Veja como o diálogo empático pode ressignificar as relações

Maria está aflita, quer falar sobre o que a incomoda no relacionamento. Já pediu mais de uma vez para João ouvi-la, mas ele desconversa, evita o confronto. Teresa e Laura, ao contrário, inauguram o diálogo com facilidade, porém, em questão de minutos, o tom de voz sobe e as acusações incendeiam a sala. Já
Carlos leva a fama de ser obcecado por discutir os mínimos detalhes da relação com Arthur e está cansado de carregar esse estigma. Ora, se a comunicação é a base da parceria amorosa, por que é tão difícil conversar?

Os personagens acima são fictícios, mas as situações são corriqueiras. Pois a maioria dos casais tem dificuldade de incluir temas de maior voltagem emocional nas conversas do dia a dia. No entanto, elas são vitais para a saúde da vida a dois. Afinal, como fazer aparas na relação e cuidar para que ela amadureça se os cônjuges não conseguem dialogar, debater, expor pontos de vista estando seguros de que serão ouvidos e considerados?

Como era no passado

Antigamente, muitos casais viviam décadas juntos sem falar abertamente sobre seus sentimentos mais verdadeiros. Era o império do não dito. Lá atrás, a conveniência dos papéis sociais se sobrepunha à necessidade humana de aprofundar o laço afetivo. E assim a vida seguia sem que as questões mal resolvidas do casamento tivessem a chance de serem examinadas e sanadas.

“Hoje, ao contrário, espera-se que o diálogo entre os parceiros seja permanente e íntimo. ‘Discutir a relação’ faz parte do processo de manutenção do vínculo”, escreve a terapeuta de casais Lidia Rosenberg Aratangy, no livro “O Anel que Tu me Deste: o casamento no divã” (Artemeios).

Discussão é diferente de briga

A terapeuta de casal Marina Reis, criadora do canal Casal talks, esclarece de antemão que discussão é diferente de briga. Enquanto na primeira os dois estão focados em resolver o conflito, na segunda prevalece a disputa para provar quem está certo e quem está errado.

“Partindo desse princípio, é importante as pessoas entenderem que todo casal discute. Se isso não acontece, é porque alguém está se silenciando, pois todos nós teremos momentos em que estaremos insatisfeitos, e a relação precisa ser um espaço seguro para depositarmos nossas queixas, fragilidades e frustrações”, ela expõe.

Teoricamente, adultos não precisariam temer a conversa nem achar que ela sempre terminará em desavença. Porém, o gesto de abrir a fala para tocar em pontos sensíveis da parceria pode ser bastante desestabilizador para algumas pessoas.

“O real problema pode estar na forma de resolução desses conflitos, porque, quando iniciamos as discussões, tentamos nos proteger de dores emocionais já conhecidas e vividas na infância”, afirma a terapeuta.

Onde o elo se perde

Seja por defesa, seja por imaturidade, fugir do diálogo é como adquirir uma dívida que lá na frente explodirá em juros. O ressentimento vai crescendo, embolando as mágoas, endurecendo as críticas, esfriando os gestos de carinho e, lá pelas tantas, a distância emocional ganha uma proporção gigantesca. Incontornável, até.

“Os casais, muitas vezes, perdem a capacidade de conversar de forma espontânea, pois entram numa rotina com pouca troca. Só que as boas conversas é que geram possibilidades de construção de projetos, de conexão, de cumplicidade, de alinhamento de expectativas, favorecendo a intimidade emocional”, destaca Marina Simas de Lima, psicóloga clínica especialista em Terapia de Casal e Família e em Sexualidade Humana, além de cofundadora do Instituto do Casal.

Sabe aquele cansaço após sucessivas tentativas de conexão? É assim que as trocas vão esmorecendo, segundo a terapeuta. Falta de tempo, falta de paciência, falta de interesse, falta de fé de que as coisas podem melhorar. Muitos fatores podem fazer com que um dos cônjuges ou ambos deixem de negociar, de se expressar, desistindo de se relacionar dentro da própria relação.

Diferenças na comunicação dos sentimentos

Aliás, se colocarmos uma lupa na dinâmica de um casal, avistaremos um emaranhado de referências entranhadas no psiquismo do par. Quando passamos a dividir a vida com alguém, todas elas aparecem em meio ao convívio, como mensageiras de que todos nós carregamos tramas pregressas.

“A diferença de criação, de histórias de vida, de personalidade, tipo de relacionamento estabelecido, modelos aprendidos com os pais, pode refletir na forma como se estabelece a comunicação nas relações atuais”, lembra Marina Simas. “Essas diferenças podem levar a choques e conflitos quando as expectativas e abordagens de cada parceiro não são faladas”, complementa Simone Guimarães, psicóloga e psicogenealogista.

