O Congresso aprovou um projeto de lei que passa da União para as prefeituras a competência para definir regras de proteção nas margens de rios. O texto, que altera o Código Florestal (federal), vai para a sanção do presidente. Especialistas veem riscos ambientais e geológicos com a medida, além de prever questionamentos na Justiça. Já defensores dizem que a mudança dá mais autonomia aos municípios.
Conforme o Código Florestal, hoje, as margens de rios em áreas urbanas são consideradas Áreas de Proteção Permanente (APPs) e a vegetação ali deve ser mantida em faixas que variam de 30 metros a 500 metros, a depender da largura do rio. Em áreas como as margens do Rio Amazonas é comum a obrigatoriedade, por exemplo, de manter extensões de meio quilômetro. O projeto aprovado, na prática, dá aos 5.568 municípios brasileiros o poder de estabelecer a faixa a ser preservada, após consulta aos conselhos municipais e estaduais de meio ambiente. O texto vetou emenda apresentada no Senado que estabelecia o mínimo de 15 metros a serem preservados.
RISCOS
“A pressão sobre as APPs urbanas sempre existiu e nunca deu certo, mas desta vez o quadro político nacional permitiu que prosperasse”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. Antes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido pela validade do Código Florestal na definição dessas áreas protegidas.
Entre as consequências apontadas por especialistas estão o assoreamento dos rios. Quanto menos vegetação nas margens dos cursos d’água, maior a chance de a terra nua ser carregada pela chuva para o leito do rio ou córrego. Outros riscos são enchentes mais constantes, resultado direto do assoreamento, e desastres ambientais como o deslizamento de terra – em 2011, na Região Serrana do Rio, morreram mais de 900 pessoas.
A biodiversidade também pode ser afetada nos casos de preservação muito pequena das matas ciliares. Um dos efeitos da destruição das margens é a mortandade de peixes. Isso pode aumentar ainda o risco de doenças, como a leptospirose, transmitida pela urina do rato, em locais de saneamento precário. Até agora, era válido o entendimento estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o Código Florestal é que deve definir essas faixas de proteção.
O projeto é do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), que tem defendido a dificuldade de ter regra igual para diferentes municípios. O texto também prevê que construções já existentes em áreas que eram consideradas irregulares pela legislação ambiental em vigor, até o dia 28 de abril deste ano, podem ser mantidos. O mesmo vale para áreas consolidadas urbanas – cujo definição do que é fica a cargo dos municípios.
CONSTITUIÇÃO
Para Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental, o projeto ignora o artigo 225 da Constituição. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, diz. “Legislaram como se os rios conhecessem fronteiras entre os municípios”, afirma.
Um dos problemas está em rios que passam por diferentes cidades. Se na área da nascente as margens não forem respeitadas e preservadas, o resultado será assoreamento e piora da qualidade da água e em qualquer outra região do cursos d’água, sem importar se os outros municípios têm ou não leis mais restritivas. Para especialistas, há pressão da construção civil e interesses eleitorais de prefeitos e deputados para a aprovação do texto.
FISCALIZAÇÃO
Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o entendimento deve ser o oposto. Ele diz que a lei, se sancionada sem emendas, dará aos municípios poder previsto na Constituição. “Todos cobram que os municípios precisam de autonomia, mas quando se dá ainda existe uma ideia errada de que eles não sabem o que fazer ou que há corrupção”, afirma.
Ziulkoski diz que o projeto de lei pode dar margem à especulação imobiliária ou afetar o ambiente apenas se os municípios não forem orientados e fiscalizados. Segundo ele, a fiscalização ocorre em nível municipal também pela ação dos cidadãos e do Ministério Público. “O pior é como está hoje, sem fiscalização nenhuma.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.