SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A nova lei que amplia a pena do feminicídio não traz novidades do ponto de vista prático do inquérito, mas acelera a tramitação do processo na Justiça. Ainda que o texto do Congresso Nacional sancionado pelo presidente Lula (PT) carregue uma mensagem simbólica, é considerado um passo ou, para os mais críticos, uma medida incompleta para enfrentar o problema.
A lei cria um tipo penal específico para o feminicídio, que antes era uma circunstância do homicídio, com destaque para o aumento de pena, que antes chegava a 30 anos e agora pode atingir os 40, teto ampliado pelo pacote anticrime do governo Jair Bolsonaro (PL).
Mas não há consenso sobre o efeito que o endurecimento da pena pode ter na ocorrência dos crimes, segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.
No cotidiano de investigações policiais, muitos desses crimes já eram indicados nos inquéritos, por exemplo, como feminicídio. Mas agora, esse e outros crimes contra a mulher, como lesão corporal leve e grave e violência doméstica, são considerados prioritários, segundo o advogado Gustavo Scandelari, doutor em direito, especialista em direito penal e criminologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e sócio da Dotti Advogados.
“No processo, as fases continuam iguais, o que muda é a celeridade que se pode exigir das autoridades nesse tipo de situação.”
Assim, esses processos têm a mesma categoria daqueles que têm réu preso ou que tratam de crimes contra crianças e idosos (a partir dos 60 anos), e ficam abaixo dos praticados contra pessoas com mais de 80 anos de idade.
Embora a pena estabeleça os 40 anos como tempo máximo de prisão, o sistema penal brasileiro é progressivo, e o que pode acontecer é mais dificuldade para a progressão do regime fechado para outros.
Mas com mais ou menos tempo, o endurecimento da pena não levará à diminuição dos crimes, segundo Priscila Pamela, vice-presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).
“Os crimes aumentam e, ano após ano, aumentamos as penas e criamos novos crimes. É estatístico, essa política que tem sido adotada não resolve.”
Ela defende a adoção de medidas de prevenção, que vão da educação sobre violências de gênero a políticas de acolhimento, como o atendimento de guardas municipais e o tratamento psicológico para aquelas que enfrentam violência. Ainda, aponta que é preciso fiscalizar os serviços de proteção, como o monitoramento de agressores por tornozeleira eletrônica. “Não dá para esperar que morra para dizer que a medida protetiva em vigor não resolveu.”
Para Scandelari, o endurecimento da lei é uma sinalização positiva, embora o aumento da pena não seja garantia de redução das mortes. Ele diz que a percepção e a conscientização do feminicídio aumentaram após a aprovação da Lei Maria da Penha, de 2006, e colocou o tema na discussão de políticas públicas.
“Aumentar o interesse da sociedade e da mídia nesse tema é positivo, porque, na pior das hipóteses, o assunto vai ser mais discutido.” O novo texto seria, assim, um passo no enfrentamento de um problema complexo. O especialista também defende o investimento em educação, fiscalização dos serviços de acolhimento e acompanhamento dos agressores.
Por outro lado, a separação do feminicídio em uma nova lei pode atrasar a discussão e o enfrentamento desse crime, diz o presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB-SP, José Carlos Abissamra Filho.
“Já havia um dispositivo de 2015 que estabelecia a qualificadora do feminicídio. O agravamento da pena não impediu que a criminalidade aumentasse”, afirma o advogado.
“O que tenho ouvido de coletivos de mulheres é que, ao promover essa alteração, o Congresso Nacional cria um crime novo, uma discussão nova, e possivelmente uma restrição da aplicação de feminicídio.”
Para ele, o aumento do tempo na prisão pode ser uma cortina de fumaça. “Quando simplesmente se aumenta a pena, de certa forma diz ‘fiz minha parte’. Mas de fato se deu instrumentos para que o Estado ampare as mulheres? É a dúvida que fica.”
LUCAS LACERDA / Folhapress