Ex-PM acusada pela morte do tenente-coronel Zacarias é condenada a mais de 16 anos de prisão

Após mais de 14 horas de julgamento, o Tribunal do Júri de Araçatuba (SP) condenou a ex-soldado da Polícia Militar, Miriam Cristiane Senche de Zacarias, a 16 anos e 4 meses de prisão por participação no assassinato do ex-marido dela, o tenente-coronel PM Paulo Roberto Zacarias Cunha.

A sentença foi proferida pelo juiz Carlos Gustavo de Souza Miranda pouco antes da 1h desta terça-feira (7). Ele determinou o regime fechado para o início do cumprimento da pena e não concedeu à ré, o direito de recorrer em liberdade. Assim, logo após o julgamento, foi expedido o mandado de prisão e ela seria levado para a delegacia, para dar cumprimento à ordem judicial.

O crime aconteceu em fevereiro de 2004 e Miriam havia sido julgada pela Justiça Militar. Absolvida em primeira instância, ela foi condenada a 14 anos de prisão em segunda instância, mas esse julgamento foi anulado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que entendeu que era caso de Júri Popular.

Premeditado

E durante o julgamento, iniciado na manhã de segunda-feira, os jurados acataram o pedido do Ministério Público, representado pelo promotor de Justiça Flávio Hernandez José, que pediu a condenação da ré por homicídio duplamente qualificado, pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima.

A defesa, liderada pelo advogado Paulo Ornelas, pediu a absolvição, sob argumento de que o autor dos disparos que mataram a vítima, o empresário Fábio Bezerra, que era namorado de Miriam na época, teria agido por conta própria, por estar sendo ameaçado de morte pelo tenente-coronel. 

Julgamento

Miriam chegou ao Fórum acompanhada do advogado, pouco antes das 9h, horário previsto para o início do julgamento. A reportagem só pode ter acesso ao salão do Júri após o sorteio dos jurados e não foi autorizado o registro de imagens da sessão.

Vestindo calça preta, um blusa nude e um casaquinho também preto, a ré apresentou bastante nervosismo já no depoimento da primeira testemunha, um dos delegados da Polícia Civil que esteve no local do crime e acompanhou os trabalhos da perícia naquela noite de sábado de Carnaval de 21 de fevereiro de 2004.

O delegado descreveu como estava a cena do crime quando chegou à casa da mãe de Miriam, que foi o local onde aconteceu o assassinato, já que naquela noite, após passar por Penápolis, onde esteve com a ex-mulher em um rancho, pois pretendia convencê-la a reatar o casamento, o tenente-coronel Zacarias iria dormir na casa da ex-sogra.

A vítima conduzia uma moto de 900 cilindradas que havia pego emprestada de outro policial militar da reserva, o que não era habitual. Segundo o que foi relatado, o tenente-coronel trabalhava em São José do Rio Preto e normalmente andava de carro.

Tiros

Ele foi atingido por disparos de arma de fogo quando chegava na casa da ex-sogra e, ainda de acordo com o que foi relatado no julgamento, com base nos autos do processo, os próprios familiares de Miriam disseram que ela poderia ter algum envolvimento com o caso, se o autor fosse o namorado dela.

Inclusive, uma irmã relatou que havia recebido um telefonema de Miriam naquela noite, dizendo que estaria com um mau pressentimento. O empresário foi preso momentos depois e, segundo o delegado, confessou a autoria do crime.

Arma

Ele ainda levou os policiais até um terreno próximo da casa dele, onde havia enterrado a arma que teria usado, um revólver calibre 38, com a numeração raspada. A arma foi encontrada no local indicado por ele e, segundo a perícia, apesar de estar com a numeração raspada, foi constatado que ela pertencia ao tenente-coronel.

Segundo o que foi relatado durante o julgamento, em uma das versões, o autor dos disparos disse que a arma teria sido entregue a ele por Miriam. Em outra versão, ele alegou que teria pego a arma na casa dela, em Penápolis, durante uma das visitas que teria feito ao imóvel, mas ela sabia que ele estaria com a arma.

Em depoimento, o delegado frisou que durante o registro do flagrante, naquela noite, um policial conhecido de Bezerra, que possuía uma empresa que presta serviço de instalação de alarmes e cerca elétrica, informou que ele havia mandado dar um recado a Miriam, que estava detida no piso superior do plantão policial. “Fala pra Miriam para nós fazermos o combinado, eu seguro aqui embaixo e você segura aí em cima”, seria o recado, que não foi autorizado pelo delegado.

‘Infelizmente ele se envolveu com a pessoa errada, pessoa que era esposa de um coronel da polícia’

“Infelizmente ele se envolveu com a pessoa errada, pessoa que era esposa de um coronel da polícia”. Essa foi uma das expressões usadas pela defesa da ex-policial militar Miriam Cristiane Senche de Zacarias, para tentar convencer os jurados de que ela não teria participação no assassinato do ex-marido, o tenente-coronel PM Paulo Roberto Zacarias Cunha.

O advogado Paulo Ornelas afirmou que o empresário Fábio Bezerra, que foi condenado e já cumpriu pena por ter confessado ter atirado na vítima, agiu por conta própria, por estar sendo ameaçado de morte pelo então comandante de um batalhão da PM em São José do Rio Preto.