Como, então, equilibrar as diferenças se somos indivíduos tão singulares em nossas trajetórias? Por exemplo, a parte que tem mais abertura e disposição para o diálogo, porque traz essa referência de sua família de origem, precisa entender em primeiro lugar que isso é desconhecido para o outro e que, muitas vezes, esse é o motivo de ele estar na defensiva. “Nesse caso, uma atitude paciente abrirá o caminho e diminuirá a resistência para que a conversa aconteça”, sugere Simone.

Casal sorridente conversando na sala de estar.
Métodos de “pausas” podem diminuir o estresse das discussões (Imagem: Rawpixel.com | ShutterStock)

Para arredondar o diálogo

Há outras artimanhas formidáveis. Uma delas visa erradicar a tentação de transformar o silêncio numa arma utilizada para machucar deliberadamente o outro. “Após um desentendimento, nem sempre as duas partes estão prontas para conversar e resolver a questão, mas o silêncio de um não pode ser usado para castigar o outro. Se precisar de espaço, converse com a outra pessoa e diga que ainda não está no momento de falar sobre o ocorrido. Se for preciso, combinem um dia e horário para conversar. Isso diminui a ansiedade, e o silêncio não carrega uma punição”, propõe Marina Reis.

Igualmente válida é a técnica da palavra de segurança, que encoraja o casal a escolher um termo que sinalize um limite em meio ao turbilhão de emoções. Por exemplo, a palavra “pausa”. Segundo a terapeuta, o corpo nos dá sinais de que é preciso interromper a discussão. São eles: respiração mais ofegante, sudorese, taquicardia, além de comportamentos como falar mais alto e mais rápido.

“Quando tal cenário começa a se formar, a palavra de segurança deve ser mencionada e respeitada. A discussão é, então, interrompida (não cessada), porque a ideia é que ambos conversem de forma mais calma e, dessa forma, tenham um resultado mais saudável”, ela ensina.

Escuta atenta e livre de julgamentos, interesse genuíno pelas necessidades apresentadas pelo outro, disposição para esclarecer todos os nós e limpar o coração por completo, respeito pela individualidade e pontos de vista de cada um, humildade para ambos refletirem de quais formas estão contribuindo para os conflitos da vez. Esses são alguns cuidados para que a comunicação flua de maneira construtiva entre o casal.

A conversa é uma forma de cuidado

Muita coisa pode ser feita pelo terceiro elemento gerado por duas pessoas, que é o próprio caminhar junto. É por isso que terapeutas acreditam tanto na construção da parceria a partir da compreensão de que dialogar é cuidar, aprimorar, transformar aspectos daquela união em prol do crescimento mútuo.

“Quando os casais entendem que num relacionamento é sempre o casal contra o problema, não um contra o outro, a relação muda. Ninguém vence uma discussão. O único objetivo deve ser resolver o incômodo de uma maneira confortável para os dois”, explica Marina Reis. “Quando ambos entendem que uma relação segura pode ser um espaço de troca de vulnerabilidades, de pedido de ajuda, de conexão, o resultado aparece na comunicação”, ela acrescenta.

Ajuda profissional pode ser positiva para a relação

Claro que a ajuda de um profissional para mediar o aprendizado na arte de dialogar pode ser benéfica para a parceria. Isso significa que a terapia de casal não precisa ser acionada como último recurso antes da separação. Ela pode ser um método preventivo. Mais que isso: uma possibilidade de expandir percepções e adquirir ferramentas relacionais até então desconhecidas. Educação emocional conjunta, se preferir.

Por outro lado, acredita Simone, muitas vezes, é mais interessante cada um se trabalhar em terapia individual, a fim de curar suas próprias feridas e desfazer pactos inconscientes com sua linhagem. Tendo introjetado uma compreensão mais ampla de si, muita coisa deixará de ser alocada na “conta” do parceiro.

“Os relacionamentos são profundamente influenciados pelas dinâmicas familiares e pelos laços de lealdade inconscientes que existem dentro de uma família, que podem ter um impacto significativo nos vínculos atuais, manifesto sem padrões repetitivos de comportamento e problemas interpessoais. Ao trazermos consciência para essas dinâmicas, é possível transformar padrões disfuncionais e construir parcerias mais saudáveis”, detalha a psicóloga. Soa razoável tentar uma boa conversa, não acha?

Por Raphaela de Campos Mello – revista Vida Simples

É jornalista e tem a tendência a guardar e acumular sentimentos em vez de externá-los. Mas está trabalhando nisso.

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