Leonardo Fróes: a voz que germina na clareira

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FABR

A morte de um poeta nunca é só notícia. É uma queda de luz. Um silêncio que se abre devagar, como quem abre a porta de um quarto onde alguém acabou de sonhar pela última vez. Assim se vai Leonardo Fróes e com ele uma forma de olhar o mundo que não se repete, porque nasceu no mais raro dos terrenos: aquele onde a palavra cresce junto com as raízes.

Fróes nunca escreveu para adornar a natureza. Ele a escutou. Deixou que o vento, a formiga, a água escura de um córrego, a hesitação das folhas, tudo isso respirasse dentro de seus versos. Ele sabia que o poema não é uma moldura, mas uma escuta. E que há um pensamento escondido em cada coisa viva, inclusive nas que só um poeta percebe. Isso não se aprende em escolas, se recebe quase em um ritual xamânico e depois se devolve ao mundo em forma de voz.

Seu Jabuti, seus prêmios, suas traduções de Woolf, Faulkner, Goethe, Swift, Eliot tudo isso conta a biografia do ofício. Mas não conta o essencial: a maneira como ele atravessou a vida com a calma de quem compreende que o humano é apenas um capítulo de uma história muito maior, onde tamanduás, formigas e onças participam do mesmo drama que nós. Essa visão ampla, quase cósmica, era o que tornava seus livros uma espécie de clareira: ao abri-los, a gente se afastava um pouco do barulho, e alguma verdade simples voltava a respirar.

Viveu em Secretário como quem escolhe um templo, mas sem sacerdócio. Apenas convívio. O sítio que cultivou era extensão do corpo, gramática da existência, uma espécie de pacto com o que permanece quando tudo o mais se apaga. Ali, plantou árvores como quem revisa seus poemas e reflorestou com novos versos. Talvez por isso sua obra nunca cheire a artifício: vem da terra, mas não se limita à terra; pensa o humano, sem idolatrá-lo e; registra a vida, sem a domesticar.

Sua morte encerra uma trajetória que não teve escândalos, nem um mísero ruído e não teve pressa. Teve substância e a integridade rara de quem não trocou a delicadeza pelo espetáculo. Numa época que grita, Fróes insistiu no gesto de ouvir. E essa escolha, tão discreta, é o que agora faz falta, porque o Brasil perde não apenas um poeta, mas uma inteligência vegetal, mineral, selvagem, uma consciência aberta a tudo o que respira e também ao que não respira.

Resta a obra, que continuará fazendo o que sempre fez: aproximar mundos. Lembrar que há beleza indomável onde ninguém mais vê. Ensinar que a palavra, quando nasce da verdade da experiência, não morre com o autor. Ela passa para outros corpos, outros olhos, outros séculos.

Leonardo Fróes partiu. Mas suas páginas seguem vivas. Os bons poetas germinam. Ele germina. E, como numa tarde lenta em Secretário, a luz continua.