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Metafísica de um beato

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Metafísica de um beato
* Por Luís Eblak

Filósofos adoram criar coisas difíceis de ler . Alguns inventam hermenêutica disto, metafísica daquilo e imperativo categórico daquilo outro… Sem compromisso nenhum com a academia , pretendo um dia criar a metafísica do torcedor de futebol.

O problema deste desafio é ter de ler os filósofos que já escreveram sobre isto. Para Nietzsche, por exemplo, idolatrar instituições ou pessoas é sinônimo de fraqueza, de subserviência. Pior: vou ter de explicar porque, apesar de ser fã de um monte de gente (inclusive jogadores de futebol), não discordo do Nietzsche… Difícil.
De qualquer forma ouso dizer que , se existisse , a metafísica do torcedor comum seria diferente da “minha”. Tento explicar.

A metafísica do torcedor deveria ser uma paixão platônica e se localizar, no meu entendimento, mais próximo da compaixão e do orgulho — no sentido de “pai babão” –, pois a relação com o time deveria se guiar pelo apoio incondicional (não à toa supporter é uma das palavras para designar torcedor em inglês). Porém, creio que , a metafísica de 90% dos torcedores está mais para o terreno da paixão cega, da ira, da inveja, e sobretudo do orgulho — no sentido da soberba.

Digamos então que a “minha” metafísica do torcedor é 100% nietzscheniana . A dizer que sou 100% compaixão. A minha relação com o Palmeiras é quase religiosa. Como torcedor, sou quase como a Velhinha de Taubaté, o personagem de Luis Fernando Veríssimo, adaptada aqui como Velhinho da Rua Palestra Itália.

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Por falar em compaixão, quero agradecer aqui ao corintiano Juca Kfouri, que outro dia publicou “Torcedor que tripudia sobre o rival em cima da derrota merece desprezo”. A tese do jornalista é que as pessoas deveriam ter o mínimo de fineza e não invadir a privacidade do outro em telefonemas e mensagens instantâneas para zoar o torcedor do rival assim que acaba um jogo decisivo.

Como torcedor da minoria que concebe o clube como religião, não costumo ir à casa dos outros para tripudiar a desgraça do dono da casa. Nem fisicamente nem virtualmente. Confesso, porém, que nunca consegui explicar isto pra maioria das pessoas que invadem meu lar com crueldades dignas de.um viking, ogro ou pior: de um soldado nobre das cruzadas, na, Idade Média.

Obrigado, Juca!

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Dentro da “minha” metafísica do torcedor minoritário , devo dizer que estou orgulhoso do Palmeiras, vice-campeão mundial.

Como Nelson Piquet, sou um cara de muitos amigos e que se contenta com “pouco”. Todos sabem que Piquet era o cara que não fazia questão de ter amigos na F1 e que, se precisasse chegar em 7o lugar numa corrida, chegaria exatamente nesta posição ao final.

Claro que não me comparo ipsis literis ao campeoníssimo Piquet em “conquistas”, mas tenho poucos e seletos amigos e só estudava pra tirar a nota mínima na escola…

Nem devo me comparar ao Palmeiras, primeiro time campeão mundial numa época em que o Brasil era o país do “complexo de vira-latas”, na clássica expressão do mestre Nelson Rodrigues.

Mas como filósofo amador, venho a público dizer que estou satisfeito não apenas com o Palmeiras vice-campeão de 2021, mas também com o time de 1999.

Como me contento com “pouco”, afirmo que nunca antes sonhei “chegar tão longe”, embora tenha absoluta ciência que foi o Palmeiras quem chegou longe — sou um mero e reles torcedor . Confesso que torceria pro Palmeiras mesmo se fosse só campeão paulista ou se nem isto fosse.

Ao grande filósofo Nietzsche, confesso minha fraqueza absoluta: na figura de Raphael Veiga, quero agradecer mais ainda a todos do elenco do Palmeiras nos últimos anos, inclusive Deyverson e o mestre Abel Ferreira. São todos meus ídolos!

*Luís Eblak é jornalista formado pela PUC/SP e graduado em história pela USP, onde também defendeu seu mestrado em história social. Foi repórter, chefe de reportagem e editor na Folha de S.Paulo (Agência, Mundo e Cotidiano) e repórter especial na Gazeta de Ribeirão. Hoje é assessor de comunicação.