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História da música “Apenas um Rapaz Latino Americano”, de Belchior

Se não tivesse nos deixado em 2017, hoje, um dos maiores e mais importantes artistas da história do nosso país estaria completando 79 anos: o cantor, compositor, produtor, instrumentista, artista plástico e professor cearense Antônio Carlos Belchior.

E, para celebrar esta data especial, vamos te contar um dos maiores sucessos da carreira de Belchior: a canção “Apenas um Rapaz Latino Americano”.

Sobre Belchior

Belchior era um estudioso da palavra, um poeta. Suas composições inteligentíssimas e cheias de personalidade traduzem a urgência e a inquietude do jovem brasileiro de sua época. Cantava temas filosóficos, geracionais e humanos, em uma obra de forte caráter crítico, político e poético.

Dono de uma voz inconfundível e interpretação intensa, sua obra – necessária e imortal – atravessa gerações e seu legado e contribuição notória para o cancioneiro popular brasileiro são gigantescos.

Nordestino do Sobral, no Ceará, Belchior começou a carreira participando de festivais de música em sua cidade e juntou-se a um grupo de jovens compositores como Fagner, Fausto Nilo, Ednardo e Amelinha, que se intitulavam “Pessoal do Ceará”.

Depois de muita dificuldade, o sucesso chegou em 1971, quando Belchior venceu um Festival Universitário da TV Tupi. Já o seu segundo álbum, “Alucinação”, de 1976, é considerado um dos mais revolucionários da história da música brasileira, uma obra prima, e lançou Belchior ao estrelato, acompanhado pelo fato de duas de suas composições terem sido gravadas por Elis Regina, no LP “Falso Brilhante”, do mesmo ano.

Em 42 anos de carreira, o artista nos presenteou com mais de 20 discos, com sucessos antológicos e imortais, como:

  • Apenas um Rapaz Latino Americano
  • Como nossos pais
  • À Palo Seco
  • Galos, Noites e Quintais
  • Sujeito de Sorte
  • Na Hora do Almoço
  • Paralelas
  • Alucinação
  • Velha Roupa Colorida
  • Fotografia 3×4

E para saber mais sobre a vida e a obra do aniversariante de hoje, acesse o Acervo MPB Especial Belchior, nossa série exclusiva Novabrasil de áudio-biografias de grandes nomes da nossa música. Uma verdadeira enciclopédia da MPB!

Hoje, nós vamos conhecer a história de um dos seus maiores sucessos, a canção  “Apenas um Rapaz Latino Americano”, que conta muito também sobre a trajetória de Belchior.

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Imagem do documentário “Belchior – Apenas um Coração Selvagem”, do Canal Curta! | Foto: Divulgação

História da música “Apenas um Rapaz Latino Americano”

A música “Apenas um Rapaz Latino Americano” tem um tanto de biográfica. Como já contamos, o Belchior fez parte de um movimento chamado “Pessoal do Ceará” e saiu do seu Estado –  junto com outros nomes como Fagner, Fausto Nilo, Ednardo e Amelinha – rumo ao Rio de Janeiro ou a São Paulo para tentar a carreira musical.

Além deles, outros artistas nordestinos que depois fizeram muito sucesso fizeram o mesmo movimento, como é o caso do paraibano Zé Ramalho, do pernambucano Alceu Valença e do baiano Raul Seixas.

Acontece que muitos deles passaram por grandes dificuldades no Sudeste antes de atingirem o sucesso. Belchior, por exemplo, chegou a passar fome, frio – primeiro no Rio e depois em São Paulo –   e chegou até a morar num imóvel que estava em obras na capital paulista.

Ele só se tornou conhecido alguns anos depois de chegar em São Paulo. E muito desse sucesso ele credita à Elis Regina, a primeira a gravar uma música sua – “Mucuripe“, em parceria com Fagner, em seu álbum “Elis“, de 1972.

