Vídeo – Alegria alvinegra: Comercial completa 111 anos de história no futebol

Para celebrar a data, o Grupo Thathi traz - em texto, imagens e vídeo - um pouco da história do time

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Tiorcida celebra nesta segunda-feira os 111 anos do Comercial

O Comercial Futebol Clube completa 111 anos nesta segunda-feira (10). Para celebrar a data, o Grupo Thathi traz – em texto, imagens e vídeo – um pouco da história do time. Da fundação aos anos mais gloriosos, o relato busca apresentar às gerações um pequeno resumo dessa história rica e cheia de simbolismos para Ribeirão Preto.

O relato histórico é do jornalista Igor Ramos e a matéria, de Correa Junior. Confira:

Fundação

Torcedores acompanham partida do Comercial – foto: Reprodução

No movimento esportivo em torno do futebol e que fez surgir os primeiros clubes amadores de Ribeirão Preto no final da primeira década do século XX, nasce o Comercial. Fundado em 1911, o clube assume em pouco tempo, a preferência dos torcedores e a simpatia dos Coronéis do Café. 

A fundação do alvi-negro foi fruto de uma mescla de jogadores dos outros alvinegros da cidade: o Gymnasial e do Athlético Ribeirão Preto, até então os times mais fortes e mais organizados entre tantos que esboçavam a participação no futebol. A ideia de criar mais um time começou a ganhar força entre os jogadores que buscavam uma identificação com uma nova equipe, ainda mais forte e mais organizada que as duas que lhe dariam origem. 

O Comercial surgiu em uma terça-feira, dia 10 de outubro de 1911, quando o grupo de comerciantes se reuniu na casa do senhor Adaucto de Almeida, na rua General Osório, número 47.

Ao longo do trabalho de apuração surgiram nomes de estabelecimentos comerciais da cidade que teriam abrigado a famosa reunião. Casa Nunes e a recém-inaugurada Casa Valeriano. Estes locais eram pontos de concentração dos jovens da cidade que sonhavam com a fundação de mais um clube. No entanto os registros mais precisos apontam que o local exato do encontro para o nascimento do Comercial foi na General Osório número 47.

A reunião foi marcada para depois do expediente comercial, que acabava as 20 horas. O encontro invadiu a noite e imbuídos da ideia de formar uma equipe grandiosa, os jovens comerciantes e estudantes assinaram nas primeiras horas do dia 11 a Ata da fundação do novo clube, cuja data oficial do nascimento ficou registrada como sendo do dia 10 daquele mês de outubro.

Nesta reunião que originou o Commercial participaram aproximadamente 30 pessoas, entre as quais Alvino de Souza Grota, Antídio de Almeida, Argemiro de Oliveira, Francisco Arantes, Gervásio de Oliveira, Guilherme Nunes, Jonas de Assis, José de Souza Grota, José Lima, Sebastião Ruvald, Sebastião Vianna, Timotheo de Souza Grota, Antonio Maneiro, Alberto Barroso, Mario França Júnior, Djalma Machado, Adauto de Almeida,   Luiz Maragliano, Arthur Maciel, Luiz Schimdt, Álvaro Franco, Nicolau Mauro, Francisco Nunes, Antônio Vilhena de Moraes além de outros jovens esportistas que acompanharam o encontro histórico. 

Durante a reunião a palavra foi dada ao jovem Antídio de Almeida, de 20 anos, que fez uso da palavra e revelou que daquele encontro nasceria um clube de futebol, organizado com um presidente e uma diretoria constituída.  Um secretário foi escolhido para presidir tal sessão para a votação e escolha dos membros da primeira diretoria.

Adaucto de Almeida, irmão de Antídio, então deu início aos trabalhos, sendo eleitos pela maioria dos votos o próprio Antídio de Almeida, como presidente, Alvino de Souza Grota, como vice-presidente, Adaucto de Almeida, tesoureiro, Djalma Machado, secretário, Sebastião Vianna,  procurador, Sebastião Ruvald,  primeiro capitão e Florentino de Almeida, como segundo capitão.

A Escolha do nome

O nome do novo clube foi escolhido ali mesmo, durante a reunião. Após a posse de todos os membros que haviam sido eleitos democraticamente, Argemiro de Oliveira, primo de Antídio, pediu a palavra e propôs que o clube fosse chamado Commercial Futebol Clube (com dois emes, como ditava a grafia da época). O nome, que tão bem representava os comerciantes e estudantes da cidade foi aprovado por dez votos.  

