, que sabia calar para escrever melhor, se divertiria com isso. Provavelmente diria algo como “o silêncio agora é luxo”. E continuaria de terno, impecável, escrevendo de leve.
O jornalismo mudou, sim. Ficou urgente, histérico, dominado acredite os senhores, por portais de notícias que publicam matérias redigidas por IAs. Mas alguns poucos impressos ainda carregam o perfume dele. Toda vez que alguém tenta dar uma notícia com elegância, há um pouco de Ibrahim Sued respirando entre as linhas.
Trinta anos depois, continuo vendo, umas duas vezes por ano, sua estátua diante do Copacabana Palace, desafiando o vento. É uma lembrança de que o colunismo era, e ainda pode ser, uma arte.
Ademã, Ibrahim.
E obrigado por ter nos ensinado que, em sociedade, tudo se sabe, mas só os elegantes sabem contar.



