Em questão de meses, a paisagem das regiões central, oeste e norte da cidade de São Paulo mudou. As promessas acumuladas ao longo de mais de uma década de criação da Linha 6-Laranja do Metrô voltaram a andar. Isso ocorre após protestos, paradas, atrasos, mudança de consórcio responsável e outros problemas – agora novos obstáculos, como a e cratera aberta na Marginal do Tietê após vazamento de esgoto em área onde ocorria o trabalho de escavação do túnel.
A megaobra, retomada em outubro de 2020 espalhou 15 canteiros pela cidade, da Brasilândia à Liberdade, surpreendendo quem circulou menos nas ruas na pandemia. Basta andar algumas quadras para ver um trecho isolado por tapumes, com demolições, interdições de vias e maquinário em operação onde antes havia de tudo: casinhas, comércios, postos de gasolina, restaurantes de bairro e até a quadra de uma tradicional escola de samba.
“É o progresso”, como os diretores do Vai-Vai descreveram ao anunciar a despedida do endereço ocupado por 50 anos. Após a fase das desapropriações e demolições, as mudanças seguirão com a construção da infraestrutura metroviária (pátio de manobras em uma represa desativada, 15 estações e 18 poços de ventilação e saída de emergência), o aumento de fluxo de pessoas e o impacto imobiliário.
As obras são de responsabilidade do consórcio Linha Universidade, liderada pela empresa espanhola Acciona. Em coletiva de imprensa na última semana, o diretor da Acciona no País, André De Angelo, destacou que a implementação da linha segue nos demais pontos e não vai parar após o surgimento da cratera, que descreveu como “acidente pontual”. Segundo ele, são mais de 30 frentes de serviços.
Desde os anos 1970, o centro não recebia tantas construções de estações, obras que feitas agora em contexto social e tecnológico distinto. Além disso, a linha mais recente da rede (a 5-Lilás) começou a ser entregue há cinco anos, enquanto a anterior (4-Amarela) entregou estações aos poucos. O plano é que a Laranja tenha as inaugurações simultâneas.
TRANSFORMAÇÃO
A linha contempla 15,2 quilômetros, que abrangem endereços com características socioeconômicas, oferta de mobilidade e urbanização heterogêneas, com urbanização tanto mais recente quanto mais consolidada. Por ser uma área em desenvolvimento urbano mais recente, o urbanista Kazuo Nakano aponta que a zona norte da cidade provavelmente será a que mais se transformará por causa da expansão do metrô.
“O impacto não é só positivo”, pondera. “A valorização pode expulsar moradores (pelo custo de vida) e forçar deslocamentos (populacionais) para outras áreas periféricas. A valorização imobiliária aumenta o preço do aluguel”, diz. Entre imóveis já existentes e lançamentos imobiliários, torna-se comum destacar em anúncios a localização nas proximidades das futuras estações.
Por outro lado, a atratividade no mercado também propicia ampliar a oferta de comércio e serviços, o adensamento populacional e a verticalização (gerando a substituição de locais onde hoje há casas e sobrados em edifícios de mais pavimentos). O resultado é a criar ou impulsionar novas centralidades, reduzindo a necessidade de deslocamentos para outras partes da cidade.
“O impacto de um metrô em um bairro periférico é muito mais visível. Os trechos mais centrais incluem bairros de classe média, de média alta, como Perdizes e Higienópolis”, compara Nakano, professor no Instituto das Cidades, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Nos bairros de classe média, o impacto será principalmente na diminuição dos congestionamentos, do trânsito”, comenta ele, embora lembre que o mercado imobiliário valorize a presença de uma estação também nestes locais.
Diferentemente das linhas da CPTM e do Metrô existentes, que atravessam as marginais pela superfície, a Laranja será subterrânea também no entorno do Rio Tietê. Significa menor criação de espaços urbanos residuais, como baixos de viadutos. Além disso, grande parte das estações serão mais profundas que o habitual, especialmente a Higienópolis-Mackenzie, de 69 metros (mais do que o dobro que a Pinheiros, por exemplo).
Como aponta o urbanista Valter Caldana, professor na Universidade Mackenzie, a relação das estações com o entorno também é crucial para o planejamento urbano. Ele cita como exemplos projetos municipais pensados paralelamente à expansão da Linha 1-Azul pela zona norte e estações do mesmo ramal no centro expandido, que incluem espaços de integração com a vizinhança (como a praça e o acesso da Estação Liberdade) e qualificados com equipamentos públicos (como a Estação Vergueiro, erguida junto ao Centro Cultural São Paulo).
RUÍDO
O relatório de impacto ambiental da Linha Laranja, de 2012, aponta 28 impactos diferentes possíveis, dos quais 23 são negativos antes, durante ou depois da implantação, como poluição sonora durante a obra, “geração de ansiedade na população” (causados pelas incertezas no andamento e encarecimento da área, por exemplo), possibilidade de acidentes e outros, cuja prevenção é determinada em planos específicos.
Outro efeito visível é na paisagem histórica. No entorno da futura Estação Bela Vista, a obra foi autorizada a demolir parcialmente um casarão e um sobrado tombados, com a condição de que sejam em parte reconstruídos, mantendo a fachada frontal original.
Uma das maiores queixas por vizinhos das obras é o barulho noturno, especialmente no distrito de Perdizes. Um abaixo-assinado online foi criado, com mais de 300 assinaturas, mas outros movimentos querem recolher assinaturas presencialmente.
“É uma situação difícil. Não para o apito, o barulho das máquinas gigantes, o barulho do gerador, a fumaça”, diz uma moradora das proximidades da Estação Sesc Pompeia, a pesquisadora Ana Maroso Alves, de 38 anos Hoje, ela diz só dormir se ligar ventilador para abafar a poluição sonora, mas é inviável evitar totalmente os ruídos. Segundo Ana, que relata episódios fortes de dor de cabeça, a vizinhança convive com isso há quase três meses.
Procurado pelo Estadão, o Consórcio Linha Universidade enviou nota em que aponta cumprir a regulamentação referente a níveis de emissão sonora em obras civis, “comunicando antecipadamente a possível ocorrência de ruídos no entorno dos canteiros e adotando medidas mitigadoras”. O consórcio não detalhou quando será retomada a obra na área do acidente nem divulgou ajustes do cronograma.
ATRASOS
Após quatro anos parada, a construção da “linha das universidades” – o nome é por passar perto de PUC, Mackenzie, Faap e outras – foi retomada em outubro de 2020. Agora está a cargo de consórcio liderado pela Acciona – no lugar da Move São Paulo, que desistiu da obra. Terá 15,3 km de extensão, com 15 estações, da Brasilândia (zona norte), à Liberdade (centro) e deve transportar 633 mil pessoas por dia. Desde o anúncio, a linha teve vários prazos de conclusão previstos: 2018, 2020, 2021 e, agora, 2025.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.