Aos 83 anos, o maestro Júlio Medaglia, nascido no bairro paulistano da Lapa e cidadão musical do mundo, continua ativíssimo nos domínios do que chama de “música inteligente”. Ou de “música impopular”, não por acaso título de um de seus livros mais vendidos.
Medaglia agora está lançando Atrás da Pauta – Histórias da Música, coletânea que reúne 170 das mais de 280 colunas que escreveu para a revista Concerto, uma por mês, num arco de 25 anos.
Música inteligente não é necessariamente música impopular. Folhear o sumário é encantar-se com a diversidade de temas. A linguagem coloquial traz os assuntos, por mais esotéricos que sejam, ao nível de uma divertida conversa de botequim. Debussy? “Música sem sabor de chucrute.” Gospel? “Uma dor festiva.” Zuza, que nos deixou há pouco? “O ouvido clínico da MPB.” Bach; Steve Jobs? “O eterno e o descartável.”
Medaglia conta como selecionou os artigos em entrevista ao Estadão: “Só depois de escolher os que estão no livro, vi que o conjunto se configura como uma enciclopédia da música universal sem o tom enciclopédico. Ou seja, são crônicas descontraídas e de agradável leitura para consultas esporádicas ou sequenciais informativas”, conta Medaglia. “Os assuntos são diversificados e abrangem primordialmente os principais acontecimentos da música de concerto, mas também outros que tenham interesse cultural geral.”
De fato, a característica mais marcante de Medaglia é a diversidade. Ele foi um dos personagens da turma da música nova, ao lado de Willy Correa de Oliveira e Gilberto Mendes, nos anos 1960, que se aproximaram dos irmãos Campos e Décio Pignatari, poetas concretistas.
Concebeu a “oralização” dos poemas concretistas. Um “casamento” que se esparramou pela MPB em 1967, quando Augusto de Campos se tornou guru de Caetano Veloso. Disso resultou um dos álbuns mais emblemáticos da música brasileira, em sentido absoluto, Tropicália – Panis et Circenses.
Medaglia fez o arranjo icônico do movimento para a canção Tropicália, de Caetano. Uma fusão inusitada de sinfônica com percussão, sons eletrônicos, apitos e até uma gravação debochada de trecho da carta de Pero Vaz de Caminha. Daí às cerca de cem trilhas sonoras para a Rede Globo foi um salto natural – sua trilha para Grande Sertão: Veredas, de 1985, é uma obra-prima.
MEMÓRIAS DO MAESTRO
Sua trajetória dita “erudita” rende um livro – aliás, ele revela ao Estadão que está escrevendo suas memórias, contando tim-tim por tim-tim os encontros com Boulez e Stockhausen, as aulas com o maestro Sir John Barbirolli (seu ídolo confesso na regência) e também Cartola, igualmente seu ídolo eterno.
Perguntado sobre o que vale a pena na música popular brasileira de hoje, Medaglia respondeu: “Na primeira metade do século 20, a melhor música popular brasileira fez parte essencial da programação dos meios de massa do Brasil. A partir dos anos 1970, porém, o rádio e a TV abandonaram o que chamo de música inteligente, optando por uma superficialidade medíocre, facilmente consumível e rapidamente descartável”.
O maestro reconhece que existe excelente música popular no Brasil de hoje, mas esclarece que “ela só pode ser ouvida em circuitos alternativos, do tipo shows do Sesc, em pequenos teatros ou casas noturnas. Enquanto isso, as milhares de rádios brasileiras têm suas programações submersas num mar de música dita sertaneja, que nada mais é que um bolerão brega de bordel de cais do porto de quinta categoria ou de um falso pagode que não vale uma pausa de uma música do Cartola”.
PROGRAMA NA TV
De volta à música de concerto, ele fala com orgulho de seu programa de calouros Prelúdio, no ar pela TV Cultura desde 2005. “O que há de maravilhoso no Brasil de hoje é a imensa geração de novos músicos que estudam música de concerto. Tenho a oportunidade de exibi-los através do Prelúdio, para o qual se candidatam mais de 150 jovens músicos por ano para tocarem, com sinfônica regida por mim, complicados concertos e se candidatarem para estudo superior na Academia Franz Liszt de Budapeste.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.