O vereador Sérgio Zerbinato (PSB) é acusado por uma ex-assessora parlamentar de comandar, entre janeiro de 2021 a agosto de 2021, um esquema de “rachadinha” dentro de seu gabinete na Câmara de Ribeirão Preto. A beneficiária seria a irmã do parlamentar. O vereador não comentou o assunto.
A reportagem do portal Thathi teve acesso, com exclusividade, a áudios nos quais uma ex-assessora supostamente combina um repasse mensal a Dalila Zerbinato, irmã do vereador. A ex-assessora Ivanilde Ribeiro Rodrigues confirmou o teor dos áudios e afirmou que irá procurar o Ministério Público para fazer uma denúncia sobre o caso.
Ivanilde era assessora parlamentar direta do Zerbinato, cargo comissionado, de livre escolha do parlamentar, com salário de R$7.973,42. Destes, pouco mais de R$ 2 mil eram repassados à irmã do parlamentar, segundo a denunciante. O acordo foi iniciado desde que Ivanilde foi nomeada, em 4 de janeiro e perdurou até o início de agosto, quando ela foi exonerada do cargo.
“Antes de eu assumir, ele disse que precisaria ajudar a irmã. Depois que entrei, houve uma reunião e ele pediu que eu repassasse a ela R$ 3 mil do meu salário. Eu repassava entre R$ 2,2 mil a R$ 2,5 mil, dependendo do mês. Ele disse que parte do salário teria que ser destinado para a irmã dele, que estava ajudando no gabinete e precisava ser remunerada de alguma forma”, disse a ex-assessora.]
A reportagem também teve acesso à extratos bancários que mostram uma transferência da conta da ex-assessora para a irmã de Zerbinato. “Geralmente eu pagava boletos, ou entregava o dinheiro em mãos. Fazia o saque e entregava. Mas nesse dia fiz uma transferência”, conta.
Ela não informou se havia outros comissionados que viviam situação similar à dela. “Não posso falar pelos outros”, disse.
Confira parte dos áudios:
Gravação
Em um trecho da gravação a que a reportagem teve acesso, Ivanilde, que admitiu também ser dela a voz do áudio, conta ao parlamentar que recebeu, ainda no primeiro semestre de 2021, uma ligação anônima onde o interlocutor afirmou que sabia do esquema de rachadinha supostamente realizado pelo vereador. “Eu fiquei branca. Falei que ia à polícia, e ele desligou na minha cara”, disse a ex-assessora, na gravação.
Ela pede orientação ao parlamentar, perguntando se deveria denunciar a ligação. Zerbinato, vereador que está em seu primeiro mandato, não nega a existência do esquema e pede que a então assessora não tome nenhuma medida. “Não vai fazer nada, ninguém tem como provar”, diz o parlamentar.
Ivanilde pergunta se ele tem ideia de quem seria o autor da ligação. “Claro que não. Só quem sabe [do esquema] é [sic] eu, você e minha irmã”, afirma o vereador, no que é desmentido pela ex-assessora. “Lógico que não, mais gente sabe”.
Na conversa, Ivanilde demonstra preocupação e afirma que não pretende continuar com o esquema. “Quando a gente foi fazer isso [a rachadinha], a gente conversou entre nós […] não quero mais me envolver com isso”, disse.
Oferta
Na gravação, que tem duração de quase duas horas, Zerbinato chega a demitir a então assessora e oferece o pagamento de uma quantia em dinheiro em reconhecimento aos serviços prestados. A verba seria retirada de seu próprio subsídio, segundo ele ressalta.
“Você me ajudou bastante, e eu reconheço. Na equipe, vai ser difícil de você continuar […] eu pagaria R$ 1 mil do meu salário para você nem trabalhar”, disse Zerbinato, na gravação. “Eu sei que você fez suas coisas, abriu a escolinha, e não quero te deixar de mão abanando”, disse.
A ex-assessora reage, indignada. “Você está me desligando porque já arrumou alguém pra fazer esse acordo, esse acordo entre eu, você e a Dalila (…) você já viu outras pessoas para você contratar e fazer esse acordo com a sua irmã, essa rachadinha […] ou sua irmã vai continuar trabalhando pra você de graça?”
Procurada, Ivanilde informou que entendeu a fala do vereador como a compra de seu silêncio sobre o acordo. Ela também informou que, depois de ser exonerada, foi procurada algumas vezes por assessores do vereador. “mas não recebi nenhum centavo dele, não quis conversar sobre isso”, explica.
Mais esquema
Em outro trecho, dessa vez de uma outra gravação, Zerbinato e Ivanilde falam abertamente sobre as condições do suposto pagamento do dinheiro à irmã do parlamentar. A ex-assessora reclamou sobre o fato de Dalila querer que o repasse fosse feito imediatamente ao pagamento do Legislativo.
