RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Passos apertados, olhos atentos, braços equilibrando criança, bolsas, carrinho. “Estou ansiosa, parece que é a primeira vez que entro em uma sala de cinema”, disse Jenifer Chaves, 31, ao chegar na sessão organizada pelo CineMaterna na zona sul do Rio de Janeiro.
Ela que costumava ir sempre antes de se tornar mãe, disse que não imaginava que poderia voltar ao hábito com o filho Benício, de 10 meses, até conhecer o projeto: “Me sinto fazendo parte do mundo de novo”, afirmou.
O CineMaterna foi criado em 2008 por um grupo de mães com a missão de ajudar outras a retomar a vida cultural e trocar experiências sobre a maternidade.
A iniciativa, sem fins lucrativos, oferece uma estrutura dentro de uma sala convencional de cinema para famílias com bebês de até 18 meses. As sessões acontecem em 51 cidades do Brasil.
Tudo é adaptado. Logo na entrada da sala, trocadores com fraldas e itens de higiene podem ser vistos disponíveis. Entre a telona e a primeira fileira de cadeiras, há um tapete que chama atenção de alguns pequenos que engatinham ou ensaiam os primeiros passos.
“É tudo muito organizado e extremamente acolhedor”, disse a auxiliar administrativa Juanna Aresta, 29. Mãe do Pedro, de 9 meses, ela já assistiu dois filmes em sessões adaptadas e pretende voltar mais vezes.
“Na primeira vez, meu filho mamou e dormiu, e eu consegui ver o filme todo. Na segunda vez, ele já estava mais agitado e eu fiquei em pé com ele, no cantinho, e me senti muito à vontade”, afirmou.
Para ela, a oportunidade ajuda a mulher olhar para suas necessidades também. “Tive dificuldade de voltar a fazer coisas só para mim. Agora é que estou voltando a me olhar como indivíduo, como mulher para além de mãe”, disse.
Como a Juanna, algumas assistem ao filme em pé, embalando o seu bebê. Outras sentadas no chão, amamentando, há ainda quem saia da sala e retorne quando precisa.
“Eu me animei muito com a ideia, mas confesso que fiquei com medo de como seria. Mas foi muito além das minhas expectativas. Só de entrar na sala e ver tantas mães com seus bebês, eu já me senti abraçada”, disse Rayssa Dutra, 31.
Segundo ela, a filha Marina, de 7 meses, também aprovou a experiência. “Trocamos a fralda, ela mamou, dormiu, brincou no tapete, foi o pacote completo”, contou.
Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, a médica Flávia de Freitas Ribeiro da Silva afirma que a experiência pode ser positiva para o relacionamento mãe e bebê, mas é importante observar as condições da sala.
“Se a gente for pensar no contexto dessa mãe que está privada de tudo, sobrecarregada, sair dessa rotina pode fazer muito bem para ela e consequentemente para o bebê. Só é preciso checar se o volume do som não está muito alto e ter cuidado com o ambiente fechado para bebês com menos de seis meses”, disse a pediatra.
Nas sessões CineMaterna, a iluminação permanece baixa durante todo o filme e o ar condicionado mais ameno.
Para cada exibição, há pelo menos duas voluntárias do projeto que observam a limpeza e as condições da sala. Chamadas de “Pinks”, elas ainda recepcionam, ajudam e tiram dúvidas das mães.
Ainda na entrada, pegam os carrinhos, identificam e levam a uma espécie de estacionamento. Vestidas com blusas de cor rosa, elas recebem as espectadoras e orientam: “a regra é não ter regra, divirta-se”.
A doula e educadora perinatal, Taisa Priscila Ferreira, 39, se tornou uma Pink há oito anos quando uma amiga a apresentou ao CineMaterna.
“Me toca muito poder oferecer apoio à essa mulher numa fase tão solitária que é o puerpério, quando ela se sente sozinha e precisa lidar com tantas questões. Isso tudo em uma sociedade que tem pouco espaço para acolher mães e crianças”, disse a voluntária que hoje coordena o projeto na região da zona sul do Rio.
São 340 mães voluntárias que fazem a organização local das sessões. A psicóloga Solange Viana, 56, faz parte dessa rede há um ano e afirma que a doação das voluntárias é retribuída na mesma proporção.
“Eu entrei no projeto durante um momento muito difícil na minha vida: estava fazendo tratamento para um câncer de mama. Hoje estou curada. E o CineMaterna foi e é muito importante nesse processo. O contato com essas mães, as amigas que fazemos aqui, são uma terapia para mim”, disse.
Para participar do CineMaterna, basta ir ao cinema no dia e horário da sessão que podem ser consultados no site. Os filmes são voltados para o público adulto, que também pode votar pelo site na sua opção favorita, uma semana antes de cada exibição.
É comum haver distribuição de uma cota de ingressos gratuitos meia hora antes de cada sessão, por ordem de chegada. Após o término das cortesias, os ingressos podem ser adquiridos no dia, diretamente na bilheteria ou totens do cinema.
A presidente da ONG, Mirian Rodrigues explica que não se trata de uma sessão fechada para essas famílias. “Para ser exclusiva, precisaria comprar todos os lugares da sala. É uma sessão especialmente adaptada. O público regular é informado que se trata de uma sessão CineMaterna no momento da compra do ingresso”, disse.
A organização foi fundada em São Paulo pela cinéfila Irene Nagashima, mãe de dois meninos. Em um grupo de discussão sobre parto humanizado e maternidade ativa pela internet, ela falou sobre a saudade de ir ao cinema depois do nascimento do primeiro filho.
Foi quando o grupo de 10 mulheres marcou encontro em um cinema regular. Para além de assistir um filme, elas também fizeram uma mesa de conversa. Mais do que isso, estabeleceram laços.
Os encontros no cinema se tornaram semanais, seguidos de bate-papo, em meio à amamentação e trocas de fraldas.
“O CineMaterna só existe porque tem muitas mulheres disponíveis para doar apoio, amor, e acolhimento para as recém-mães. É uma rede que só cresce e se fortalece”, afirmou a presidente Mirian Rodrigues.
“Lembro do meu puerpério, enquanto eu ninava o meu filho observava as luzes dos apartamentos vizinhos e me perguntava: será que tem outras vivendo o que eu estou vivendo agora? Ao contrário do que a sociedade insiste em nos empurrar, não se trata só de romance, maternar é também muito solitário e estamos aqui para debater isso”, concluiu.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress