Com uma contribuição histórica para a música popular brasileira e uma das mais importantes vozes da nossa história, a cantora e compositora carioca Alaíde Costa completa 90 anos neste 08 de dezembro de 2025.
Com um timbre inconfundível e singular, voz suave e segura, afinação perfeita e um repertório de extremo bom gosto, Alaíde é uma das intérpretes do nosso país e deve ser reverenciada – não só como a Mãe da Bossa Nova e patrimônio vivo brasileiro – mas também como uma mulher pioneira na luta pela emancipação da mulher negra na profissão de cantora popular no Brasil.
Hoje, com nove décadas de vida e sete de carreira, a cantora tem – finalmente e tardiamente – o reconhecimento que deveria ter tido ao longo de toda a sua extraordinária carreira. Para homenageá-la, hoje vamos relembrar sua trajetória e os maiores sucessos em sua voz.
Sobre Alaíde Costa
Nascida em 1935, no subúrbio carioca, Alaíde Costa teve seu talento observado pelo irmão mais novo, que a inscreveu em um concurso de calouros de um circo. Em seguida, ela passou a se apresentar em programas infantis de rádio, sendo eleita – aos 13 anos – como a melhor cantora jovem no programa “Sequência G3”, da Rádio Tupi, apresentado por Paulo Gracindo. A cantora também se destacou no programa “A Raia Miúda”, na Rádio Nacional.

Aos 16 anos, Alaíde trabalhava como babá de três crianças quando sua empregadora insistiu que ela participasse do programa “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso, na Rádio Tupi. Ela foi, interpretou “Noturno em Tempo de Samba”, de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, e recebeu nota máxima. Para a artista, este episódio foi definitivo para que seguisse a carreira de cantora.
Ela iniciou formalmente sua vida profissional em 1955, atuando como crooner da casa noturna carioca Dancing Avenida. Um ano depois, gravou seu primeiro disco de 78 rpm, apresentando a sua composição “Tens que Pagar”, em parceria com Airton Amorim. No ano seguinte, gravou seu segundo compacto, pela Odeon, com o bolero “Tarde Demais” (de Raul Sampaio e Hélio Costa), profissionalizando-se também no rádio e nos estúdios de gravação.
1 – Tarde Demais
Durante uma das gravações feitas nos estúdios da Odeon, quando gravava seu segundo compacto, a voz de Alaíde Costa chamou a atenção de João Gilberto, que pediu ao produtor Aloysio de Oliveira que a convidasse para ir a uma reunião de jovens artistas na zona sul do Rio, por achar que o estilo da cantora tinha a ver com a música que eles estavam fazendo.
João e Alaíde não chegaram a se encontrar na gravadora nem na casa do pianista Bené Nunes, onde ela teve contato, pela primeira vez, com os compositores que estavam criando as músicas da Bossa Nova – movimento que nesta época ainda nem tinha esse nome.
Em 1959, ao lado de Sylvia Telles, Billy Blanco, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra e Roberto Menescal, Alaíde participou do 1º Festival de Samba Session, no Rio de Janeiro, chamando muita atenção por seu talento. Ela empolgou a multidão com “Chora Tua Tristeza” (de Oscar Castro-Neves e Luvercy Fiorini), que – meses depois – se tornaria a primeira canção da Bossa Nova a estourar fora dos limites do movimento.
2 – Chora Tua Tristeza
A cantora lançou o seu primeiro LP, “Gosto de Você”, em 1959, e o segundo, “Alaíde Canta Suavemente”, em 1960. O repertório dos discos traz uma predominância de artistas bossa-novistas, como Tom Jobim, João Donato, Vinícius de Moraes, Menescal, Lyra e Bôscoli.
A partir do álbum seguinte, sem deixar de cantar bossa nova, Alaíde diversificou seu repertório, mantendo sempre sua marca, em que prevalecem canções românticas, de ritmo cadenciado.
Em 1963, a artista apresentou a primeira música exclusivamente de sua autoria – “Afinal” – faixa que batiza o álbum lançado naquele ano. Além das canções próprias e das parcerias com Tom, Vinicius e Johnny Alf, Alaíde ainda tem músicas criadas com Geraldo Vandré e Hermínio Bello de Carvalho.
Em 2014, a cantora lançou “Canções de Alaíde”, totalmente dedicado aos trabalhos autorais. A artista compõe desde os 17 anos e, nas parcerias, assina as melodias, criadas ao piano.
3 – Afinal
No mesmo ano de 1963, Alaíde Costa lançou um compacto com outro grande sucesso em sua voz: a canção “Onde Está Você”, composição de Oscar Castro-Neves e Luvercy Fiorini.
4 – Onde Está Você
A canção entrou para o álbum “Alaíde Costa”, de 1965, que revelou outro grande sucesso em sua voz: de Chico Buarque, a música “Sonho de um Carnaval”.
5 – Sonho de um Carnaval
Em 1972, no antológico disco “Clube da Esquina” – de Milton Nascimento e Lô Borges – Alaíde canta com Milton a música “Me Deixa em Paz” (de Monsueto Menezes e Airton Amorim).
Este disco transformou para sempre a história da música popular brasileira, trazendo a fundição das inovações propostas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock (principalmente dos ingleses The Beatles), da música folclórica, da música regional mineira, erudita e hispânica.
