SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os mercados de ações ao redor do mundo desabam nesta segunda-feira (5), em um cenário influenciado principalmente pelo temor de uma recessão nos Estados Unidos. Dados do mercado de trabalho da maior economia do mundo, que mostraram uma piora nas contratações, refletem nas decisões de investidores no primeiro pregão da semana após a divulgação dos dados.
A Bolsa de Valores do Japão despencou 12%, no pior dia em 37 anos, e o índice europeu Stoxx 600 acumulava queda de mais de 3% durante o início da manhã. Nos EUA, Wall Street afundou na abertura. O S&P 500 perdia 3,66% e o Dow Jones recuava 1,71%, enquanto o Nasdaq despencava 6,34%.
O QUE ACONTECEU NO JAPÃO?
Além do temor quanto aos EUA, também interferiu no mercado japonês o aumento das taxas de juros de 0% a 0,1% para 0,25% pelo Banco Central do Japão. A decisão foi uma resposta à elevação da inflação, que superou a meta de 2% do BC japonês. A sinalização de novos aumentos fez com que o principal índice acionário do país, o Nikkei 225, encerrasse as negociações com perdas por três dias consecutivos.
“Os investidores apostavam em um diferencial de juros que existia entre o Japão e os demais países. Essa alta, junto com a expectativa de queda de juros nos EUA, deixa o cenário menos atrativo, e você tem o desmonte de operações”, afirma Thaís Marzola Zara, economista senior da LCA Consultores.
“Você pegava emprestado em iene, com taxa de juros mais baixas, e aplicava nos EUA, por exemplo, que tinha taxas mais altas, ou até mesmo no Brasil. Agora, temos uma reversão desse movimento.”
O temor com uma desaceleração mais forte que a esperada nos EUA também impactou outros mercados asiáticos. O índice de referência Coreia do Sul, o Kospi, caiu 8,8%. Em Taiwan, o Taiex despencou 8,35%. A Bolsa de Singapura se desvalorizou 4,07%. Na China, a queda foi moderada: o CSI300, que reúne as maiores companhias listadas nas Bolsas do país, caiu 1,21%. Em Xangai, a perda foi de 1,54%.
POR QUE OS DADOS DOS EUA IMPACTAM NAS DECISÕES DOS INVESTIDORES?
Dados do mercado de trabalho mais fracos que o esperado para o mês de julho levantaram hipóteses de que o atual patamar da taxa de juros norte-americana está levando a maior economia do mundo a um processo de desaceleração acentuado.
O “payroll” (folha de pagamento, em inglês) mostrou que os EUA criaram 114 mil vagas no mês passado, mas a expectativa era de gerar 175 mil, e a taxa de desemprego acelerou para 4,3%, quando agentes financeiros esperavam manutenção em 4,1%.
Com isso, investidores passaram a apostar que o Fed cortaria os juros, atualmente na taxa de 5,25% e 5,50%, para estimular a economia e a geração de empregos.
Especialistas consultados pela Folha atribuem as quedas nos mercados globais nesta segunda mais a um nervosismo e especulações por parte de agentes de mercado do que à possibilidade real de uma recessão na maior economia do mundo.
“Não tem nada no horizonte que indique isso, é especulação. A economia dos Estados Unidos está bem, com baixo desemprego e inflação controlada”, afirma o economista e professor da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Feldmann.
Os dados liberados pelos EUA seriam compatíveis com um “pouso moderado”, situação em que a economia desacelera de forma gradual e controlada, sem entrar em recessão, de acordo com Samuel Pessôa, economista e colunista da Folha.
Pessôa também acredita que as quedas acentuadas refletem movimentos precipitados de investidores. A instabilidade causada pelas expectativas pessimistas acaba, por si só, ajudando a deteriorar o ambiente econômico, afirma.
“A expectativa está ruim, mas a economia em si não está ruim. Porém, se todo mundo acreditar que a situação está ruim, ela pode ficar”, diz.
E O QUE ACONTECE COM O BRASIL?
Um corte na taxa de juros americana poderia até fortalecer a renda fixa do Brasil, detentor de uma das maiores taxas de juros do mundo, segundo Feldmann.
O cenário, entretanto, não se reflete na renda variável, já que a mudança no cenário dos juros americanos serviria como um sinalizador para os investidores de que a maior economia do mundo estaria desacelerando. A Bolsa brasileira deve acompanhar quedas de pares internacionais, nesse sentido.
“As bolsas são afetadas pela expectativa do desempenho positivo das empresas. Para o investidor na Bolsa, o mais importante é o que vai acontecer na economia daqui alguns meses. Se a economia vai crescer, ele coloca dinheiro; se não vai crescer, ele tira”, diz o economista.
“No caso do Brasil, a B3 anda muito em função do que acontece lá fora. Se outras Bolsas caem, aqui cai também, apesar de não termos horizonte negativo para nossa economia.”
Para Marcos Lisboa, economista ex-presidente do Insper, o Brasil sofre mais com cenários de volatilidade do que os demais países. A melhora cenário deve continuar dependendo de anúncios de políticas por parte do governo.
“O que domina o preço dos ativos, taxa de câmbio e juros é a incerteza sobre o próximo ano. Na Bolsa, tem um impacto adicional da política tributária no Brasil: são os diversos anúncios de alteração nas regras do contencioso tributário. Essa incerteza sobre prever a norma tributaria tem levado a saída de recursos do Brasil”, diz.
O dólar apresenta forte alta nesta segunda, enquanto a Bolsa opera com queda firme.
ALÉM DOS EUA, O QUE MAIS INTERFERE NOS MERCADOS GLOBAIS?
Os mercados somam as expectativas com a economia norte-americana a um possível alastramento do conflito no Oriente Médio, que poderia afetar a produção e venda de petróleo e tensões comerciais entre EUA e China.
Um ataque matou Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, em Terãa, na última quarta-feira (31). Um dia depois, o governo de Israel anunciou a morte do chefe da ala militar do grupo terrorista da Faixa de Gaza. Mohammed Deif morreu, segundo o Estado judeu, em um bombardeio no mês passado.
“A rivalidade entre EUA e China tem aumentado muito, com os EUA dificultando a entrada de produtos chineses. A diminuição ainda maior no comércio entre os dois países, aliada a problemas internos da China, como o setor imobiliário, poderá esbarrar na taxa de crescimento mundial e afetar sobretudo países emergentes, como o Brasil”, afirma Feldman.
LAURA INTRIERI / Folhapress