A Polícia Federal cita conversas privadas de auxiliares de Jair Bolsonaro (PL) com falas contrárias à vacina da Covid, além de discursos do próprio ex-presidente da República, para reforçar a tese de um esquema de fraude em comprovantes de imunização.
Em representação entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a PF afirma que a postura antivacina é elemento para ligar a apuração sobre a inserção de dados no sistema do Ministério da Saúde ao inquérito das chamadas milícias digitais.
Já a PGR (Procuradoria-Geral da República) cita a posição de Bolsonaro como elemento para reduzir as suspeitas de participação do ex-mandatário no caso.
A investigação policial cita mensagem enviada em maio de 2021 pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a uma familiar, afirmando não tomar a vacina. “Eu não vou tomar….. nem as crianças….. As vacinas ainda estão em fase de teste…… To fora…..”, afirmou o militar na conversa.
No documento em que pede autorização judicial para realizar ações de busca e apreensão, a PF afirma que o suposto esquema de fraude em certificados de vacinação tinha como objetivo permitir que pessoas próximas a Bolsonaro pudessem burlar restrições sanitárias.
Além disso, os alvos da operação buscavam “manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19”, segundo a PF.
“Desta forma, a recusa em suportar o ônus do posicionamento contrário a vacinação, associada à necessidade de manter hígida perante seus seguidores, a ideologia professada (não tomar vacina contra a Covid-19), motivaram a série de condutas criminosas perpetradas”, afirma a representação.
Os agentes da polícia ainda citam declarações de Bolsonaro, como as que negava a imunização de sua filha mais nova, Laura, como elemento para reforçar suspeitas de fraude nos dados de saúde.
“Conforme é de conhecimento notório”, Bolsonaro “se posicionou contrário à vacinação de crianças e adolescentes”, afirma a PF. “Publicações jornalísticas expuseram afirmações do ex-presidente da República afirmando de forma categórica que não vacinaria sua filha de 11 anos de idade”, diz ainda a representação.
Para embasar o pedido a Moraes, a PF também mostra publicações nas redes sociais com discurso negacionista de Max Guilherme, um dos assessores mais próximos do ex-presidente.
Em publicação de outubro de 2021, o assessor de Bolsonaro se referiu a Eduardo Suplicy (PT), hoje deputado estadual e então vereador em São Paulo, como “Otário-Mor da Oxiuruslândia”, ao mencionar, à época, a infecção do petista pela Covid.
“Contrai Covid após terceira dose e sempre usa 3 máscaras. Esse sempre defendeu o passaporte Vacinal como controle social. VAI VENDO”, escreveu Max, na publicação destacada pelos agentes.
Para a PGR, porém, seria contraditório o consentimento do ex-presidente à inserção dos dados de vacinação, pois essa medida poderia atrapalhar Bolsonaro em ano eleitoral.
Em manifestação contrária à realização de busca e apreensão na casa do ex-mandatário e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirma ser de amplo conhecimento a posição do ex-presidente contrária à vacinação.
“Parte da ordinária concepção de mundo com que, concordando-se ou não, conquistou seu eleitorado”, afirma Lindôra.
Na mesma peça, a vice-procuradora-geral diz que “acarretar-lhe-ia prejuízo político irreparável [a descoberta de uma suposta fraude no cartão de vacinação], justamente no ano em que concorreria a um novo mandato como presidente da República”.
Para a PGR, Mauro Cid “teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa” à revelia do ex-presidente.
Com o aval de Moraes, que divergiu da recomendação da PGR, a PF realizou a busca e apreensão na quarta-feira (3) na casa de Bolsonaro, além da prisão contra alguns de seus mais próximos assessores, como Cid, Max Guilherme e Sérgio Cordeiro, parte do grupo de oito auxiliares que o ex-presidente tem direito após a saída do cargo.
Ao aceitar o pedido da PF, o magistrado disse que, “diante do exposto e do notório” posicionamento contra a vacinação de Bolsonaro, “é plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização”.
“Especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas Eleições Gerais de 2022”, afirma ainda Moraes, em sua decisão.
Segundo a PF, as informações coletadas mostram como Bolsonaro se uniu ao secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Brecha, e aos assessores Mauro Cid e Marcelo Câmara para inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema.
Bolsonaro disse, na manhã de quarta-feira (3), não ter tomado a vacina contra a Covid-19, assim como sua filha, e declarou não possuir relação com nenhuma adulteração nos dados de saúde.
“Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer”, disse o ex-chefe do Executivo.
MATEUS VARGAS / Folhapress