Zerbinato, na conversa, fala sobre a necessidade de estipular uma data fixa para o recebimento. “Você precisa receber e cumprir o acordo com ela. A gente precisa estipular e cumprir até tal dia”, disse. “Por exemplo, você recebe no dia 20, até dia 22 o dinheiro tem que estar com ela”.
A ex-assessora chega a reclamar de uma cobrança que sofreu da irmã do parlamentar, que teria ido até a casa dela exigir a rachadinha acompanhada do marido. “Dalila me chega em casa, numa sexta-feira, com um boleto de dois mil e cacetada. Eu nem sabia que o pagamento tinha caído”, salienta.
A ex-assessora expressa preocupação com o fato de o acordo supostamente feito entre os dois se tornar público. “Qual foi nosso acordo? Não ia ficar só entre você, eu e ela? O marido dela está sabendo! Eu não gostei nenhum pouquinho disso”, disse. “Naquela semana, o pagamento caiu na sexta-feira à tarde. Ela chegou na sexta-feira mesmo, de tarde, na minha casa, com um boleto lá pra mim [sic] efetuar. Não deu tempo de efetuar”, disse.
Zerbinato ainda repreendeu a ex-assessora, afirmando que ela não deveria pagar o boleto. “Você não tem que pagar boleto nenhum, você dá o dinheiro”.
A ex-assessora ainda comenta, no áudio, que uma outra pessoa presenciou a cena e que ela teve que dizer que devia dinheiro para a irmã do parlamentar. “Você acha que ela acreditou que eu devia mais de R$ 2 mil pra ela?”. Zerbinato foi enfático: “Isso não pode acontecer”.
Admissão
Em contato com a reportagem, Ivanilde confirmou a participação nos áudios e admitiu que as conversas foram mantidas com o vereador no gabinete dele na Câmara e também por WhatsApp. Disse ainda que se sente envergonhada por ter aceitado o esquema de repasse de recursos. “Eu sei que não devia ter aceitado. Mas acreditei no Zerbinato, era um menino cheio de sonhos”, disse.
Segundo ela, desde que foi desligada do gabinete ela pensou em denunciar a situação, mas teve medo de ser implicada no esquema. “Não sei o que pode acontecer, eu tive medo de a corda estourar do lado mais fraco, que é o meu”, disse. “Pra ser sincera, temo pela minha família e não sei o que pode acontecer com essa denúncia”, disse.
Situação criminal
Segundo o advogado Kaleo Guaraty, especialista em direito eleitoral, a rachadinha, se confirmada, é suficiente para não só cassar o mandado do vereador quanto para possibilitar uma condenação criminal.
“A prática da rachadinha pode ser enquadrada como uma das modalidades de peculato, criminalizadas no artigo 312, caput, do Código Penal, em sua modalidade de peculato-desvio, na medida em que faz sobressair o caráter de apropriação salarial de assessores, que se descortinam como vítimas, ou sujeitos passivos secundários, uma vez que todas as modalidades de peculato possuem como sujeito passivo principal a própria Administração Pública”, analisa.
O peculato-desvio pode ser punido criminalmente com pena de prisão com tempo entre dois e doze anos, de acordo com a legislação brasileira.
Já o professor Daniel Pacheco, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, por sua vez, qualificaria o caso em questão como corrupção passiva, contida no artigo 317 do Código penal como “solicitar ou receber vantagem ou promessa de vantagem em troca de algum tipo de favor ou benefício ao particular”.
A doutoranda Ana Carolina Corombaroli, também especialista em direito administrativo, afirmou ainda que, em tese, a situação pode configurar improbidade administrativa, que gera responsabilidade civil. “Infelizmente, é uma prática disseminada e de difícil comprovação, mas que, caso confirmada, pode ser suficiente para a abertura de um procedimento político de cassação no Legislativo”, disse.
Cassação
Kaleo ressalta, ainda, que o processo na Câmara pode ser iniciado com a denúncia de qualquer cidadão, bom base no decreto 201/1966. “A Câmara deve instaurar de imediato a comissão que irá analisar a denúncia e o processo corre em 90 dias, de forma muito mais célere que um julgamento criminal”, ressaltou.
O especialista ainda afirma que o próprio fato de a irmã do parlamentar assumir funções no gabinete, ainda que de forma extraoficial, também pode ser enquadrado como nepotismo. “Essa prática é vedada pelo Supremo Tribunal Federal e, se for o caso, se a irmã do vereador efetivamente trabalhava no gabinete, ainda que sem registro formal, há a possibilidade de responder por nepotismo”, conta.
Outro lado
Zerbinato foi procurado para comentar o assunto, através de sua assessoria, na tarde desta segunda-feira. O teor da matéria foi revelado e uma entrevista foi solicitada. Não houve resposta até o fechamento da matéria. Se houver, o texto será atualizado.
A reportagem também solicitou contato com a irmã do parlamentar, mas não foi passado. Ela não foi localizada para comentar a denúncia. Procurado, o Legislativo não se manifestou sobre a denúncia até o momento. Se o fizer, o texto será atualizado.