Um lote de 200 aparelhos de TV Box piratas – capazes de captar de forma irregular o sinal de canais pagos de televisão – apreendidos pela Receita Federal em Campinas foram entregues nesta segunda-feira (19) à Unicamp como parte de um acordo de cooperação iniciado em 2019. Os aparelhos serão agora adaptados e convertidos para outros usos por especialistas da Universidade.
Para o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, essa nova fase do acordo entre a Universidade e a Receita abre um leque de possibilidades e poderá auxiliar estudantes carentes, permitir pesquisas em diversas áreas e impulsionar programas de extensão e inclusão.
De acordo com o professor Ricardo Dahab, do Instituto de Computação (IC), o trabalho dos especialistas consistirá em instalar nos aparelhos um novo tipo de software – nesse caso, o Linux – ou promover modificações no sistema operacional dos aparelhos, que, de uma forma ou de outra, passam a funcionar como computadores de baixo custo.
Segundo Dahab, os aparelhos de TV Box doados pela Receita devem ganhar novas configurações. “Eles possuem entrada para USB, cartão, HDMI e rede. Com um teclado, monitor e um mouse, podem se transformar em um computador de mesa”, diz o professor. Podem ainda, ser adaptados a telas de TV de tela plana que, por conta disso, ganham o status de TVs inteligentes, já que os aparelhos vêm equipados com o sistema Android, garantindo acesso a redes sociais, como Facebook e YouTube, e a aplicativos diversos.
A Receita sugere que os aparelhos adaptados sejam entregues a estudantes em situação de vulnerabilidade, entre os quais indígenas que vivem na região amazônica e que participam dos processos seletivos feitos pela Unicamp. Mas Dahab lembra que o potencial do projeto vai muito além disso. Ele diz que os equipamentos poderiam ser usados como sensores atmosféricos – para medir a qualidade do ar, por exemplo. Ou para o monitoramento e a detecção de presença.
Outra possibilidade seria o acesso à nuvem para que possam operar como aparelhos de alta performance. O professor diz que vários aparelhos desses ligados entre si podem ser transformados em pequenos supercomputadores e, dessa forma, ter uma aplicabilidade muito mais ampla.
Dahab afirma que pretende submeter o uso dos aparelhos ao escrutínio dos estudantes. “Uma ideia é fazer uma espécie de hackathon. Colocar os aparelhos nas mãos dos grupos de alunos e eles vão disputar entre si para ver quem consegue chegar a uma aplicação mais adequada ou inovadora”, diz o professor.
De acordo com a Receita, há pelo menos 15 mil desses aparelhos apreendidos e que estão disponíveis para serem encaminhados à Universidade a fim de sofrerem adulterações.
Segundo Fabiano Coelho, superintendente adjunto da Receita Federal, o volume desse tipo de material a ser fornecido para a Universidade poderia ser muito maior. “Neste momento, quero que sejam pelo menos 200 mil [aparelhos]”, disse ele.
Doações desde 2019
O convênio que permite à Receita doar o material apreendido à Unicamp foi assinado em 2019 e, desde então, várias ações conjuntas já foram desenvolvidas.
Em maio daquele ano, por exemplo, o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp recebeu material doado pela Receita. Foram 70 itens apreendidos pela alfândega no aeroporto de Viracopos e em armazéns alfandegados da região. Em fevereiro de 2021, houve uma nova remessa de material apreendido para a Universidade. Nesse caso, foram doados um veículo, um drone e insumos hospitalares.
Neste ano, as instituições abriram negociações para a ampliação do acordo. Em março, o delegado da Receita em Viracopos, Camilo Pinheiro Cremonez, solicitou apoio da Universidade no processo de desenvolvimento de tecnologias e protocolos para a identificação técnica de materiais.
Uma das áreas de cooperação seria a de análise e identificação de pedras preciosas, semipreciosas e rochas. Os profissionais da Unicamp também poderão contribuir com processos para a análise e a identificação de produtos químicos e de produtos de origem animal e vegetal, além da realização de análises de DNA.
A transformação de equipamentos eletrônicos, como a que deverá ocorrer agora, também está no escopo desse acordo.
Nova política da Receita
Coelho disse que o convênio com a Unicamp faz parte de uma nova política da instituição. Segundo ele, ao invés de destruir os equipamentos apreendidos, como era comum até bem pouco tempo atrás, a ideia agora é fazer com que o produto confiscado por conta de uma irregularidade ou ilegalidade retorne para a sociedade em forma de benefício. “A gente [da Receita] precisa ser visto de outra maneira”, avalia ele. “O que nós temos hoje é um olhar diferente da Receita para esse problema”, explica.
O superintendente diz que um problema semelhante se dá com a apreensão de roupas, calçados e outros itens do setor de vestimentas. “Numa única operação, conseguimos apreender 2 mil toneladas de material. Até agora só conseguimos destinar 300 toneladas”, diz ele. Coelho diz que convênios semelhantes serão firmados com a Universidade de São Paulo (USP) e com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
“Esse é mais um passo nesse convênio fantástico que a gente conseguiu firmar entre a Receita e a Unicamp”, disse o delegado Cremonez. “A gente já teve várias iniciativas, todas de grande sucesso e de uma repercussão muito positiva na sociedade. Essas 200 unidades [de TV Box] são só um pontapé inicial”, acrescenta. “Esse projeto consegue potencializar ainda mais as nossas ações. A Receita consegue, por um lado, tirar de circulação mercadorias com potencial danoso e, por outro, permite que a gente consiga dar uma destinação essencialmente positiva”, conclui o delegado.
O reitor da Unicamp disse que esse convênio com a Receita é muito promissor e que há a possibilidade de ser usado em outras áreas, além das de tecnologia. Meirelles avalia que o convênio pode ser usado até mesmo para o fortalecimento dos mecanismos de extensão da Universidade. “As possibilidades são enormes. Espero que essas ações de colaboração sejam aprofundadas. Queremos ampliar e estender essas parcerias. Nosso objetivo é buscar soluções que tragam benefício direto às pessoas”, afirmou o reitor.