A defesa inclusive citou que em janeiro daquele mesmo ano, o tenente-coronel se encontrou com a vítima, que estava acompanhada de Miriam, em um restaurante na avenida Brasília, e na ocasião, teria feito ameaças de morte a ele.

No mesmo dia, Miriam e Bezerra estiveram no plantão policial e registraram um boletim de ocorrência denunciando a suposta ameaça. Depois disso, constantemente o tenente-coronel faria novas ameaças ao namorado da ex-mulher, por meio do telefone, a ponto de deixá-lo transtornado.

Essas ameaças seriam no sentido de que armaria um flagrante de droga contra o empresário, para uma suposta troca de tiros, no qual ele seria baleado e morto. “A gente sabe, policial as vezes se acha acima do bem e do mal, ele não aceita ser traído, ele é treinado para não ter medo, ele não tem medo, ele encara de frente, ainda mais um militar”, argumentou, acrescentando que o tenente-coronel era além de tudo, era atleta.

Perícia

A defesa de Miriam também questionou o trabalho investigativo por parte da Polícia Civil nesse caso, sob argumento de que teria sido levado em consideração apenas a confissão do autor dos disparos. Citou inclusive que no caso, a confissão teria sido considerada a “rainha das provas”, contrariando o que está previsto no Código Penal.

O advogado argumentou que a cena no crime não teria sido preservada e alegou até não haverá provas de que a arma apreendida com o autor dos disparos foi realmente a utilizada no crime. “O réu confessou, é ele, acabou, pra que que vai fazer perícia?” , disse a defesa, se referindo ao trabalho da polícia.

Ele questionou o fato de apenas parte de um projétil ter sido apreendida no local do crime, apesar de o corpo da vítima apresentar pelo menos duas perfurações pelas costas, cujos projéteis transfixaram o corpo, e um terceiro ferimento, de raspão, em um dos braços. O fragmento de projétil recolhido ao ser analisado, apresentou resultado inconclusivo, por ser muito pequeno, de acordo com ele.

Para o MP, Miriam agiu de forma premeditada ao deixar arma para o namorado

Durante o julgamento, promotor de Justiça Flávio Hernandez José pediu a condenação da ex-policial militar Miriam Cristiane Senche de Zacarias, por entender que ela premeditou a morte do ex-marido, ao deixar a arma usada no crime com o então namorado, o empresário Fábio Bezerra.

Sobre a suposta ameaça, que teria ocorrido no restaurante na avenida Brasília praticamente um mês antes do assassinato, o promotor questionou Miriam quando ela era ouvida, após o término de depoimento de todas testemunhas. A ré disse em depoimento que o tenente-coronel falou de forma ríspida com o então namorado dela e, apesar de não ter proferido nenhuma frase ameaçadora, ele pode ter se sentido ameaçado.

Com relação à arma que Fábio disse ter usado no crime e que foi apreendida, Miriam alegou desconhecer que ele estivesse de posse do revólver. Ela disse ainda que teria conhecido o então namorado quando ele esteve na residência na qual ela morava em Penápolis, para fazer um orçamento para instalação de cerca elétrica, a pedido do tenente-coronel Zacarias.

Na versão dela, o marido havia pedido para instalar o sistema de segurança em função dos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), contra policiais militares. Entretanto, o promotor argumentou que esses ataques aconteceram em maio de 2006, ou seja, mais de dois anos após a morte da vítima.

Arma

Ainda sobre a arma, o representante do Ministério Público leu os depoimentos de várias testemunhas que relataram que pelo menos desde novembro de 2023, o revólver com a numeração raspada estava na sede da empresa de Bezerra. Ele inclusive costumava pernoitar no local, onde Miriam teria deixado também, em algumas oportunidades, a arma utilizada por ela, pertencente à Polícia Militar, sendo outro revólver, segundo relato das testemunhas.

“Tem testemunhas que falam que Miriam incutia na cabeça de Fábio a ideia de plano de morte, de ameaças, pra que? Porque ela queria sensibilizar para ele matar a vítima, o Zacarias”, justificou o promotor.

Emboscada

Ele acrescentou que a vítima foi surpreendida quando chegava na casa da ex-sogra com a moto, baleada com o capacete ainda na cabeça, tanto que só foi identificada pelos policiais militares que atenderam a ocorrência por meio dos documentos pessoais. Isso comprova, segundo a Promotoria de Justiça, que o atirador sabia que se tratava exatamente do tenente-coronel, pois havia recebido informações privilegiadas, que teriam sido passadas por Miriam.

Ainda de acordo com o MP, análise nos telefones apontou que ela teria ligado no celular de Bezerra momentos antes do crime. Aliás, teriam sido detectadas 11 ligações telefônicas entre os dois naquela data, algumas não atendidas.

Já com relação aos números registrados no nome do tenente-coronel, não teria sido encontrado nenhum registro de ligação dele para o empresário, que justificasse as supostas ameaças que estariam sendo feitas por ele ao autor dos disparos.

Por fim, o promotor argumentou que ao ser baleado, Zacarias estava desarmado, outra prova de que ele não pretendia tramar contra a vida do então namorado da ex-mulher dele.

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