O primeiro estatuto do clube foi redigido por Alvino Grota, Argemiro de Oliveira e Djalma Machado. Na mesma noite também foi esboçado o primeiro time tendo como base Alvino, Jéfferson e D. Lima; Sabará, Nem, Djalma, Mattiuzi, Maneiro, Guilherme e J. Grota.

O primeiro jogo

Assim como os demais clubes que nasciam na cidade, o Commercial precisava encontrar rapidamente um local para treinar e conseguir reunir com mais facilidade aqueles jovens entusiastas do futebol. No início, as dificuldades foram grandes diante dos magros 1$000 de mensalidade. Mas aos poucos os rapazes conseguiram um local para os treinos.

Os primeiros treinamentos aconteciam em uma área onde hoje está a praça Luiz de Camões, nos altos da rua Tibiriçá. Rapidamente a equipe passou a se reunir em um campo maior, em uma propriedade cedida pela fundação Antônio Helena Zerrener [Companhia Antarctica Paulista] onde depois seria construído o primeiro estádio.

O Commercial nasceria forte e logo passou a ser o primeiro e mais importante clube de futebol da cidade, especialmente depois que Gymnasial e Ribeirão encerraram suas equipes. Os jogadores que ainda mantinham o Gymnasial vivo acabaram ingressando no Commercial em meados de 1912 e 1913,  e o novo time ribeirão-pretano começava a sua vida esportiva com atletas de ótimo nível.

Mas antes desta saída de cena, o clube que cederia o seu DNA esportivo ao Comercial fez um jogo contra o caçula.  E esta partida, ocorrida no dia 15 de novembro de 1911, foi um marco na história comercialina, considerado até então naquele momento como o jogo mais importante do recém fundado clube. Um batismo de gala.

Neste duelo, o time dos “Commerciaes” [como se referiam os jornais da época] encarou uma partida difícil contra Gymnasial, perdendo por 3 a 1. O jornal A Cidade assim noticiou o encontro entre as duas equipes ribeirão-pretanas realizado no campo Athletico Ribeirão Preto, onde atualmente encontra-se a praça Sete de Setembro.

Embaixador da cidade

A fase áurea do Comercial não demorou a acontecer. O clube que nasceu organizado pelos comerciantes e estudantes, caiu nas graças dos Coronéis do Café e isto trouxe incentivos financeiros ao time. Em tempos de fartura com o café era de se esperar que muitos réis fossem destinados ao futebol, embora o esporte estivesse apenas no início da sua popularização.

Bem organizado e obtendo resultados em campo, a fama do Commercial começava a transpor fronteiras locais e os jogos importantes se tornavam mais frequentes nos primeiros anos de vida do alvinegro. Neste tempo, o campo do Comercial era considerado uma sala de visitas. Os treinos semanais, e aos domingos, assim como os jogos, levavam ao local pessoas da alta sociedade, entre elas algumas autoridades municipais. 

Apesar de agitada culturalmente, a cidade tinha no esporte mais um atrativo e os treinos e jogos do Comercial se tornavam pontos de encontro, até mesmo para decisões políticas. Pessoas influentes e políticos iam buscar ali o apoio que necessitavam, pois, no novo clube, começava a se concentrar uma camada importante da sociedade ribeirão-pretana.

Quando os encontros não aconteciam na sua praça esportiva, o Comercial já conseguia reunir seus simpatizantes em pontos estratégicos da cidade, como o Café Pinho, local de frequência dos comercialinos e dos jogadores, que tinham entradas livres nos espetáculos realizados no estabelecimento (“café-cantante”).  Dentro e fora de campo o Comercial não parava de crescer. Aglutinava simpatizantes, aumentava seu patrimônio e obtinha vitórias e fama nos gramados.  Os jogos em Ribeirão se transformaram em grandes eventos e atraiam pessoas de cidades da região, que aproveitavam estas ocasiões para se abastecerem no comércio local, cada vez mais fortalecido na ‘carona’ do café.

Não restavam dúvidas: o café e o Comercial faziam a propaganda de Ribeirão Preto pelo estado e pelo Brasil. E o clube só crescia com isto.

Ainda faltava superar barreiras impostas pelas dificuldades de transporte, que impediam o time de atender a muitos convites e jogar com mais freqüência fora de Ribeirão Preto.

