A Justiça de Araçatuba (SP) decidiu que Vanessa Lemos Soares Scheel, acusada de matar o próprio marido, Dirceu Scheel, em agosto de 2025, será submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri. A decisão de pronúncia, proferida pelo juiz Henrique de Castilho Jacinto, acata o pedido do Ministério Público e conclui que há provas da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria para que o caso seja julgado pela sociedade.
Vanessa é acusada de homicídio qualificado por uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo a denúncia, na noite do dia 21 de agosto, após um dia de consumo de bebidas alcoólicas e discussões, ela teria pego a arma de fogo do marido e atirado contra sua cabeça enquanto ele estava sentado em uma cadeira, desarmado, em frente à residência do casal.
Defesa alega legítima defesa
A defesa de Vanessa, por sua vez, sustenta que a ação foi um ato de legítima defesa, o desfecho trágico de um longo histórico de violência doméstica. Em nota, os advogados afirmam que Vanessa era uma “sobrevivente” e que, no dia do crime, reagiu após ser ameaçada de morte pelo marido, que teria deixado a arma engatilhada sobre um balcão. (Leia nota na íntegra enviada pela defesa, abaixo)
Depoimentos revelam relação conturbada
Durante a fase de instrução do processo, foram ouvidas diversas testemunhas. Os relatos pintam um quadro complexo e conturbado da vida do casal.
Um policial militar que atendeu a ocorrência relatou que Vanessa confessou o crime no momento da abordagem, dizendo: “você não me agride mais”, antes de atirar. Ele descreveu que ela aparentava estar sob efeito de álcool e demonstrava arrependimento e desespero.
Vizinhos confirmaram que as brigas entre o casal eram frequentes. Uma testemunha ouviu o disparo e, em seguida, os gritos de Vanessa pedindo “socorro”. Outro vizinho, que esteve com o casal pouco antes do crime, disse que eles pareciam tranquilos, mas que logo após ouviu o tiro e os gritos da acusada dizendo: “Matei meu marido”.
Familiares da acusada descreveram o relacionamento como “extremamente tóxico” e abusivo. Um sobrinho afirmou que a tia ligou para ele logo após o disparo, chorando e dizendo que foi um acidente.
A irmã de Vanessa relatou que Dirceu incentivava os vícios da esposa, a humilhava constantemente e que já havia visto a irmã com diversas lesões, como hematomas e queimaduras.
Presa
Diante dos indícios de materialidade do crime, o juiz decidiu pela pronúncia, e Vanessa, que responde ao processo presa, aguardará o julgamento na Penitenciária de Tupi Paulista (SP). A data do Tribunal do Júri ainda será marcada.
Outro lado
A defesa de Vanessa emitiu a seguinte nota sobre a decisão:
“A defesa de Vanessa Lemos Soares Scheel vem a público esclarecer que o caso que hoje mobiliza a sociedade araçatubense não pode ser compreendido fora do contexto de violência doméstica extrema ao qual ela foi submetida durante anos, conforme amplamente demonstrado nos autos do processo.
É indispensável registrar que, em três oportunidades distintas, houve registro de ocorrência contra a vítima Dirceu Scheel, todas relacionadas a crimes previstos na Lei do Desarmamento, incluindo um episódio em que ele efetuou disparos de arma de fogo contra a residência de seu próprio irmão, fato confirmado por laudo pericial. Apesar disso, todos os procedimentos foram arquivados por falta de provas, sem qualquer medida preventiva efetiva por parte do Estado.
A omissão estatal sucessiva é um elemento central para a compreensão do desfecho trágico. Se em ao menos uma dessas três ocasiões o Estado tivesse adotado providência firme, é razoável concluir que a tragédia atualmente em análise poderia ter sido evitada. Vanessa assistiu, ao longo dos anos, ao companheiro responder a investigações sem que qualquer consequência real lhe fosse imposta, reforçando nele a sensação de impunidade e, nela, o medo paralisante.
É igualmente necessário destacar que Vanessa sempre teve receio de denunciar as agressões que sofria. Tal medo não era imaginário ou infundado: ela tinha plena ciência de que o marido já havia escapado da responsabilização penal em pelo menos três procedimentos formais, todos relacionados ao uso indevido de arma de fogo. Diante desse histórico, com que força uma mulher poderia denunciar o próprio agressor, se tudo indicava que nenhuma providência do Estado seria capaz de contê-lo?
O documento juntado pela defesa demonstra, ainda, que milhares de mulheres no Brasil deixam de denunciar seus companheiros por agressões físicas, psicológicas ou morais, por não acreditarem na efetividade da proteção estatal — realidade amplamente estudada em casos de violência de gênero e reafirmada no processo.
A defesa informa, por fim, que não recorrerá da sentença de pronúncia. Qualquer recurso apenas atrasaria a realização do Tribunal do Júri, e Vanessa, que sempre colaborou com as autoridades e jamais buscou retardar o andamento do processo, deseja que seu julgamento ocorra com brevidade. A defesa confia que a população de Araçatuba não é cega à realidade fática, reconhecendo que Vanessa escolheu viver, e não matar, tendo atuado em legítima defesa, no momento em que sua vida corria risco iminente.
César Franzói
Isabela Fioroto
Maycon Mazziero”