6 – Me Deixa em Paz
Em 1976, no álbum “Coração“, um dos mais luminosos de sua carreira, Alaíde incluiu outra canção de grande destaque no seu repertório: de Toninho Horta e Ronaldo Bastos: “Viver de Amor”.
7 – Viver de Amor
Ao longo da carreira também lançou discos em duplas com outros artistas, como o pianista João Carlos Assis Brasil, o guitarrista Toninho Horta e a cantora Claudette Soares; além de produzir álbuns exclusivamente dedicados às obras de Johnny Alf, Milton Nascimento, Hermínio Bello de Carvalho e Tom Jobim.
Multifacetada, Alaíde atuou também como atriz, recebendo em 2020 o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado por sua atuação no filme “Todos os Mortos”, dos diretores Caetano Gotardo e Marco Dutra. Nos anos 60, participou do espetáculo teatral “Os Monstros”, de Denoy de Oliveira com direção de Ruth Escobar, ao lado de Raul Cortez.
Em 2020, durante o isolamento social por conta da pandemia, Alaíde Costa fez a sua primeira apresentação com transmissão ao vivo pela internet, dedicada à obra de Johnny Alf.
A live emocionou o rapper Emicida e o produtor musical Marcus Preto e Pupilo e eles decidiram produzir um novo álbum da cantora (2022) – “O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim” – com oito músicas inéditas, compostas especialmente para ela, por diversos nomes da MPB, como o próprio Emicida, Céu, Tim Bernardes, Guilherme Arantes, Erasmo Carlos, João Bosco, Ivan Lins, Joyce Moreno e Nando Reis.
Um dos maiores sucessos do álbum é a canção “Aurorear”, composta por Emicida e Joyce Moreno. Destaque também para a parceria de Nando Reis com a própria Alaíde: “Tristonho”.
8 – Aurorear
9 – Tristonho
https://www.youtube.com/watch?v=t9rl0oPqO0g&list=RDt9rl0oPqO0g&start_radio=1
Em 2023, a cantora lançou mais singles inéditos, como a canção de muito sucesso, “Ata-me” (de Junio Barreto), que entrou para o álbum de “Alaíde Costa, E O Tempo Agora Quer Voar”, de 2024.
10 – Ata-me
Seu mais recente álbum foi lançado neste ano de 2025, no auge dos seus 89 anos: “Alaíde Costa, uma Estrela para Dalva”, uma homenagem à cantora Dalva de Oliveira.
Racismo e Johnny Alf
Por sua história e sua postura diante do racismo que enfrentou durante toda a sua vida e carreira, Alaíde Costa também é considerada uma pioneira na luta pela emancipação da mulher negra na profissão de cantora popular no Brasil.
No livro “Chega de Saudade”, Ruy Castro ressalta que, mesmo após ter adquirido relevância no cenário musical, “…Alaíde era perseguida pelo estigma que iria acompanhá-la por toda sua carreira: um mito entre os músicos e respeitada por todos os cantores, mas não tinha chances nas gravadoras”.
Em entrevista à revista J.P., em 2020, a cantora afirmou: “Até hoje batalho a minha carreira, ainda existe preconceito. O tipo de música que escolhi cantar trouxe dificuldades. Muitas vezes, ouvi: ‘Você tem que cantar uma coisinha mais alegre, samba’. Mas não me sinto à vontade”, afirma. “Na época, não tinha consciência, só percebi anos mais tarde. Mas águas passadas não movem moinhos.”
Em outra entrevista, concedida ao The New York Times, para um artigo publicado em 2020 sobre Johnny Alf, a cantora aponta que havia um racismo velado por parte de integrantes da bossa nova. O texto sustenta que a música de Johnny Alf já apresentava elementos que marcariam o gênero musical sete anos antes do lançamento do álbum “Chega de Saudade”, considerado o marco inicial bossa-novista, mas o artista não obteve reconhecimento público como pioneiro do movimento musical que ganharia o mundo.
No artigo, Alaíde, cantora favorita de Alf, declara que nem ela nem ele percebiam a discriminação racial. “Quando o movimento começou, eu já era profissional. Era convidada para os encontros porque podia ajudar o movimento de alguma maneira” (…) “Mas quando a bossa nova explodiu, senti que não era mais necessária”.

Reconhecimento tardio da sua magnitude
Em outubro de 2023, depois de mais de 60 anos, a sala de espetáculos Carnegie Hall, de Nova York, reviveu a grande noite de 21 de novembro de 1962, quando reuniu em seu palco nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Sérgio Mendes e Carlos Lyra, apresentando de vez a Bossa Nova para o mundo inteiro.
Naquele tempo, por conta de tudo o que já contamos aqui, Alaíde Costa, um dos nomes essenciais para a construção da Bossa Nova, ficou de fora do evento.
Tantos anos depois, isso foi finalmente redimido, e a cantora foi – ao lado de Roberto Menescal – uma das principais atrações do evento que celebrou os 60 anos da Bossa Nova, no mesmo Carnegie Hall. Para ela, foi a reparação de uma injustiça histórica.
Confira a entrevista que Alaíde Costa deu à Fabiane Pereira, no Papo de Música especial Presença Preta e também à Adriana Couto, no Mais Preta, programas da Novabrasil, além do papo que a cantora teve com Lívia Nolla, no final de 2023.




