Na sexta-feira 12 de novembro, às vésperas do GP de São Paulo de Fórmula 1, Raí Caldato recebeu uma mensagem pelo celular. O horário (quase 11h da noite) e o remetente denunciavam a urgência da situação. Era a equipe de Lewis Hamilton perguntando se ele conseguiria desenhar um capacete com a bandeira LGBTQI+ no máximo até o domingo. Motivo da pressa: o inglês queria utilizar o acessório no GP do Catar, na semana seguinte.
O capacete foi a maneira de Hamilton protestar contra a postura de intolerância e preconceito comuns no país do Oriente Médio, onde a homossexualidade é tratada como crime que pode ser punido com a pena de morte.
Caldato teve que acelerar. Estudou as cores do arco-íris e se dedicou à trabalhosa tarefa de Type Design, que consistiu em, praticamente, criar a fonte para a frase “We Stand Together” (Nós ficamos juntos, em tradução livre). “Levou quase o sábado todo para fazer. As pessoas não imaginam o trabalho que isso dá”, disse. Apesar da correria, o prazo foi cumprido e o desenho aprovado 10 minutos antes da largada da prova no Autódromo de Interlagos.
“AJUDA” DE SENNA – O capacete para o GP do Catar foi mais um dos vários que Caldato, nascido em Campinas (SP), já projetou para Hamilton. O designer, de 45 anos, é o responsável por desenhar os modelos do acessório para o piloto britânico desde 2017, quando venceu um concurso lançado pelo próprio Hamilton para escolher o seu designer de capacetes para a temporada daquele ano.
Caldato desenhou um conectando o britânico com o seu maior ídolo, Ayrton Senna, como se fã e ídolo estivessem juntos para conquistar o tetracampeonato mundial – algo que Hamilton, então tricampeão do mundo, estava buscando e um título que Senna perseguia no ano do seu acidente fatal.
A parceria tinha previsão para durar somente o ano de 2017. Mas deu tão certo que o brasileiro foi convidado para seguir trabalhando com o piloto no campeonato seguinte. E segue até hoje.
“É como o Sid Mosca dizia: ‘que o capacete é a identidade de um piloto na corrida'”, diz o designer ao Estadão, citando uma das suas referências na profissão. O já falecido Mosca ficou conhecido nos bastidores da Fórmula 1 por ter customizado os capacetes de Ayrton Senna, Nelson Piquet, Emerson Fittipaldi e de outras estrelas, como Michael Schumacher.
Trabalhar com carros e desenhos é algo que Raí Caldato tinha como meta desde a adolescência. Formado em Desenho Industrial pela FAAP, quase abandonou sua paixão depois de fechar as portas de um escritório em 2009. Até que em 2010, Bruno Senna lançou um concurso para homenagear o tio, Ayrton, que completaria 50 anos na época se estivesse vivo. Raí se inscreveu e seu capacete foi o vencedor.
No começo de 2020, Caldato recebeu um trabalho que iria reforçar ainda mais a sua presença na trajetória de Hamilton. “O Lewis queria ter uma cor totalmente nova para o seu capacete, mas não sabia dizer qual. Eu tive que descobrir”, conta Raí.
Quando entrou no quarto da filha e viu um dos fuscas que ela coleciona, uma miniatura em branco e roxo, Caldato viu que a cor também se encaixaria muito bem ao inglês. “Primeiro por representar a realeza. E como Lewis poderia se tornar, em 2020, o piloto com mais vitórias e poles na história da Fórmula 1, além de igualar o Schumacher em títulos, ele poderia se tornar o rei da categoria. E segundo porque o roxo também remete à uma elevação espiritual, e o Lewis também apresenta isso”, afirma Raí.
Raí já coleciona mais de 600 capacetes projetados, sendo alguns feitos para pilotos da elite. E revela ter um sonho. “Queria ver um piloto brasileiro ser campeão na Fórmula 1. E com um capacete que eu desenhei.”
jornal O Estado de S.Paulo