Mas foi em 1975 que Belchior explodiu para o país inteiro, quando Elis Regina gravou suas composições “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida” no antológico espetáculo “Falso Brilhante”, que virou disco em 1976.

Inclusive, quando foi mostrar suas novas composições para Elis na casa dela, Belchior falou que só podia ir se fosse na hora do almoço (que é inclusive o nome de uma música de Belchior) e se ela oferecesse a ele um prato de comida, pois ele não tinha dinheiro nem para comer. Aquele dia a vida dele mudaria para sempre.

No mesmo ano em que Elis lançou o álbum de imenso sucesso “Falso Brilhante”, com as composições de Belchior, o cearense lançou o seu segundo e mais famoso disco, “Alucinação”, que fez do poeta um sucesso nacional. O seu primeiro álbum – “A Palo Seco”, de 1974 – não foi um sucesso de vendas, mas depois algumas canções tornaram-se muito conhecidas, como a faixa-título e “Na Hora do Almoço”.

Saiba tudo sobre o disco “Alucinação”, de Belchior, nesta matéria especial. 

“Apenas um Rapaz Latino Americano” é exatamente a canção que abre o álbum “Alucinação” e foi composta por Belchior justamente naquele período de dificuldade que ele passou quando saiu do Ceará.

A inspiração aconteceu quando ele visitava a Universidade de Brasília para assistir a uma aula do filósofo cearense Augusto Pontes, considerado um guru do “Pessoal do Ceará”, cujos pensamentos inspiraram muitas músicas de Belchior e dos outros artistas.

Relatos afirmam que Augusto começou a aula – em plena ditadura militar – com a seguinte frase: “Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem parentes militares”, já mostrando o seu posicionamento contra o regime.

Fagner e Belchior juntos em 1982 Foto: Athayde dos Santos / Arquivo

Belchior e Fagner – que assistiam juntos à aula – amaram a frase e foi a partir dela que Belchior construiu a letra de “Apenas um Rapaz Latino Americano”.  partindo dessa ideia inicial, ele fez uma alteração no verso, que acabou virando:

“Eu sou apenas um rapaz latino-americano 

Sem dinheiro no banco

Sem parentes importantes e vindo do interior”

Recentemente – como conta a biografia de Belchior, escrita por Jotabê Medeiros, chamada justamente “Apenas um Rapaz Latino Americano” – a família do filósofo, que faleceu em 2009, encontrou um manuscrito com a versão original desse pensamento de Augusto Pontes:

“Sou apenas um sul-americano sem parentes no poder, apenas a pessoa eu, no estado de mim mesmo.”

A ideia da frase é sobre não ter “costas quentes”, sobre depender do próprio esforço para conquistar algo e – sendo um jovem latino-americano, em uma cultura em que se usa muito essa coisa de ter alguém para te indicar, ter alguém para te ajudar, deixa tudo mais difícil.

Na canção, Belchior traz um assunto que é muito explorado no disco “Alucinação” inteiro: o conflito de gerações, em que traz os jovens e as gerações anteriores lá do começo dos anos 70 e também a falta de esperança da juventude como um todo ou os ideais do fim dos anos 60 que tinham se dissolvido, por conta da Ditadura Militar. 

Então, na canção, Belchior está falando não somente sobre ele e os sentimentos dele, mas sobre os jovens da sua geração.

No momento em que a música foi composta, o Brasil passava por problemas econômicos,  já sentindo os efeitos da crise do petróleo: quando as nações produtoras aumentaram o preço em 1973, a inflação mais que dobrou em 1974, passando dos 30%. O crescimento do PIB tinha caído de quase 14% para 5% em 1975. 

Referências da música

Além disso, em “Apenas um Rapaz Latino Americano” Belchior ainda fala sobre a dificuldade que a sua geração de músicos teve para conseguir gravar seus álbuns e atingir o sucesso. A febre dos festivais dos anos 60 e início dos anos 70 tinha passado e agora os artistas não atingiam mais o público com a mesma força que fizeram nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.

