SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, foi morto em um ataque aéreo em Teerã na madrugada desta quarta (31), levando a crise iniciada com o mega-atentado terrorista do grupo palestino contra Israel em outubro de 2023 a um passo de uma guerra ampliada no Oriente Médio.
O líder supremo iraniano, Ali Khamenei, acusou o Estado judeu pelo ataque. Israel “fez por merecer a dura punição” que receberá, “uma obrigação do Irã”, disse ele na mídia estatal do país. O assassinato foi condenado por aliados de Teerã, como a Rússia, e interlocutores próximos do Hamas na região, como a Turquia.
Mesmo adversários do Hamas na região, como o Egito, criticaram Israel, que até a tarde desta quarta não havia assumido a autoria do ataque.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse apenas que seu país não sabia do plano para matar Haniyeh, nem esteve envolvido em sua execução. O regime em Teerã, por sua vez, disse que os americanos também são responsáveis pela morte por apoiar Tel Aviv.
O assassinato ocorreu em um momento extremamente delicado, colocando a tensão na região em um ponto de inflexão. Na terça (30), Israel anunciou ter matado o comandante operacional do Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute.
A milícia fundamentalista xiita libanesa é o principal preposto do Irã na região, combatendo o Estado judeu e os interesses dos Estados Unidos desde sua fundação, em 1982. O Hezbollah ainda não confirmou a morte do líder, mas disse que ele estava no prédio destruído na capital. Segundo a agência Reuters, seu corpo já foi encontrado.
O mundo foi dormir preocupado com o risco de escalada que a ação traria, só para acordar em meio a um cenário ainda mais grave. Até aqui, o ponto mais alto havia sido o ataque com mísseis e drones do Irã contra Israel em abril, em retaliação pela morte de um general de Teerã no Líbano, mas a resposta comedida de Tel Aviv baixou a fervura.
O regime de Khamenei passa por um momento de contestação e sofre com dificuldades econômicas, o que ajudou a moderar o apetite por um conflito aberto, que poderia envolver os EUA. “É óbvio que os organizadores desse assassinato político sabem das consequências perigosas dessa ação”, disse a chancelaria russa, que pediu calma para tirar “o Oriente Médio da beira da guerra”.
A essa altura, é basicamente indiferente se Israel assumirá ou não a ação. Seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, disse a repórteres apenas que o país não quer uma escalada regional, mas está pronto para ela se for preciso.
O assassinato, “um ataque traiçoeiro sionista”, é um “ato covarde que não ficará impune”, disse um líder do Hamas, Moussa Abu Marzouk. Israel tem uma longa história de ações infiltradas no seu maior rival existencial, como no caso do assassinato de cientistas nucleares iranianos nos anos 2010.
Haniyeh, 61, foi morto com um guarda-costas em uma casa para veteranos de guerra no norte da capital iraniana. O país ainda não divulgou detalhes da ação, mas disse que um foguete atingiu o quarto em que o palestino estava.
A circunstância particular do assassinato adiciona insulto à injúria, aos olhos do Irã. Haniyeh havia participado da posse do novo presidente do país persa, Masoud Pezeshkian, que foi eleito no começo do mês para substituir o radical Ebrahim Raisi, morto em um acidente de helicóptero.
Pezeshkian é um moderado, no papel, mas inicia seu mandato sob a pressão da morte do aliado em sua casa. Até aqui, disse que irá “defender a integridade territorial e dignidade” do Irã. Haniyeh era tratado como um chefe de Estado, e estava na primeira fila no evento da posse quase ao lado do representante do Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
O palestino era líder do Hamas, cujo nome é o acrônimo árabe para Movimento de Resistência Islâmica, desde 2004, quando assumiu o controle do grupo após a morte de seu chefe espiritual, o xeque Ahmed Iassin assassinado por Israel.
Desde 2017, numa divisão interna de poderes, ele era o presidente político do grupo. Morava em Doha, no Qatar, e transitava com desenvoltura pela região. Era visto com frequência em Ancara e Moscou, e cultivou a fama de negociador pragmático, apesar de dono de retórica incendiária.
A família de Haniyeh já havia sido alvejada na guerra atual. Ele perdeu três filhos e quatro netos em ataques com drones israelenses no norte de Faixa de Gaza, e teve sua casa destruída.
Desde o início do conflito em Gaza, onde Haniyeh nasceu em um campo de refugiados, as ações do Hamas contra Israel em solo são comandadas por Yahya Sinwar. Segundo relatos das mídias árabe e israelense, os líderes divergiam acerca de táticas e do processo de negociação com Tel Aviv o Hamas ainda tem mais de cem reféns do ataque de 7 de outubro em mãos.
Agora, esse processo deve desandar de vez, como já advertiu o Qatar, um dos principais mediadores em ação, aos EUA. Pior, tudo pode ser solapado pelo risco de uma guerra regional que já era desenhado com o atrito entre Israel e o Hezbollah.
Entram também na equação os houthis do Iêmen, grupo rebelde pró-Irã que comanda a capital do país e promove uma campanha de ataques no mar Vermelho em apoio aos palestinos. A agência de notícias da agremiação disse que Israel deve esperar uma forte retaliação.
Todos são parte do que Teerã chama de Eixo da Resistência, que inclui também a Síria e uma miríade de grupos radicais na região, em países como o Iraque. No grande jogo da Guerra Fria 2.0, são apoiados ostensivamente pela Rússia e, em grau mais discreto, pela China.
O presidente palestino, Mahmoud Abbas, condenou o assassinato, que qualificou como um “ato covarde”, e instou os palestinos a se manterem unidos contra Israel. Há uma semana, sua facção política, o Fatah, assinou um acordo de reconciliação com o Hamas em Pequim.
Em 2006, a eleição de Haniyeh como primeiro-ministro palestino jogou os grupos em lados opostos, numa crise que acabou no ano seguinte com o Hamas assumindo o controle de Gaza deixando a Cisjordânia para o Fatah, que comanda a Autoridade Nacional Palestina, ente reconhecido internacionalmente como o governo legítimo da região.
IGOR GIELOW / Folhapress