Eles surgiam constantemente e sempre que possível o Comercial os atendia, contando com o incentivo financeiro dos Coronéis do café, que ajudavam o desenvolvimento da jovem equipe, financiando algumas viagens

O Comercial somava vitórias e o seu esquadrão ficava cada vez mais conhecido. Os anos de 1917 e 1918 ficaram marcados pelo avanço do time.  Em 1917 a equipe disputou o torneio do interior, conhecido como Taça Castellões e sagou-se campeão. Durante a campanha obteve resultados memoráveis, como a vitória de 20 a 0 sobre o Taquaritinga.  Esse torneio seria o equivalente ao campeonato paulista sem os quatro grandes. Por isso a sua importância.

Em 1918 o Comercial ja era considerado a locomotiva do futebol local e passou a integrar, como membro ilustre, a Liga Municipal de Clubes, que foi formada com o Palestra Itália, União Paulista, Itália, Operário, Cravinhos, Comercial Extra e A.A. Olímpia, de Jardinópolis.

A Liga Municipal foi uma iniciativa do Palestra Italia F.C. e surgiu para substituir a Liga D’ Oeste, que não havia prosperado. No mesmo ano nascia o Botafogo, que futuramente se tornaria o maior rival comercialino.

O Leão do Norte

O apelido pelo qual é conhecido nos dias atuais surgiu em 1920 quando o Comercial aventurou-se em uma excursão no nordeste brasileiro.

Esta é uma das páginas mais bonitas da história do Comercial e que foi escrita bem longe de Ribeirão Preto. Ela aconteceu em 1920, quando o clube estava prestes a completar a sua primeira década de vida e recebeu um convite para excursionar por Recife, onde enfrentou os principais times pernambucanos. A epopeia fez surgir o cognome Leão do Norte, título então conferido ao Sport pelo seu triunfo, um ano antes, no Pará. 

Com vitórias memoráveis e enfrentando até uma batalha campal, o Comercial consagrou o seu time, dando-lhe fama nacional. Foram sete jogos por Recife, com seis vitórias e um empate. A jornada épica foi completada na Bahia, com mais um desafio vencido pelo esquadrão alvinegro, totalizando oito jogos no Nordeste brasileiro, em uma campanha invicta. Por causa desta epopeia em gramados pernambucanos, o Comercial passou a ser chamado de Leão do Norte. Esta história será descrita a partir de agora, com a reprodução de alguns documentos e reportagens da época que permitiram detalhar os jogos em Recife e quantificá-los com exatidão, pois até então as informações sobre tais jogos eram divergentes, inclusive nos resultados.  

Apesar de jovem, o time comercialino já vinha conquistando fama pelo estado, notadamente pela sua organização, pelas suas modernas instalações, como o campo gramado – considerado um dos melhores do país – e principalmente pelos resultados dentro de campo. As vitórias nos amistosos intermunicipais faziam do Comercial uma equipe requisitada para duelos regionais. Até que surgiu o convite para o time se apresentar pela primeira vez fora da região sudeste.

No dia 22 de março de 1920 o Comercial recebeu um telegrama do Sport Recife convidando o clube para uma série de amistosos em Pernambuco. Os pernambucanos haviam tentado levar outras agremiações, mas teve a recusa de todas. Só o Comercial aceitou os desafios e para o Nordeste brasileiro se dirigiu, sem imaginar a repercussão positiva que a excursão lhe traria e as emoções que estavam reservadas.

Mas quem eram estes jovens que defendiam com tanto amor a camisa do Comercial e se dispuseram a uma aventura longe da sua cidade, em outra região do país? Eis um breve perfil dos comercialinos que tão bem representaram Ribeirão Preto.

Com seus bravos jogadores o Comercial vinha encantando o interior paulista com grandes partidas intermunicipais e vitórias e mais vitórias no currículo. O time acabara de ser vice-campeão do Interior pela APEA e já fazia de Ribeirão Preto, famosa pelo café e pela sua pujança cultural, conhecida também pelo bom futebol. Com a epopeia pelo Nordestes, a cidade do interior paulista e o seu brioso Comercial foram ainda mais comentados Brasil afora.  Vamos então embarcar nesta saga alvinegra que teve início a partir de um telegrama-convite.

Com as passagens pagas pelos anfitriões pernambucanos, o Comercial partiu para uma longa jornada até Recife. Foram sete dias viajando entre trilhos e mar. De trem a embaixada fez escalas em Campinas, São Paulo até chegar no Rio de Janeiro, de onde seguiu de navio para o Nordeste.

A delegação viajou na manhã do dia 29 de abril, em um evento que agitou a ainda pequena Ribeirão [cerca de 60 mil habitantes]. Na despedida, na estação Mogiana, pessoas se aglomeravam para desejar sorte aos jovens atletas. Famílias completas, senhoras, cavalheiros, moças e crianças juntos para acompanhar a partida e dar votos de felicidades aos rapazes comercialinos que se preparavam para longa jornada.

Lágrimas, saudades, lenços brancos e chapéus ao alto na partida da estação.  E assim o Comercial deixou a sua terra natal, abençoado pela sua gente, e sem imaginar que aquela excursão daria tanta repercussão.

A viagem transcorreu normalmente pelo trem diurno da Mogiana com baldeação em Campinas, onde a comitiva embarcou para o rápido da bitola larga_ da Companhia Paulista das Estradas de Ferro.

A chegada em São Paulo aconteceu à noite e a _embaixada_ ribeirão-pretana foi recebida gentilmente por diretores de clubes da capital, entre eles o Paulistano, São Bento e Palestra Itália. Era normal esta troca de gentilezas entre os times de futebol. A passagem por um time do interior pela capital mobilizou gente importante apenas para uma breve recepção. 

O Comercial seguiu viagem na mesma noite, com o desembarque acontecendo pontualmente às 8 horas da manhã seguinte na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. De lá a delegação partiu direto para o cais no final da  avenida Central [hoje avenida Rio Branco]. A viagem até Recife foi à bordo do navio Itapuy, um costeiro que media 75 metros de cumprimento por 25 de largura e era considerado um dos melhores navios brasileiros a vapor, pertencentes à Companhia Nacional de Navegação Costeira.

Os jogadores logo se acomodaram nos confortáveis camarotes da embarcação e iniciaram a longa jornada, feita com escalas, pois o Itapuy também executava serviços de cabotagem e parava por horas para embarque e desembarque de cargas. Nestas escalas os jogadores conheceram as cidades de Vitória, Maceió e Salvador.

Um dos integrantes da comitiva, não identificado, deixou em seu diário de bordo os registros da saga comercialina em direção a Pernambuco, narrando pela primeira vez a longa viagem.

(...) A 1 de maio partimos do Rio. A 2 aportamos no pitoresco porto de Vitória, no Espírito Santo. Durante as duas horas da parada tivemos tempo de percorrer em automóveis diversos pontos da capital capichaba. Ali vimos pela primeira vez um coqueiro da Baia carregado de frutos. A 3 o navio passou a altura do Monte Pascoal.Hoje, dia 5 de maio, vem amanhecendo um bello dia, e a bordo vem intensa actividade. Pelo convez, aproveitando as horas matinaes, nossos rapazes, já refeitos do enjou do mar, praticam ligeiros exercícios físicos, ginásticas, corridas, pulos de corda, para animar os músculos. Aportamos cerca de 15 horas, muita gente aguarda nosso desembarque.(…)

[foi preservada a grafia da época]

Quando o navio Itapuy atracou na Bahia, os jogadores do Comercial foram recebidos ainda no cais e deste encontro surgiu o convite para que o Comercial jogasse em Salvador quando a ‘embaixada’ regressasse de Pernambuco.

(…) Os bahianos gentis em extremo, nos fizeram cativante acolhida, especialmente a mocidade das escolas superiores e das associações esportivas.Um apetitoso jantar com comidas apimentadas a moda da Baia e uma rapaziada alegre, animada e sobretudo com muito apetite. A noite foi curta para vermos quasi tudo da Capital da terra de Ruy Barbosa e visitar redações dos jornaes. Pela manhã seguinte visitamos os clubes de futebol e regatas e percorremos pontos aprazíveis e associações recreativas. Os diretores da Liga Baiana de futebol nos fizeram convite para um jogo com o seu selecionado quando de regresso. A nossa direção prometeu resposta a ser mandada do Recife. As 9 horas o navio levantou ferros para o Recife (…_)

A longa viagem de ida até o Nordeste teve seu desfecho no dia 7 de maio, quando os jogadores chegaram na capital pernambucana depois de quase uma semana à bordo do Itapuy. O desembarque aconteceu em uma sexta-feira. Eram 6 horas da manhã e uma grande comitiva foi receber os ribeirão-pretanos no cais Alfredo Lisboa, em Recife.

