A proximidade de Guarujá, na Baixada Santista, com o porto de Santos atraiu a atenção da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) há cerca de 20 anos. O motivo foi a possibilidade para escoar grandes quantidades de drogas para a Europa e outros continentes. Ao longo dos anos, a região viu diversos episódios de ataques a policiais e confrontos.
A morte de um agente da Rota (braço de elite da PM paulista) na última quinta-feira (27) e a megaoperação policial em resposta, que deixou ao menos 16 mortos confirmados até esta quarta-feira (2), são mais um capítulo do problema.
A região da cidade entrou no radar da facção por volta de 2003, quando as lideranças da época decidiram ampliar a escala do negócio da droga para o atacado.
“Se tornou um ponto estratégico para negócios internacionais do PCC”, afirma o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Bruno Paes Manso. “A partir dos contatos com o porto, desde que o PCC começou a entrar mais forte no atacado, Santos ganhou relevância maior.”
Guarujá, com 287,6 mil habitantes, orbita o porto de Santos, maior terminal da América Latina, que tem papel fundamental na exportação de mercadorias legais e ilegais. De 2016 até o momento, a Receita Federal de Santos apreendeu cerca de 131 toneladas de cocaína. Em apenas uma apreensão, feita em dezembro de 2020, foram encontradas 2,9 toneladas da droga ocultas em bobinas de alumínio.
Foi na região que ganharam proeminência lideranças da facção paulista como André do Rap, que está foragido há mais de dois anos. Ele é considerado o sucessor de Gegê do Mangue, morto em conflito interno do PCC em 2018.
“Quando o grupo de Marcola [principal líder da facção] assume, em 2004, as bocas da Baixada Santista, o PCC vai, entre 2007 e 2008, avançar pela América do Sul e acessar mercados produtores de droga, principalmente Bolívia e Paraguai, e, com o passar do tempo, Colômbia e Peru”, diz Paes Manso.
Esse problema não é exclusivo da Baixada Santista, e se repete em outras regiões no entorno e portos que têm tavas elevadas de mortes violentas como ocorre no Sul do Brasil.
Segundo dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, disputas de facções pelo controle de portos como Paranaguá, no Paraná, e Itajaí, em Santa Catarina, resultam em grande parte no aumento da violência nas cidades do entorno.
Cidades como Guarujá e Santos têm índices de crimes violentos, como homicídios dolosos, abaixo da média do estado, de 6,44 mortes a cada 100 mil habitantes. Na primeira, houve aumento no ano passado, com 3,24 homicídios a cada 100 mil habitantes, superando 2018 (3,13). Santos também viu a taxa crescer em 2022, chegando a 3,22, mas ainda abaixo do período pré-pandemia.
A região, atendida pelo Deinter (Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior) 6, tem nove dos 68 policiais militares feridos no primeiro semestre do ano, atrás apenas da capital, com 27 casos. O Deinter 6 engloba, além de Guarujá e Santos, Bertioga, Cubatão, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, São Vicente e mais 15 cidades do interior.
Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que, entre 2001 e outubro de 2018, 88 agentes foram mortos na região. Um dos aspectos apontados para a conflagração é a formação geográfica, com muitos morros, o que dificulta a apuração de crimes.
“Guarujá é uma cidade que escala um pouco mais os problemas, porque tem o que Santos não tem, que são as favelas. De certa forma, os problemas sociais das favelas acabam fomentando ações de criminosos”, afirma o coronel reformado da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho.
Ainda segundo ele, há um afastamento entre o negócio internacional da droga e o uso de violência. “O porto tem um interesse criminoso, mas de crime de habilidade, de altos negócios que não podem ser sujados com ações de banditismo comum. É um tipo de contrabando que raramente envolve violência.”
A região tem sido alvo de operações da pasta de segurança de Tarcísio de Freitas (Republicanos), comandada por Guilherme Derrite, por meio de uma articulação com Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.
“Sabemos que um dos pontos de escoamento do tráfico internacional de drogas é o porto de Santos. Temos que evitar ao máximo que a droga chegue até o porto”, afirmou o secretário em 24 de julho, em coletiva sobre a segunda operação do grupo, que apreendeu 11 toneladas de drogas quase oito em São Paulo, em Santos e Presidente Prudente.
Segundo Silva Filho, a atividade que envolve violência na Baixada Santista é mais ligada a roubos de carga. “Muitas vezes, há grupos independentes, não vinculados a facção criminosa.” Por outro lado, o grande tráfico envolve inteligência, Receita Federal e Polícia Federal.
“O problema de violência pessoal no estado de São Paulo tem alguns focos, como Cruzeiro, e cidades como Caraguatatuba e Ubatuba, com problemas preocupantes, mas pontuais. A Baixada, de maneira geral, nos indicadores, não é um problema.”
A Secretaria da Segurança Pública não informa a taxa de homicídios em Cruzeiro sob a justificativa de alta flutuação de dados e pequeno número de eventos. Em Caraguatatuba, foram 7,30 mortes a cada 100 mil habitantes em 2022. Já em Ubatuba, o índice quase dobrou entre 2021 e o ano passado, saindo de 7,87 para 13,63.
LUCAS LACERDA