Apesar de Ribeirão Preto viver dias de boas notícias devido ao avanço da vacinação contra a Covid-19, a pandemia ainda está longe do fim, de acordo com especialistas ouvidos pelo Grupo Thathi. Isso porque pesquisadores acreditam que a decisão do estado de flexibilizar ainda mais o Plano São Paulo é precoce e pode fazer com que os bons índices voltem a regredir com a entrada da variante Delta no país.
As previsões foram realizadas com base no cenário enfrentado pelo Reino Unido, onde a nova mutação do Sars-Cov-2, identificada no local em abril deste ano, precisou de apenas um mês para se tornar dominante e expandir sua presença por toda a Europa. A Delta alcançou também os Estados Unidos e conseguiu provocar 83% dos casos atuais, mesmo com a vacinação já estando avançada no país.
A capacidade da nova variante de se proliferar em países onde a maior parte da população já está imunizada, como no caso do Reino Unido – que vacinou pelo menos 50% dos adultos com as duas doses – preocupa especialistas no Brasil, onde menos de 20% da população já completou o esquema vacinal.
Pelo menos 247 brasileiros já foram infectados pela nova cepa do coronavírus, de acordo com um balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, na última quinta-feira (29). O primeiro caso foi constatado em maio deste ano. Em São Paulo, o número já chega a 25, a maioria por transmissão comunitária, pois não viajaram ao exterior.
Dados que preocupam o especialista em saúde pública, doutor Rodrigo Guerino Stábeli, coordenador da Plataforma Bi Institucional de Pesquisa em Medicina Translacional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para ele, “a medida de flexibilização do Plano São Paulo é precipitada nesse momento”, pois “a gente tem uma nova variante entrando no país e não sabemos qual o comportamento dela com o efeito vacinal”.
Delta
Identificada pela primeira vez em outubro de 2020, na índia, a variante Delta já está em mais de 100 países, incluindo o Brasil. A nova mutação é pelo menos 60% mais transmissível do que a variante Alfa – detectada no Reino Unido – que, por sua vez, é 60% mais transmissível do que o vírus original, encontrado em Wuhan, na China, de acordo com pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Para o professor Domingos Alves, da Universidade de Sâo Paulo, a presença da Delta em São Paulo – que já registrou casos de mortes pela variante – pode fazer com que haja uma lotação nas enfermarias. “Já temos transmissão comunitária. Como muitas pessoas já foram imunizadas, a tendência é que elas desenvolvam sintomas mais leves. Não teremos tantas mortes, mas há risco de colapso no atendimento de enfermaria, por exemplo”, afirma.
Ele afirma, ainda, que, embora não esteja em circulação na cidade no momento – nenhum caso de Delta foi confirmado em Ribeirão até o momento – esse cenário pode mudar rapidamente. “Circulando pelo Estado, vai chegar aqui, certamente. Temos que nos preparar para o momento, e mandar abrir tudo não é a forma correta de fazer isso”, conta.
Variantes
A especialista em genética e biologia molecular Larissa Brussa Reis, doutora pelo grupo de pesquisa Oncogenética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), conta que as variantes nada mais são do que novas formas de um vírus original que adquiriu mutações na medida em que foi transmitido de uma pessoa para a outra.
“Essa é uma característica comum de todos os vírus. Todos são capazes de adquirir mutações devido à simplicidade do material genético deles. Quando o vírus adquire mutações que conferem uma vantagem em termos adaptativos, ele consegue ficar mais infeccioso, mais patogênico e letal, ele acaba perdurando essas mutações e aí começam a ocorrer as variantes que carregam modificações diferentes do vírus original”, explica.
No caso da Delta, a nova adaptação consegue ser duas vezes mais contagiosa do que a registrada no início da pandemia. Enquanto o vírus original poderia infectar dez pessoas, que espalhariam a doença para outras 25, pacientes que contraem a Delta podem transmitir a variante a mais de 60.
Um outro estudo, desta vez realizado pela Academia de Ciências Médicas da China, em parceria com a Universidade de Oxford, constatou que a carga viral da nova mutação pode ser, em média, 1,2 mil vezes mais alta do que a original.
Apesar dos dados, entretanto, Stábeli conta que ainda não se sabe qual a letalidade da Delta, outro motivo de preocupação entre os especialistas. “A gente sabe que ela pode escapar parcialmente das vacinas disponíveis, ou seja, uma porcentagem da população que já está vacinada no país pode pegar a Delta”, diz o especialista em saúde pública. “Então, o distanciamento físico e uso correto da máscara é importante porque a população ainda está suscetível ao vírus”.