Ornamentado com folhagens e bandeiras, o local de desembarque da

delegação comercialina foi tomado por centenas de pessoas que queriam dar as boas-vindas aos visitantes. Políticos, jornalistas, desportistas pernambucanos, acompanhados de suas famílias, levaram saudações aos jovens atletas paulistas. A imprensa pernambucana deu grande ênfase à chegada do time do Comercial, com crônicas a respeito daquele evento que parou Recife.

Comercial sai de cena e volta mais forte

Entramos nos anos 30, cuja década marcou a despedida do Comercial no cenário esportivo.

Foi em 1936 que o clube paralisou as suas atividades para retornar apenas em 1954.

E se o começo das duas décadas anteriores foi de prosperidade e desenvolvimento, o início dos anos 30 ficou marcado pela grave crise econômica causada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Os efeitos foram sentidos mundialmente e o Brasil também sofreu com os reflexos da desvalorização do seu principal produto de exportação que era o café. Consequentemente, a maior região produtora do mundo foi vítima do histórico processo de retração financeira. Mas quais foram os efeitos disto sobre o Comercial? Foram diretos e indiretos e resultaram em uma crise sem precedentes, até um endividamento que culminou na sua paralisação das atividades.

Os efeitos indiretos ocorreram à medida que os incentivadores da equipe deixaram de colocar os seus recursos. E diretos pois os sócios passaram a não cumprir mais religiosamente com os seus deveres para com o clube, desmotivados porque o time não era mais visto em campo como antes, e logicamente, sem dinheiro para gastar com futebol.

Surgiam outras prioridades no cotidiano e o futebol ensaiava a sua retirada com o aumento da crise. As dívidas do clube foram crescendo e os credores se multiplicando.

Há registros obtidos durante esta pesquisa que apontam que o Comercial devia aproximadamente 60 contos de réis.  Eis que em 27 de agosto de 1936 o Comercial se desfazia de seu patrimômio, cedendo-o à Recreativa.

Com este processo incorporativo, a Recreativa adotou o escudo do Comercial, mudando apenas o C.F.C entrelaçado, pelos dizeres “Recreativa”. E mesmo com a volta do Comercial o clube manteve o mesmo pavilhão, atualmente com as letras S.R.E. (Sociedade Recreativa e de Esportes).

A paralisação do clube nunca foi bem aceita pelos comercialinos e desde os primeiros anos da década de 50 já existiam rumores para um possível retorno. Algumas tentativas frustradas envolveram o próprio Paineiras F.C., que anos depois seria o protagonista da volta.

A movimentação pelo ressurgimento se intensificou em 1953, até que no ano seguinte o Comercial se reorganizou. Para voltar à ativa e não enfrentar os problemas financeiros que quase o colocaram em extinção, o clube procurou um alicerce econômico. No início do movimento pelo ressurgimento, o Comercial entregou 200 propostas para que sócios remidos fossem inscritos com CR$ 20.000,00.

A diretoria estipulou metas para que a empreitada da volta fosse bem sucedida e antes mesmo de confirmar o ressurgimento, o Comercial conseguiu o empréstimo do campo da Mogiana (leia no capítulo sobre os estádios). E naquele estádio da rua Guatapará, o Leão começou a reescrever a sua história.

Quando paralisou as suas atividades nos anos 30 o Comercial não era filiado da Federação Paulista de Futebol pois a mesma ainda não existia. Para voltar às competições e ingressar no profissionalismo, o Comercial necessitava se filiar na entidade, fundada em abril de 1941, período no qual o alvi-negro encontrava-se adormecido.

A solução encontrada foi a de buscar um clube que já estivesse filiado, com os estatutos em dia e que se dispusesse a abrir mão de seu registro para permitir a entrada do Comercial. Dois clubes surgiram como opção para que este objetivo se concretizasse.

O São Cristóvão e o Paineiras se colocaram à disposição. Porém era importante que este clube amigo tivesse se filiado antes de 1945 para poder contar pontos para entrar na disputa da segunda divisão.

E o Paineiras tinha este perfil. Como citado anteriormente, não era a primeira vez que o Paineiras ajudava o Comercial.

