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Dick Van Dyke: o centenário da leveza

Fabrício Correia
Fabrício Correia
Fabrício Correia é jornalista, escritor, professor universitário, especialista em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. É crítico de cinema, membro da Academia Brasileira de Cinema e apresenta o programa “Vale Night” na TV Thathi SBT.
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Dick Van Dyke, aos 100 anos é um fenômeno que desafia a gravidade artística. Vivemos em uma época que idolatra o trauma, o método e o artista que carrega o peso do mundo em seu olhar. Van Dyke, não. Ele carrega, no máximo, a fuligem de chaminé e um par de sapatos de sapateado.

E é aí que reside a genialidade, e a crueldade, da sua longevidade.

O cinéfilo, especialmente aquele na casa dos 40 e tantos, que viu o mundo endurecer, não pode evitar uma pergunta diante do sorriso de 100 anos de Van Dyke: Como ele escapou?

Em um universo regido por Marlon Brando e James Dean, Van Dyke escolheu ser Rob Petrie, o escritor de comédia que, ao retornar para casa, nunca conseguia passar incólume pela otomana.

Aquele tropeço inaugural em “The Dick Van Dyke Show” era mais que um gag visual; era o ato de rendição de uma era. Ele estava dizendo, logo na largada, que a vida, mesmo a da celebridade da TV americana, é essencialmente uma série de quedas embaraçosas e inevitáveis. A diferença é que Rob Petrie se levanta, sacode a poeira e nos oferece uma piscadela de cumplicidade.

O triunfo de Van Dyke é ter tornado a vulnerabilidade desajeitada em um estilo. Ele não era o self-made man implacável; era o sujeito que tentava manter a pose enquanto o mundo, ou um pedaço de mobília, conspirava para derrubá-lo.

Essa leveza, não é inocência. É uma estratégia. É a armadura de quem compreendeu que a seriedade excessiva é a coisa mais ridícula da vida.

Falemos do elefante, ou melhor, da chaminé na sala: seu sotaque “cockney” em “Mary Poppins” (1964). É ruim, é lamentável, é historicamente infiel. É, no entanto, um ato de resistência impensado. O sotaque de Bert é o detalhe imperfeito que não o definiu. O que ficou foi a dança sobre os telhados, a alegria em meio à sujeira do ofício. Ele pegou o papel de um homem marginalizado (o limpador de chaminés, o artista de rua) e o elevou à pura efervescência musical, forçando-nos a ignorar a falha técnica em nome da entrega total.

Aquele sotaque não era um erro do ator; era o atestado de que, para Dick Van Dyke, o corpo, o ritmo e o sorriso importavam mais do que a fidelidade fonética. Ele nos deu uma performance tão luminosa que perdoamos o que, em qualquer outro ator, seria uma gafe fatal.

Dick Van Dyke chega aos 100 anos, um número que evoca mármore, bustos e silêncio sepulcral, com a agilidade de um recém-formado em artes cênicas. Suas aparições recentes são menos homenagens e mais provas de vida. Ele canta, ele se move, ele ri.

Ele não nos oferece a sabedoria pesada do ancião; oferece a alegria destilada do homem que, em todos os seus papéis, se recusou a ser pego, ou pela vaidade, pelo método ou pela própria gravidade.

A crônica perfeita sobre Van Dyke é a que se pergunta: como ele conseguiu atravessar um século de guerras, crises e a ascensão do rock and roll mantendo a pose de um marinheiro em folia?

A resposta, talvez, seja a mais simples e a mais cruel: ele nunca se levou a sério. E, ao fazer isso, garantiu que o mundo nunca mais pudesse esquecê-lo. Aos 100 anos, ele ainda está dançando, e a melodia é a sua gargalhada.

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