No Dia Mundial da Água, comemorado nesta quarta-feira (22), a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta para o “risco iminente” de uma crise global de escassez, devido ao consumo excessivo e às mudanças climáticas. Na Conferência da Água de 2023, que começa hoje em Nova York, a ONU pretende alcançar compromissos mundiais para mudar o paradigma de gestão.
“A água inicia guerras, apaga incêndios e é fundamental para a sobrevivência humana, mas garantir o acesso a todos depende em grande parte da melhoria da cooperação”, diz o novo relatório da ONU publicado nesta terça-feira.
O Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água, que destaca as formas que os atores têm para superar juntos os desafios comuns, alerta para o “caminho perigoso” que as populações estão seguindo, “de excesso de consumo e desenvolvimento vampírico”.
Em nível global, cerca de 2 bilhões de pessoas não têm água potável de qualidade e 3,6 bilhões não têm acesso a saneamento, afirma o documento.
A ONU conclui, no documento, que a população urbana global já enfrenta escassez de água, o que irá duplicar, segundo as estimativas. Além disso, cada vez mais frequente, a “incidência de secas extremas e prolongadas” também afeta os ecossistemas. Por isso, é urgente “estabelecer mecanismos internacionais fortes para evitar que a crise global da água saia de controle”, destaca no relatório a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “A água é o nosso futuro comum e é essencial agir para partilhar equitativamente e gerir de forma sustentável”‘, acrescenta.
Guerras pela água
Um dos autores do relatório, Richard Connor afirmou, em entrevista, que “as incertezas estão aumentando”, no que diz respeito à sustentabilidade da água.
“Se não resolvermos isso, vai haver definitivamente uma crise global”, disse o editor do relatório, referindo-se à crescente escassez que se reflete na redução da disponibilidade e o aumento da procura, desde o crescimento urbano e industrial até à agricultura (que consome 70% da produção mundial).
Nesse sentido, é importante construir parcerias e cooperação “para garantir o direito humano à água e superar os desafios existentes”.
De acordo com Connor, “a escassez econômica de água é um grande problema, na qual os governos falham em fornecer acesso seguro, como na África”. Sobre uma potencial “crise global” e a possíveis “guerras pela água”, o representante da ONU garantiu que esse recurso natural é essencial à vida e “tende a conduzir à paz e à cooperação, e não a conflitos”.
A cooperação transfronteiriça é a “principal ferramenta para evitar conflitos e tensões crescentes”, uma vez que 153 países partilham quase 900 rios, lagos e sistemas aquíferos, e mais da metade deles assinou acordos de cooperação.
No relatório, os autores indicam formas de acelerar o progresso para alcançar as metas de 2030. Afirmam que isso depende do “aprimoramento da cooperação positiva e significativa entre comunidades de água, saneamento e desenvolvimento mais amplo”.
“A cooperação é o coração do desenvolvimento sustentável, e a água é um conector imensamente poderoso”, disse Johannes Cullmann, assessor científico da Organização Meteorológica Mundial, no relatório.
“Não devemos negociar a água; devemos debater sobre como usá-la. A água é um direito humano”.
Água não é mercadoria
De acordo com especialistas independentes da ONU, que fizeram o novo relatório, a água tem de ser “gerida como bem comum, não como mercadoria”. “Considerar a água uma mercadoria ou uma oportunidade de negócio vai deixar para trás os que não têm acesso ou não podem pagar os preços de mercado”, justificam, acrescentando que só se pode alcançar os compromissos estabalecidos de forma eficaz se as comunidades e os direitos humanos estiverem no centro das discussões.
“E hora de parar com a abordagem tecnocrática da água e considerar as ideias, os conhecimentos e as soluções dos povos indígenas e comunidades locais que conhecem os ecossistemas aquáticos locais para garantir a sustentabilidade da agenda da água”.
A mercantilização “vai inviabilizar a realização dos compromissos e dificultar os esforços para resolver a crise global de água”.
Conferência da Água
Pelo menos 12 chefes de Estado e de Governo, cerca de 80 ministros, altos funcionários governamentais e mais de 6,5 mil representantes da sociedade civil vão participar da Conferência da Água, que vai até sexta-feira (24) com o tema “Água para o Desenvolvimento Sustentável”.
O encontro pretende definir uma nova agenda de ação para a água, dentro dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especialmente no que diz respeito ao objetivo 6 – água potável e saneamento.
Segundo o secretário-geral da ONU, António Gueterres, o encontro deve resultar numa ousada agenda de ação que dê à força vital do mundo o compromisso que ela merece.
Para o secretário, são urgentes os compromissos e as ações em áreas que vão desde a proteção dos aquíferos, o combate à poluição, o abastecimento de água potável ou a integração das políticas hídricas com as políticas climáticas.
Ao contrário de outras conferências das Nações Unidas, nesta os países não irão negociar um grande acordo global, mas tentar alcançar compromissos voluntários concretos de governos, empresas e outros atores.