No primeiro movimento pró-ressurgimento o Paineiras foi chamado para sustentá-lo com seus direitos de filiado. E o fez prazerosamente. Porém como o movimento não teve base o clube logo voltou à sua antiga denominação.

Nos anos 40 ou começo dos anos 50 (não foram localizados documentos precisos) o Paineiras chegou a mudar seu nome para Comercial em uma tentativa de motivar o reaparecimento do saudoso Leão do Norte. Entretanto não foi adiante pois os supostos apoiadores daquela iniciativa acabaram se esquivando. Posteriormente, em 1954, o Paineiras cedeu seus direitos e exigiu em troca apenas que o Comercial não mudasse seu nome caso o renascimento não se fortalecesse, como havia ocorrido anos antes. E se o fizesse, que voltasse a se chamar Paineiras.

Outras pequenas exigências – menos significativas – foram apresentadas, como, por exemplo, que alguns dirigentes fossem reconhecidos e recebessem deferências do Comercial. Entre as quais; títulos de sócios remidos, beneficentes ou honorários para quatro ou cinco diretores que conseguiram manter o Paineiras sobrevivendo nos últimos anos, tanto no amadorismo como no juvenil.

Com o Comercial de volta às atividades existiam duas preocupações prementes na nova diretoria. A primeira, era a de montar um time forte para que a re-aproximação da torcida com o clube ocorresse com entusiasmo. E a segunda, a busca por um local onde a equipe pudesse mandar seus jogos, pois era desejo unânime entre os dirigentes, que  o clube já disputasse o campeonato de acesso imediatamente.

O time foi montado com ajuda de dirigentes e técnicos influentes no futebol paulista e contou com a colaboração de equipes como o Palmeiras, Corinthians e principalmente o São Paulo, de onde vieram jogadores de destaque como Mairiporã e Ademar.

Homens como Amilcar de Oliveira, Álvaro de Oliveira, Antônio Nilo Bergamini e Cézar Dias contribuíram de forma significativa na montagem do time leonino no ano de 54. 

A proximidade de comercialinos importantes com a diretoria do São Paulo se deu pelo fato de alguns deles terem feito parte do Conselho Deliberativo do Tricolor.

A boa relação entre são-paulinos e comercialinos permitiu que o Comercial montasse seu time com jogadores de bom nível. E principalmente de forma ágil.

Vicente Feola foi o responsável pela maioria das indicações dos jogadores e do Canindé (campo do São Paulo na época) vieram Ademar, Mairiporã, Alan e Gentil.

“O elenco do São Paulo estava grande e sugeriram que a gente fosse para Ribeirão pois no Comercial íamos ter mais chances de jogar. Vim e não saí mais daqui” (Ademar).

Após o seu ressurgimento, o Comercial encarou uma nova etapa do futebol brasileiro, com a implantação do profissionalismo. E a meta primordial era fazer o time ingressar na elite do futebol paulista.  A Lei do Acesso foi criada em 1948 e coroou o XV de Piracicaba no ano de 1949 como o primeiro clube interiorano a ascender para a elite do futebol paulista. No campeonato de 1949, só encerrado no ano seguinte, foi a vez do Guarani. Na temporada de 1950 o Radium subiu, deixando para trás o Botafogo.

Pelo calendário da época, os campeonatos começavam em um ano e terminavam no outro. Depois do XV de Piracicaba, Guarani e Radium, conquistaram o acesso  o XV de Jaú, em 1951, Linense em 1952, Noroeste em 1953, Taubaté em 1954, Ferroviária em 1955, Botafogo em 1956 e o América em 1957. Eis que em 1958 chegou a vez do Leão. 

A campanha daquele ano foi iniciada em junho de 1958 e encerrada com a conquista sobre o Corinthians de Presidente Prudente em abril de 1959, após três batalhas finais que apontaram o novo integrante da elite do futebol paulista.

O Comercial já havia estado na primeira divisão em 1927 e  1928, como integrante da APEA. O ingresso nestes dois anos ocorreu por convite, sem a necessidade de vencer uma competição para ascender, diferentemente do feito na temporada de 1958, que foi obtido no campo e abriu definitivamente ao Comercial as portas para a Divisão Especial.

