O empresário dono da empresa em Campinas/SP, negou ter qualquer ligação com o esquema que desviou R$ 2 milhões do sistema de pagamentos do Governo Federal, o Siafi.
Em contato com a Folha de SP, o empresário dono da ‘Adonai Comércio’ afirmou ter sido vítima de criminosos. “Não sei como, conseguiram dados cadastrais da minha empresa e devem ter aberto contas em bancos com esses dados”, explicou.
Ele contou, ainda, não ter recebido qualquer valor na conta verdadeira da empresa, que possui registro de atuação na área de comércio de móveis e que, atualmente, vende luminárias solares.
“Fui surpreendido na manhã desta quarta-feira com notícias que envolvem meu nome e os dados da minha empresa com o suposto recebimento de R$ 2 milhões desviados de um sistema do governo federal. Não tenho nada a ver com este escândalo“, disse o empresário à CBN Campinas.
Entenda
Os invasores do sistema de pagamentos da administração federal, o Siafi, desviaram para uma suposta conta de um estabelecimento comercial em Campinas (SP) cerca de R$ 2 milhões originalmente reservados a um contrato do governo para manutenção de software.
Os valores estavam empenhados para o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), mas criminosos usaram as senhas de dois servidores do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) para direcionar o pagamento para a empresa.
Registrada com nome fantasia “Adonai Comércio”, a empresa tem como atividade principal cadastrada na Receita Federal o “comércio varejista de móveis”. Há outras 15 funções secundárias, como venda de artigos de viagem, cosméticos, brinquedos e eletrodomésticos.
A operação foi feita por meio de uma chave aleatória do Pix às 21h42 do dia 28 de março, uma quinta-feira véspera de feriado (Sexta-Feira Santa). A irregularidade só foi percebida pelo MGI na segunda-feira, 1º de abril.
A empresa está registrada em área residencial de Campinas. O dinheiro teria sido encaminhado para uma empresa registrada com o nome fantasia de “Adonai Comércio”, com endereço no Jardim Eulina, em Campinas. O pagamento cita uma série de empenhos feitos ao Serpro entre 2023 e 2024 por serviços de manutenção evolutiva, adaptativa e corretiva de software. O empenho é a primeira fase do gasto, quando o governo se compromete com determinado pagamento. O pagamento efetivo, porém, ocorre em momento posterior.
O governo conseguiu reaver os R$ 2 milhões após acionar autoridades policiais e a instituição de pagamento
Os invasores ainda usaram as senhas do MGI em outras operações. Eles tentaram movimentar ao menos R$ 9 milhões da pasta e, segundo as apurações preliminares, conseguiram desviar pelo menos R$ 3,5 milhões (já incluindo os R$ 2 milhões recuperados). O Tesouro Nacional, órgão gestor do sistema, implementou medidas adicionais de segurança para autenticar os usuários habilitados a operar o sistema e autorizar pagamentos.
A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar o caso e atua com apoio da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). De acordo com o documento, a pasta chefiada por Esther Dweck pediu em 2 de abril o bloqueio de valores da conta que recebeu a cifra desviada. No email ao banco que administra a conta, o ministério afirma que havia identificado o pagamento irregular no dia anterior.
“Nesse sentido, informamos que os ‘supostos ataques’ ocorreram em notas fiscais devidamente atestadas e apropriadas para contrato firmado com o Serpro”, diz a mensagem obtida pela Folha de S.Paulo.
Em 5 de abril, o banco encaminhou ao ministério o comprovante da devolução do recurso. A pasta comandada por Dweck também diz, no email, que a empresa colocada como destino dos cerca de R$ 2 milhões “não tem qualquer vínculo contratual com este ministério”.
“Foram alterados as abas de pagamentos e os respectivos pré-docs, possibilitando que os valores deixassem de ser depositados na conta do legítimo credor (Serpro)”, afirma o texto. O momento da ação dos criminosos retardou a constatação do desvio pelo governo.
Segundo interlocutores que auxiliam nas investigações, gestores habilitados para fazer movimentações financeiras dentro do Siafi tiveram seus acessos por meio do gov.br utilizados por terceiros sem autorização. As apurações indicam que os invasores conseguiram acessar o Siafi utilizando o CPF e a senha do gov.br de gestores e ordenadores de despesas para operar a plataforma de pagamentos.
O Tesouro realizou uma reunião com diferentes agentes financeiros do governo no dia 12 de abril para comunicar a existência de um ataque ao Siafi e ao gov.br.
Segundo relatos, o órgão gestor do sistema teria informado que no fim de março, nas proximidades da Páscoa, os criminosos conseguiram se apropriar de um perfil com acesso privilegiado dentro do sistema e usaram isso para acessar ordens bancárias e alterar os ordenadores da despesa e os beneficiários dos valores.
A suspeita é que os invasores coletaram os dados sem autorização via sistema de pesca de senhas (com uso de links maliciosos, por exemplo). Uma das hipóteses é que essa coleta se estendeu por meses até os suspeitos reunirem um volume considerável de senhas para levar a cabo o ataque.
O que é o Siafi?
O Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) é um sistema operacional desenvolvido pelo Tesouro Nacional em conjunto com o Serpro. Ele foi implementado em janeiro de 1987 e, desde então, é o principal instrumento utilizado para registro, acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil do governo federal.
É por meio dele que o governo realiza o empenho de despesas (a primeira fase do gasto, quando é feita a reserva para pagamento), bem como os pagamentos das dotações orçamentárias via emissão de ordens bancárias.
Quem usa o Siafi?
Gestores de órgãos administração pública direta, das autarquias, fundações e empresas públicas federais e das sociedades de economia mista que estiverem contempladas no Orçamento Fiscal ou no Orçamento da Seguridade Social da União.
O que está sob investigação?
Invasores utilizaram credenciais válidas de servidores e acessaram o Siafi utilizando o CPF e a senha desses gestores e ordenadores de despesas para operar a plataforma de pagamentos. A PF investiga o caso com apoio da Abin. O governo ainda apura a extensão dos impactos.