As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul nos últimos dias trouxeram uma onda de dor e luto para muitas famílias. Além da perda de entes queridos, muitas pessoas enfrentam a difícil realidade de terem perdido suas casas, que representavam mais do que uma estrutura física; eram o cenário onde histórias de vida, memórias e momentos importantes foram construídos.
O luto, neste contexto, não se limita apenas à ausência de uma pessoa. Ele se estende à perda do lar, do trabalho, dos bens materiais e das raízes culturais que definem a identidade de uma comunidade. A psicóloga especialista em luto, Soraya Lopes, comenta que “não é apenas a casa que é destruída, mas sim o lar, onde a dinâmica familiar acontecia, onde todos se reuniam para refeições e convivência”.
As raízes culturais, passadas de geração a geração, também são afetadas. As tradições e momentos culturais, que faziam parte da identidade das comunidades, são interrompidos. A especialista destaca que “essas raízes culturais, com o tempo, retornam, pois estão gravadas na mente como uma tradição, mas existe um período de luto dessas raízes, onde a pessoa se nega a pensar nesses momentos alegres”.
O processo de luto segue estágios típicos que incluem negação, raiva, negociação, depressão e aceitação, embora esses estágios não ocorram de forma linear. “Quando a notícia do desastre chega, o primeiro estágio é o choque. As pessoas não acreditam que isso possa ter acontecido com elas”, explica a psicóloga. A negação pode se manifestar na esperança de que os entes desaparecidos estejam apenas perdidos, enquanto a raiva busca culpados, desde os serviços de socorro até a própria divindade.
Para as crianças, o luto é particularmente complexo. Os adultos muitas vezes usam metáforas como “viraram uma estrelinha” para suavizar a perda, mas isso pode criar medos e confusões nas crianças. Lopes aconselha que “a melhor coisa realmente é falar a verdade, não deixar a criança, mesmo que pequena, fora dos fatos que estão acontecendo, pois isso ajuda a evitar traumas maiores no futuro”.
Além das enchentes, como ficam os impactos na saúde mental e o estresse pós-traumático?
O impacto psicológico das enchentes não se limita ao luto. Muitas pessoas podem desenvolver estresse pós-traumático, uma condição que pode levar a sintomas como ansiedade, depressão e isolamento. “No estresse pós-traumático, há uma interiorização de uma situação de muito medo que se passou, levando a pessoa a se calar e se fechar”, detalha a psicóloga.
A resiliência é um desafio neste momento. A reconstrução emocional e física das vidas afetadas requer um suporte contínuo e multidisciplinar. “Não existe resiliência imediata num desastre dessa magnitude. Essas pessoas terão que colocar as mãos à obra para reconstruir suas vidas, e isso envolve um novo começo, uma nova forma de viver”, afirma.
Neste cenário de tragédia, o papel dos voluntários e das equipes de saúde mental é crucial. A psicóloga ressalta a importância de cuidar também desses cuidadores: “A psicologia tem que cuidar desses cuidadores, pois muitas vezes eles se solidarizam de tal forma que acabam se afetando mentalmente”.
A longo prazo, as sequelas podem incluir ansiedade, depressão e um sentimento de desamparo quando as operações de resgate se retiram. Portanto, é essencial que a ajuda psicológica e social continue de forma efetiva para prevenir que esses efeitos se agravem.
As enchentes no Rio Grande do Sul deixaram um rastro de luto que vai além da perda de vidas. “A reconstrução das casas, das memórias e das tradições culturais será um processo longo e doloroso, mas com o apoio adequado, é possível encontrar um caminho para a recuperação”, destaca.