O acesso alvi-negro aconteceu cinco temporadas após o ressurgimento do clube.  Antes da  jornada vitoriosa de 1958/59, o Comercial havia disputado o campeonato da Divisão de Acesso em 1954, 1955, 1956 e 1957. Nas primeiras tentativas naufragou e ainda viu o rival Botafogo conseguir o feito em 1956. A subida do Leão do Norte estava amadurecendo e veio no glorioso ano de 1958, portanto dois anos depois do arqui-inimigo.

Após três jogos decisivos com o Corinthians de Presidente Prudente, o grande sonho se realizou. No primeiro jogo, em 12 de abril de 1959 o Corinthians venceu por 1 a 0. O Comercial devolveu o mesmo placar, em um jogo dramático no dia 19 de abril, no estádio Costa Coelho. E no terceiro jogo, realizado no Pacaembu, o Leão massacrou vencendo por 4 a 0.

Participações na primeira divisão

Time do Comercial de 1966 – foto/Reprodução

Desde o ano de 1959, quando jogou pela primeira vez na primeira divisão de profissionais, o Comercial manteve-se na elite até 1968. Foram 10 campeonatos consecutivos, até um rebaixamento polêmico. A trajetória na elite foi interrompida em 1968 quando o clube foi rebaixado e originou uma batalha judicial que entrou para a história do futebol em São Paulo por resultar em mudanças nos rumos do Campeonato Paulista. Eram tempos em que pairava no ar o clima de corrupção no futebol e o Comercial se sentiu vítima de um complô para empurrá-lo em direção ao rebaixamento.

O time lutava desesperadamente para não cair e no dia 2 de junho enfrentou a Portuguesa de Desportos em Ribeirão precisando vencer para não cair. Guarani e Palmeiras eram clubes importantes que também amargavam más campanhas e corriam riscos naquele estadual, mas foi o Comercial o grande prejudicado na competição.

No jogo contra a Lusa, no estádio Palma Travassos, o árbitro José Olímpio Clemente de Oliveira anulou gol legítimo do lateral Marco Antônio. E se não bastasse, legitimou um gol da Portuguesa anotado por Ratinho, em impendimento, o que deu início a uma grande confusão no gramado, com invasões e jogadores partindo para cima do juíz. Assustado, o árbitro simulou ter anulado o gol pois determinou a cobrança do tiro de meta. Aparentemente o jogo terminou empatado, mas para a surpresa do Comercial, na súmula entregue no dia seguinte na FPF o senhor José Olímpio Oliveira considerou a Portuguesa vitoriosa alegando que o gramado foi invadido após o gol e o jogo encerrado por falta de garantias com o placar de 1 a 0.

A briga nos tribunais estava só começando e o clube conseguiu a anulação do jogo e uma nova partida foi marcada para o estádio Moisés Lucarelli em Campinas. Bastante desfalcado, o Comercial perdeu por 1 a 0, gol de Leivinha (o goleiro alvi-negro era o jovem Émerson Leão).

Mas a história não terminava por aí. O Comercial descobriu que a Portuguesa havia escalado o lateral Zé Maria de forma irregular e pediu a anulação da partida.

A injustiça se desenhava mais claramente nas duas derrotas sofridas pelo clube nos tribunais. No Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) perdeu por 7 votos a 1 e depois viu seu recurso negado no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), no Rio de Janeiro, por 7 votos a 0.

Porém o Comercial não se conformou e realizou um grande trabalho nos bastidores, obtendo de forma surpreendente uma vitória no Conselho Nacional de Desportos (CND) por 5 votos a 1. Um momento histórico que contou com a determinação de comercialianos ilustres como Armando Oliveira Vallada, Galba Stênio Teixeira, e José Fernando Athayde. A Federação Paulista de Futebol teve que aceitar o Comercial de volta à primeira divisão e foi aí que o presidente da FPF, João Mendonça Falcão, interrompeu a Lei do Rebaixamento. O clube ficou alijado da disputa em 1969 e retornou apenas em 1970 para a disputa do “Paulistinha” que nasceu como torneio classificatório, uma espécie de primeira fase na qual os pequenos jogavam entre si em busca das poucas vagas destinadas para os duelos com os grandes. O Comercial jogou os Paulistinhas de 70, 71, 72 e 73 sem sucesso. Em 1974 voltou a enfrentar Corinthians, Santos, São Paulo, Palmeiras e Portuguesa.

Entre a primeira divisão e o classificatório Paulistinha, as participações do Comercial na elite do Campeonato Paulista foram constantes até 1986, um ano em que sobraram reclamações e desconfianças sobre arbitragens tendenciosas e resultados arranjados, como o famoso jogo da “marmelada”, entre América e XV de Jaú, no dia 13 de agosto de 1986, cujo empate por 0 a 0 [que salvou os dois times] empurrou o Leão para a segundona. Mais uma vez o Comercial precisou brigar nos tribunais, agora para tentar anular um jogo inacabado contra a Portuguesa (com vitória Lusa por 2 a 0).

A partida foi encerrada aos 22 minutos do segundo tempo após o gol dos donos da casa e muita reclamação pelo suposto impedimento do jogador Edu.

O árbitro Pedro Ignácio Filho alegou que os jogadores do Comercial impediram o re-início do jogo. O caso foi parar nos tribunais e no primeiro julgamento foi derrotado. O imbróglio se arrastou por três anos, até que o presidente Osvaldo de Carvalho foi seduzido a abrir mão de um processo considerado ganho. Em troca, segundo relatos de jornalistas e dirigentes da época, o Comercial teria uma mãozinha da Federação no quadrangular de acesso de 1989.

Assim o clube abriu mão de uma vitória praticamente certa nos tribunais esportivos e seguiu o martírio na segundona.

O sofrimento comercialino estava só começando. Ainda haveria espaço para um acesso que não se consumou de fato, em 1993, e dois rebaixamentos para a terceira divisão que entristeceram ainda mais o torcedor, em 2001 e 2009.

De 1959 até 1986 o Leão travou batalhas pela sua sobrevivência na elite e também por jornadas gloriosas como a de 1966, quando poderia ter brigado pelo título estadual e acabou sendo campeão do interior.

A força dos clubes considerados grandes faziam com que a permanência na primeira divisão para os times do interior tivesse sabor de título. E com o Comercial sempre foi assim. Cada temporada garantido na elite tinha um gostinho especial e ficava a sensação do dever cumprido.

Paralelo ao objetivo de não cair, existia o desejo claro de ficar à frente do rival pois em Ribeirão Preto, tanto como Comercial como Botafogo, não escondiam que as maiores metas eram: realizar melhor campanha deixando o inimigo para trás e, principalmente, derrotá-lo no Come-Fogo.

Amargura na segunda divisão

De 1986 até 2011 o Comercial viveu um período difícil em sua história. Durante esses 24 anos o clube esteve ausente da primeira divisão e lutou muito para voltar. Porém sem sucesso, ainda teve que amargar um rebaixamento para a terceira divisão em 2001. Por sorte não precisou disputá-la pois a FPF fez ressurgir no mesmo ano o Torneio Rio-SP e ao convidar o Guarani, abriu uma vaga na segundona e o rebaixamento do Comercial não foi consumado.

Em 2009 o drama se repetiu e desta vez o Comercial teve que jogar a terceirona em 2010. A campanha naquela temporada não foi suficiente para o time subir, mas um golpe de sorte fez com que o Comercial retornasse à segunda divisão. O Votoraty, da cidade de Votorantim e que pertencia a empresários ribeirão-pretanos, desistiu de jogar a Série A2 e a vaga foi ocupada pelo Comercial. O Votoraty, então presidido pelo ex-jogador Mauricinho (que iniciou a carreira e se destacou no Comercial) depois disso não jogou mais nenhum campeonato profissional. As suspeitas de que o Comercial teria oferecido dinheiro ao Votoraty para que desistisse do Campeonato nunca foram comprovadas.

De volta à Série A2, o Comercial conseguiu o embalo que precisava e obteve mais um acesso, só que desta vez acima de qualquer questionamento. E após um longo período, o clube retornou à elite em 2011, mas lamentavelmente para um curto período. Desorganizado e com um time aquém das suas tradições, o Comercial foi novamente rebaixado realizando a pior campanha da sua história na primeira divisão.

Em 2023, a equipe terá uma nova chance de voltar para a série A1. O Clube vai disputar a série A2 e vice a expectativa de uma boa campanha para retornar à elite do futebol paulista.

Torcedores recebem o ônibus do Comercial para partida que definiu acesso do clube à série A2 – Foto: reprodução

Grandes jogadores

Um grande clube se faz com grandes jogadores e ídolos. Em 82 anos de futebol o Comercial deixou um grande legado para o futebol paulista e brasileiro, revelando craques e contando com muitos em seus times.