Além disso, havia muito mais censura por parte dos militares, desde a instauração do Ato institucional nº 5, o AI5, em dezembro de 1968. É por isso que Belchior segue a canção dizendo:

“Mas trago de cabeça uma canção do rádio

Em que um antigo compositor baiano me dizia

Tudo é divino, tudo é maravilhoso

“Divino Maravilhoso” é uma canção composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 1968, que ficou famosa na voz de Gal Costa, quando a cantora baiana interpretou a música no Festival de 68. Frustrado com o rumo das coisas, mais pra frente na música Belchior declama, como se discordasse dos baianos:

“Mas sei que nada é divino

Nada, nada é maravilhoso

Nada, nada é secreto

Nada, nada é misterioso, não”

Ele ainda fala mais sobre a situação de censura e repressão que o país:

Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve

Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve

Sons, palavras, são navalhas

E eu não posso cantar como convém

Sem querer ferir ninguém

Mas não se preocupe meu amigo

Com os horrores que eu lhe digo

Isso é somente uma canção

A vida realmente é diferente

Quer dizer

Ao vivo é muito pior

Uma forte característica do Belchior eram as palavras cortantes: ele dizia que a agressão por meio das letras que escrevia e cantava era parte do estilo dele e algo do qual ele não podia fugir. 

Pensando nisso, o poeta cearensetambém faz uma referência a Elton John  na letra de “Apenas um Rapaz Latino Americano”. O cantor inglês tinha lançado em 1973 o álbum “Don’t shoot me, I’m only the Piano Player” (em portugês: “Não atire em mim, eu sou apenas o pianista”). Belchior, pensando em como suas palavras cortantes e diretas iam chegar no público, canta:

“Por favor não saque a arma no Saloon 

Eu sou apenas o cantor”

Outra marca registrada de Belchior que fica muito nítida nesta canção é o uso de letras longas, declamadas ao longo da melodia sem muita preocupação com a métrica. Ele gostava disso mesmo: o instrumental funcionando como uma base pra poesia fluir por cima, o que faz de Belchior um artista genial. Vamos escutar?

Muita gente achava que essas letras declamadas eram influência do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, mas Belchior contava que isso vinha da sua experiência na igreja, com cantos gregorianos – onde estudou por muito tempo – e que traz esse desequilíbrio, porque usa música como apoio para dizer os versículos enormes da Bíblia.

Outra curiosidade é que a música – que virou o maior sucesso do disco – não foi totalmente aceita de primeira na gravadora Phonogram, antes de Belchior incluí-la no álbum “Alucinação“. 

Foi Elis Regina quem mostrou o trabalho do cearense para o produtor Marco Mazzola, que trabalhava na gravadora. Ele gostou das músicas e convidou Belchior para ir até a sala dele, levando um violão, para mostrar outras músicas. Foi quando ele mostrou “Apenas um Rapaz Latino Americano”. 

Só que na biografia de Belchior, Mazzola conta que todos os produtores da gravadora vetaram a contratação de Belchior, dizendo que ele  cantava anasalado e que era feio. Como pode? Um gênio desses! Acontece que Mazzola não desistiu!

Ele foi até o então chefão da companhia, André Midani, que – ainda bem! – bancou a gravação do LP de Belchior. Já pensou o que teríamos perdido?

Belchior tornou-se um ícone para juventude da época, projetando uma imagem de rebeldia e esperança, mesmo naqueles tempos duros de repressão. As suas letras davam um soco com luva de pelica nas gerações anteriores e também no governo militar, em uma postura completamente rock and roll, sendo popular e refinado ao mesmo tempo.

Quando o disco saiu, aí sim todos aqueles executivos da gravadora quiseram trabalhar com Belchior, mas André Midani e Marcos Mazzola fundaram outra gravadora, a WEA, e levaram Belchior como um dos primeiros contratados!

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