Vacinação
É por isso que é importante que a população receba as duas doses da vacina contra a Covid-19, afirma a biotecnologista Larissa. Ela conta que, de acordo com índices de outras pandemias e epidemias, é necessário que 70% a 80% da população complete todo o esquema vacinal para atingir a cobertura e assim diminuir a circulação do vírus e o número de novos casos.
A especialista lembra ainda que as vacinas produzidas atualmente foram criadas para diminuir a gravidade da doença e óbitos, ou seja, elas não impedem a transmissão do vírus. “Nenhuma vacina é 100% eficaz. Elas têm faixas em que funcionam e por nós estarmos neste contexto de pandemia descontrolada e com muita circulação do vírus, quando as pessoas abrem mão das medidas de proteção, mesmo vacinadas elas estão expostas a pegar o vírus”.
Outro ponto que preocupa, conta Larissa, é o fato de que, com a circulação das pessoas, é possível desenvolver uma nova cepa que pode escapar das vacinas. “É um risco de talvez até retroceder porque se todos os vacinados começarem a pegar Covid-19, e ela começar a circular entre os vacinados, a gente pode selecionar uma variante que vai ser resistente àquela proteção que a vacina proporcionou”.
Para Stábeli, o cenário representaria “o terror da pandemia voltando, não só para o país”. “A gente precisa entender que vírus não respeita porteira de país e nem de Estado. Se tivermos uma nova variante, temos a chance de ter todo esse trabalho perdido e ter a ressurgência da doença, como ocorreu em 2020. Ninguém quer isso”.
Fora de hora
Com o avanço da Delta e a lentidão na vacinação, Larissa também defende a ideia de que “a diminuição de restrições no momento não é adequada e não deveria estar acontecendo”. A especialista afirma que este momento é crucial para que o país comece a se preparar para enfrentar a nova cepa, por meio da imunização da população e do uso das medidas de segurança.
Para os especialistas, a atual situação se deve, principalmente, à falta de preparo para lidar com a pandemia. “Em vigilância, a gente precisa se preocupar quando o ladrão pula o muro de casa. Quando o ladrão entra em casa, as medidas são outras. O Governo Federal não fez nenhuma e nem outra”, disse Stábile.
“A gente não tem um controle orquestrado e estratégico para combater a pandemia, nós estamos largados à deriva. É como se estivéssemos no oceano e as pessoas jogassem uma boiazinha para a gente e cada um se vira e faz como quer”, afirmou Larissa.
O especialista em saúde pública concorda e afirma que o momento não é de flexibilização. “O ideal é redobrar as medidas de contenção e não flexibilizar mais a circulação das pessoas”, conta Stábili, que ressalta, ainda quem “do ponto de vista econômico e da fome das pessoas, a ajuda do Governo Federal seria muito bem vinda”.
“Esses eventos que estão fazendo agora [a flexibilização], essas situações são completamente erradas. Não deveriam estar acontecendo, do ponto de vista epidemiológico. Infelizmente é muito complicado vemos essa pressa na reabertura e em querer voltar a vida ao normal e as pessoas desconhecem muitas vezes os prejuízos que isso pode causar”, conclui a biotecnologista Larissa.
Posições
Apesar de a nova mutação já estar no Estado, tanto o governador João Doria (PSDB), quanto o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), afirmam que o pior já passou. Inclusive, a cidade, assim como todo o estado, iniciaram no final de semana a retirada da maior parte das restrições ao funcionamento dos estabelecimentos comerciais.
“A parte mais difícil eu acho que a gente já atravessou. Nós estamos atingindo mais de 500 mil doses da vacina aplicada, que dá uma imunização de mais da metade da nossa população adulta com a vacina no braço, pelo menos a primeira dose. Isso tem sido importante para que a gente possa reduzir os índices de contaminação, novos casos, internações, principalmente casos mais graves em UTI e óbitos”, disse Nogueira.
Devido à vacinação e ao lockdown adotado pela prefeitura no final de maio, Ribeirão Preto registrou em um mês, uma queda de 30% na taxa de ocupação em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para o tratamento da Covid-19. O número foi de 99,4%, em junho, para 70,75% em julho. Os índices têm sido vistos com bons olhos, entretanto a preocupação com a nova variante fez com que a Secretaria da Saúde decidisse manter os polos Covid-19 abertos.
“Não vamos desativar agora. Nós vamos manter as estruturas em funcionamento por causa da eventualidade de um recrudescimento, um aumento inesperado dos casos, e da necessidade de assistência à saúde. O ano passado nós também tivemos essa cautela, a estrutura externa do Polo Covid na UPA da 13 de Maio foi mantida, então nós vamos manter até que a gente tenha mais segurança de que a doença está efetivamente controlada e que a cobertura de vacina foi eficiente para a grande maioria da nossa população”, disse Sandro Scarpelini.