Fiz aniversário ontem. Vou ao computador e resolvo saber qual dia da semana nasci. Descubro que foi uma quinta-feira. Nada mal. Nasci no despertar de um final de semana. Gosto das quintas-feiras porque elas são uma espécie de gás para os dias que virão. Às quintas-feiras nascem as expectativas, concluem-se os planos. Quinta-feira tem gosto de festa.
Ao mesmo tempo que me vem essa alegria momentânea, caio na besteira de me perguntar por que as segundas-feiras são diferentes das quintas-feiras. O estranho é que não são. Como não são as terças, as quartas, as sextas, os sábados e os domingos. Lembro-me de um estudo de uma universidade inglesa, agora não sei qual, que aponta o tempo como uma invenção humana. Aliás, a melhor ou a mais cruel das invenções humanas.
Contar os dias é desprezar o momento em função da necessidade narcisista do ser humano. Achamos que somos o centro do universo e, para nós, tudo é feito. Abandonamos o conceito da natureza e nos arraigamos nos valores humanos, com suas injustiças, com seus paradigmas, seus conceitos ultrapassados, sua visão exclusivista. Distinguimos pessoas pelo que estão no conceito que nós criamos, e não no conceito do papel que exercem na natureza.
Atribuímos papeis a cada fase criada por nós. Esquecemos notar que dias e noites existem sem papel algum. Dias são dias, noites apenas noites. Toda segunda-feira tem manhã, tarde e noite, como as quintas e os domingos. Nós é que atribuímos tarefas a nós e exigimos caminhos pré-estipulados. Pergunte a um plantonista de hospital no final de semana, se é diferente a rotina do meio da semana. Tudo é simplesmente igual. A rotina não muda, como não mudam os aspectos que nutrem a natureza dos seres e das coisas. A beleza independe dos dias.
O mais cruel do tempo são os valores que damos a ele. É daí que vem a discriminação, o preconceito, o estigma. Entendemos crianças como seres puros e ingênuos, mas a natureza sempre prova o contrário. Alegamos que velhos são pouco produtivos, mas a ordem natural prova o oposto. E assim vai. O tempo nos faz cruéis e arrogantes.
Medimos descaradamente épocas. Denominamos ultrapassados e modernos na mesma condição humana, sim humana e não natural. Debochamos de termos que usamos um dia, ampliamos outros e sem qualquer noção, nos esquecemos de que caminhamos o mesmo caminho e, por conseguinte, seremos vítimas do mesmo veneno.
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, certa vez escreveu: “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…/Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,/mas porque a amo, e amo-a por isso,/Porque quem ama nunca sabe o que ama/Nem sabe por que ama, nem o que é amar …/Amar é a eterna inocência,/ E a única inocência não pensar…” Creio que o poeta foi perfeito na descrição da natureza. Quando pensamos, perdemos a inocência e criamos pesos aos nossos dias. Julgamos no nosso próprio tribunal. Passamos a acreditar na falência do ser, quando devemos ressaltar o valor de cada um, independente das siglas, das falas, das opções, das políticas e das culturas, porque tudo isso é um mapeamento humano.
Numa quinta-feira, eu nasci. Elegi todas as quintas como dias do meu aniversário. Vou brincar de eternidade. Vou fazer festa e apagar as velinhas de um bolo que não existe. Vou distribuir doces e salgadinhos. Vou beber o orvalho e dançar a valsa dos vencedores. Nasci na quinta-feira. Nasci hoje.