A redução da renda durante o período crítico da pandemia e a alta da inflação em 2022 tem criado uma nova categoria de devedores: a dos superendividados. Um novo recurso jurídico, porém, tem oferecido uma segunda chance a esses consumidores sem capacidade de pagar dívidas com juros altos como cartão de crédito, cheque especial e empréstimos bancários.
A chamada “Lei dos Superendividados” é recente e alterou Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso para proteger o consumidor bom pagador de situações humilhantes ou que comprometam sua subsistência. Segundo o advogado Allan Marcolino, atuante em contendas civis e do Código do Consumidor, a Lei 14.181, de 1º de julho de 2021, permite que o devedor repactue suas dívidas e proponha um plano de pagamento único em até 5 anos. ”A principal vantagem da negociação em bloco é o fato de que o inadimplente superendividado não precisará escolher qual dívida quitar.
Ao incluir todos os débitos num mesmo plano de pagamento, acaba aquela agonia financeira e psicológica de pagar uma dívida e faltar dinheiro para as demais”, explicou Marcolino. A Lei do Superendividamento não exige um valor mínimo ou máximo para ser aplicada. No entanto, não pode ser usada por quem contraiu dívidas de forma dolosa (sem intenção de pagar) ou com crédito rural, compra de imóveis ou de bens de luxo. “O acordo também não deve comprometer o mínimo existencial do consumidor, que também deve ter meios para subsistência, como o pagamento de água, luz, moradia e comida”, destacou o advogado do escritório MJM.
O balanço de junho do Serasa apontou que, apenas no município de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, há 255 mil inadimplentes, que devem, em média, R$ 5,5 mil cada um. O número de pessoas que não pagaram suas dívidas em dia no Estado, por sua vez, subiu pela oitava alta consecutiva desde outubro de 2021, de acordo com a última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (CNC) divulgada pela Fecomercio-SP, referente ao mês de maio.
O cenário favorece o endividamento das famílias e a busca pela mediação judicial pode reorganizar as finanças de quem está no sufoco. Para Marcolino, a Lei do Superendividamento veio resgatar a dignidade de pessoas que foram atingidas pelo mercado de consumo, seja por ignorância, imprudência ou incontinência de gastos. “Também auxilia os credores a resgatar uma parcela do crédito que já consideravam perdido, vindo em uma boa hora para concretizar a prevenção e o tratamento do fenômeno preocupante do superendividamento do consumidor”, disse o advogado. Por ser uma iniciativa mediada judicialmente, se não houver acordo entre as partes diante da proposta do devedor, caberá ao juiz determinar prazos, valores e formas de pagamento.
Em 2022, a vendedora A. R., 43 anos, sentiu o peso da desvalorização salarial frente ao custo de vida. Até agora ela, que preferiu não ser identificada, já acumulou R$ 6,2 mil em dívidas no cartão, IPTU e de financiamento. “Os aumentos de bens e serviços foram muito maiores que os reajustes salariais e, no meu caso, também teve a baixa nas vendas”, disse a ribeirão-pretana. Ela afirmou que nunca tinha ouvido falar da Lei dos Superendividamento, mas achou a proposta interessante. “Devo e não nego, vou pagar assim que eu puder”, disse.
Outra que quer muito acabar com as dívidas é a psicóloga Beatriz, nome fictício, 55 anos. Com R$ 120 mil em dívidas no cartão de crédito e de empréstimos bancários, fora os juros exorbitantes, ela viu na Lei do Superendividamento uma saída para o acúmulo de faturas. “A maioria das pessoas não sabe sobre essa Lei. Descobri pesquisando na internet, mas só quando marquei a reunião com o advogado soube que poderia me beneficiar dela. A princípio pensei que fosse para pessoas com menos instrução do que eu, mas qualquer um pode recorrer a ela”, afirmou a psicóloga.