A convivência com a inteligência artificial (IA) está se tornando parte do cotidiano e levanta uma pergunta essencial: relações com tecnologia aliviam ou aumentam a solidão? Para o psicanalista Genaldo Vargas, tudo depende da maneira como usamos essas ferramentas. “A revolução digital transformou profundamente o cenário cognitivo”, destaca o especialista, lembrando que as conexões virtuais jamais devem substituir os laços humanos reais.
O excesso de tempo diante das máquinas, segundo Vargas, já levou à perda do prazer nas experiências presenciais. Ao mesmo tempo, a IA pode ser aliada no combate ao isolamento, especialmente para quem enfrenta fobias sociais ou limitações físicas.
Relação entre tecnologia e saúde mental: benefícios e riscos
Entre as vantagens proporcionadas pela IA e pelo ambiente virtual, Genaldo Vargas aponta:
· Acessibilidade a pessoas com fobia social ou dificuldades de locomoção
· Conexão e entretenimento em redes e fóruns
· Aprendizado colaborativo com grupos virtuais
· Apoio emocional oferecido por assistentes virtuais em momentos de crise
Ele também lembra que, durante a pandemia, as interações digitais mostraram seu valor ao reduzir a necessidade de deslocamentos e facilitar o acesso a serviços, além de diminuir riscos para a saúde.
No entanto, o uso excessivo da IA e dos ambientes digitais pode trazer consequências importantes. De acordo com o especialista, há o perigo do isolamento, vícios, e perda da empatia. “O cérebro humano evolui devagar — e não está preparado para lidar com tantas transformações em tão pouco tempo”, ressalta Vargas. O excesso de opções digitais, afirma, gera ansiedade, insegurança e frustração, principalmente nos mais jovens, que também vêm demonstrando dificuldades crescentes em estabelecer vínculos afetivos e lidar com a espera nas relações interpessoais.
A neurobiologia do afeto e o desafio dos vínculos virtuais
A formação dos vínculos afetivos acontece desde muito cedo, guiada por hormônios como dopamina e ocitocina, conforme destaca o psicanalista. “A qualidade desses vínculos influencia amizades, relacionamentos românticos e a saúde física e mental”, explica. Relações duradouras e saudáveis são fonte de bem-estar e proteção emocional, enquanto o isolamento social pode ser prejudicial ao corpo e à mente — um padrão que pode atravessar gerações.
Apesar dos desafios impostos pela tecnologia, o cérebro humano possui grande capacidade de adaptação. “Vínculos positivos posteriores podem reparar traumas e ausências emocionais precoces. Somos capazes de manter vínculos mesmo na ausência, por meio da memória, do simbolismo e da subjetividade”, diz Vargas.

A psicanálise é fundamental para compreender como cada pessoa desenvolve mecanismos de defesa diante de frustrações e relações interrompidas, e pode abrir caminho para novos modelos de interação em tempos digitais. Como questiona o psicanalista, ainda não sabemos exatamente quais efeitos as novas mídias terão sobre nossa saúde mental, mas é fundamental compreender o que é saudável e terapêutico nessas relações virtuais.
Genaldo Vargas também faz referência a Ruth Feldman para enfatizar que compreender os vínculos humanos exige uma abordagem multidisciplinar: “Para compreender o amor humano e os vínculos que nos curam, é preciso unir ciência, filosofia e arte.”
O artigo termina com a célebre frase de Nise da Silveira, ressaltando o poder curativo das relações humanas: “O que cura é o contato afetivo de outra pessoa. O que cura é a alegria. O que cura é a falta de preconceito.”



