SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Investigações de acidentes aéreos como o que deixou 62 mortos em Vinhedo, no interior de São Paulo, costumam levar anos até que sejam concluídas e até que alguma responsabilidade seja apontada. Os inquéritos podem se alongar mesmo quando as caixas-pretas são recuperadas intactas e é possível extrair 100% da informação, como ocorreu na tragédia do voo 2283 da Voepass.
O motivo é a alta complexidade desse tipo de investigação. É preciso determinar quais foram os fatores humanos, operacionais que vão do comportamento da tripulação à meteorologia e da própria aeronave que contribuíram para um acidente.
Ao menos duas investigações paralelas serão realizadas. A primeira delas é conduzida pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão ligado à Força Aérea Brasileira, e tem a finalidade de prevenir futuros acidentes. Os fatores que contribuíram para a queda do avião são investigados para, mais tarde, determinar mudanças no treinamento ou nos próprios equipamentos do avião que possam prevenir acidentes similares.
Outro inquérito, este de caráter criminal, normalmente é conduzido pela Polícia Federal. As duas investigações são feitas de forma paralela, mas o Cenipa pode e deve comunicar à PF sempre que encontrar informações de interesse criminal. Os agentes da PF têm acesso a algumas das mesmas provas colhidas pela Aeronáutica e devem determinar se houve algum tipo de negligência, imprudência ou imperícia que contribuiu para as mortes.
A legislação brasileira não é totalmente clara sobre a competência para investigação policial de acidentes aéreos. No caso do acidente em Vinhedo, tanto a PF quanto a Polícia Civil paulista abriram inquéritos. Os órgãos estaduais fazem suas próprias coletas de provas e podem dar apoio à investigação federal.
Em Vinhedo, por exemplo, boa parte da perícia técnica foi feita pelo IC (Instituto de Criminalística), com apoio do IML (Instituto Médico-Legal). “O IC fez uma varredura detalhada, utilizando imagens aéreas com drone, scanner 3D e fotografias digitais para preservar as evidências”, informou a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Qual o valor da informação que está dentro da caixa-preta? Eu digo que é um valor imensurável, porque dentro daquela caixa-preta pode estar o fator contribuinte dos próximos cem acidentes que podem acontecer no mundo.” – Chefe do Cenipa
Esse trabalho envolve fotografar local, registrando qual era a localização dos corpos e as roupas que resistiram ao fogo, à custódia de objetos pessoais como celulares e documentos encontrados no local, que serve para ajudar na identificação das vítimas.
Exames dos corpos são feito nos IML, e exames de DNA, no Núcleo de Biologia e Bioquímica do IC.
Questionada pela reportagem, a PF afirmou que vai atuar em três frentes no caso do voo 2283: na investigação policial, em andamento na delegacia da PF em Campinas; na identificação das vítimas, por meio do trabalho de papiloscopistas e peritos policiais federais; e na coleta de DNA dos familiares das vítimas.
PASSO A PASSO DA INVESTIGAÇÃO DO CENIPA
Com o recolhimento dos motores e da cauda avião ATR 72-500 a um laboratório do Cenipa e finalizada a coleta de dados, a equipe deve se concentrar no que é considerada a segunda fase de investigação, a de análise. Parte dessa etapa já começou com as duas caixas-pretas da aeronave, que gravam o áudio da cabine e as informações de voo.
“Qual o valor da informação que está dentro da caixa-preta? Eu digo que é um valor imensurável, porque dentro daquela caixa-preta pode estar o fator contribuinte dos próximos cem acidentes que podem acontecer no mundo”, disse o brigadeiro do ar Marcelo Moreno, chefe do Cenipa, em entrevista a um programa de rádio da FAB.
A previsão é de que um relatório preliminar sobre o acidente de Vinhedo seja concluído em cerca de 30 dias, conforme informou a FAB no último sábado (10). A investigação do Cenipa, porém, deve prosseguir depois disso. Ela só é concluída com a divulgação de um relatório final. Não há prazo formal para a entrega desse documento.
O relatório preliminar deve ser baseado principalmente nas informações das duas caixas-pretas. A investigação da FAB, no entanto, deve se debruçar sobre uma série de outras evidências, colhidas dentro e fora da aeronave.
Investigadores têm acesso tanto ao local do acidente quanto às instalações do aeroporto onde a aeronave decolou. Ali, segundo Moreno, recolhem o combustível do último abastecimento da aeronave e o plano de voo, visitam o hangar da empresa que responsável pela manutenção da aeronave e podem até apreender ferramentas usadas nos consertos da aeronave.
A investigação também entra em contato com os órgãos que fazem o controle aéreo e monitoram a meteorologia, entre outros, para reconstituir as condições de voo no momento da queda.
Médicos analisam as condições fisiológicas da tripulação, psicólogos dão parecer sobre as gravações dentro da cabine e relatos de familiares dos tripulantes, e engenheiros aeronáuticos avaliam as peças do avião recolhidas pelo Cenipa.
“Temos doutores em engenharia da Força Aérea formados pelo ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] que realizam os pareceres da abertura dos motores, para dizer se os motores estavam desenvolvendo potência, se estavam no momento do impacto, quais foram as deformidades, se apresentava algum problema”, explicou Moreno durante o programa.
É comum que a conclusão do inquérito de cada acidente só seja publicada um ou dois anos após o acidente. No caso do acidente do AirBus A320 operado pela TAM (atual Latam) que deixou 199 mortos em julho de 2007, por exemplo, o relatório final só foi finalizado mais de dois anos depois. Para o acidente que vitimou o ex-governador Eduardo Campos, então candidato à presidência da República, foi necessário cerca de um ano e meio.
Essa não é uma particularidade brasileira. O relatório final sobre voo Air France 447 feito pela autoridade francesa para investigações aéreas, o Bureau dEnquêtes et dAnalyses, levou cerca de três anos para ser concluído. Nest e caso, houve mais de dois anos de buscas pelas caixas-pretas, encontradas no mar. Com 228 vítimas, o acidente de 2009 é considerado a maior tragédia aérea na história brasileira.
Os processos para responsabilização criminal também podem se arrastar por anos. No caso do acidente com o A320 da TAM, por exemplo, uma denúncia só foi oferecida pelo Ministério Público Federal quatro anos depois.
TULIO KRUSE / Folhapress