RÁDIO AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO Ícone TV
RÁDIO AO VIVO Ícone Rádio

Foi presa porque estava lendo

Hélio Consolaro
Hélio Consolaro
Hélio Consolaro, professor, jornalista e escritor, 75 anos. Oito livros publicados. Membro da Academia Araçatubense de Letras, foi vereador e secretário municipal de Cultura por oito anos. Escreve o Blog do Consa.
Foto: Arquivo | Hélio Consolaro

Há gente que gosta de ler biografias, aliás há pessoas que exageram, só gostam delas. A escritora brasileira (naif) Maria Carolina de Jesus (1914-1977) desde criança gostava de ler dicionário. Trata-se de um gosto esquisito, mas instrutivo, era o único livro que tinha. 

Ela nasceu em Sacramento, Minas Gerais. Nome bem católico. Hoje a escritora é o orgulho da cidade, mas no seu tempo de anonimato, foi a vergonha, chegou a ser expulsa.

Carolina de Jesus sentou-se na soleira da porta da sua casa em Sacramento com o dicionário no colo e foi lendo. De repente, fora abordada por soldados e presa porque estava lendo. Foi acusada de estar lendo o livro de São Cipriano. Ela dizia que não, que era um dicionário, mas os soldados não sabiam ler, ela não pode provar que dizia a verdade.

-Que livro é este, o do São Cipriano, que não pode ser lido por todos? – pergunta o leitor. 

Trata-se de ocultismo, bruxaria, que facilmente foi ligado no Brasil à cultura africana. Desde 1937, por iniciativa do constituinte Jorge Amado, há liberdade religiosa também para os negros, mas esse incidente com Carolina de Jesus aconteceu bem antes.    

Foi levada para a cadeia pública aos 12 anos. Apanhou porque estava lendo. Sua mãe foi a seu socorro, mas também ficou presa. Apanhou também. Sacramento virou um inferno. Negro lendo, negro era gente do trabalho, pessoas para serem espancadas. A princesa Isabel já assinara a libertação há alguns anos, mas foi apenas um ato burocrático. 

A menina, em torno de 12 anos, rebelou-se e foi para São Paulo, à procura da Estação da Luz sem a mãe, que não quis participar da aventura. Dizem que Carolina de Jesus saiu a pé, chegou a São Paulo caminhando. Criolo ainda não cantava “não existe amor em SP”

Veio atrás de seus direitos humanos, por ser pobre e preta também tem direito à literatura. Foi morar na Favela Canindé, capital paulista. Virou escritora, transformou-se na vedete da favela.

Num país em que uma menina negra apanhou porque estava lendo, isso há 100 anos, até que evoluímos, pois o combate ao racismo chegou aos campos de futebol.  

Carolina de Jesus era vocacionada para a literatura, queria exercer esse direito. Lutou, escreveu “Quarto de despejo – diário de uma favelada”. Enquanto foi cordata, recebeu o prestígio da grã-finagem; quando passou a falar a verdade com todas letras, voltou à marginalidade. Se fosse viva seria uma fanqueira.    

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS