Pessoas com pressão alta que tiveram Covid podem ter lesões no músculo cardíaco causadas pelo vírus, de acordo com um novo estudo conduzido por pesquisadores do Idor (Instituto de Ensino e Pesquisa) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O dano no coração só foi possível de identificar pela presença de alguns marcadores sanguíneos, como a elevada presença de uma proteína conhecida como troponina, que é liberada das células cardíacas somente quando estas “se rompem”.
Isto porque muitos dos pacientes com sequelas cardíacas (cerca de 25%) não apresentavam sintomas típicos de inflamação no músculo cardíaco, como dores no peito e palpitações.
A pesquisa, assim, pode ajudar no atendimento de pacientes hipertensos com Covid que necessitam de internação para detectar precocemente possíveis danos cardíacos.
Os resultados do estudo foram publicados no início de junho na revista especializada Journal of Clinical Immunology. Os pacientes incluídos no estudo foram analisados de novembro de 2020 a dezembro de 2021.
Na pesquisa, foram avaliados 193 pacientes hipertensos hospitalizados por infecção com o Sars-CoV-2, dos quais 47 apresentaram lesão cardíaca e 146 eram casos-controle.
Além da presença da troponina, os pacientes com lesões cardíacas apresentavam uma condição conhecida como linfopenia (baixa quantidade de células de defesa do tipo linfócito) e, ainda, outros marcadores inflamatórios como citocinas e células CD8+, ligadas ao combate à infecção, que não estavam presentes nos pacientes sem lesões.
De acordo com a pesquisadora do Idor e primeira autora do estudo, Renata Moll-Bernardes, a troponina é uma proteína que mede a lesão do músculo cardíaco, utilizada principalmente para diagnóstico de doenças cardiovasculares como síndrome coronariana e isquemia.
“Nós observamos que, dentre os pacientes internados na Rede DOr, um grande número deles tinha o aumento da troponina na circulação, e por isso resolvemos investigar mais detalhadamente como o sistema imunológico estava envolvido na lesão do coração”, disse.
Segundo Moll-Bernardes, a equipe buscou compreender melhor os mecanismos envolvidos na resposta imunológica exagerada pós-Covid.
“A gente já sabia que a Covid era uma doença com uma resposta inflamatória exacerbada, mas procuramos entender como o corpo respondia a isso, por isso a investigação dos marcadores específicos de lesão cardíaca.”
Em geral, os pacientes com pressão alta e taxa elevada de troponina tiveram maior mortalidade do que aqueles que não apresentavam esta molécula.
“Em conjunto com os demais marcadores [de resposta inflamatória], é possível que os pacientes também apresentem lesões em outros órgãos, mas nós identificamos principalmente o dano cardíaco”, afirma Emiliano Medei, professor do Instituto de Biofísica da UFRJ e pesquisador no Idor, que coordenou o estudo.
A detecção precoce desses marcadores no momento da internação no hospital, diz o especialista, pode contribuir para dar início imediato ao tratamento com os chamados imunomoduladores, drogas que atuam para reduzir a resposta imune descontrolada.
“Como muitos dos pacientes eram assintomáticos, a detecção da proteína pode ajudar os médicos a terem um olhar diferente para esses pacientes no momento de entrada hospitalar”, disse Medei.
O fato de o hipertenso já ter maior predisposição para outras condições de saúde, como diabetes e obesidade, pode ajudar a explicar porque nesses pacientes ocorre a inflamação do músculo cardíaco.
“Outra coisa importante diz respeito ao mecanismo de entrada do vírus nas células, que usa receptores específicos [conhecidos como ECA2], e em pacientes hipertensos a expressão desses receptores nas células pode estar alterada”, acrescenta.
Em relação aos danos cardíacos, a pesquisadora Renata Moll-Bernardes diz que eles são mais frequentes, com um grau maior de gravidade e maior risco de desenvolver prognóstico ruim, em comparação aos eventos de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração) que podem surgir como efeitos das vacinas contra a Covid.
“Segundo relatos de literatura, a miocardite causada pela vacina é em geral mais leve, podendo desaparecer, enquanto a infecção pelo Sars-CoV-2 pode provocar casos de inflamação grave do miocárdio. Por isso a vacinação continua tendo benefício maior do que os possíveis riscos”, afirma.
Na pesquisa não foi possível comparar indivíduos vacinados com não vacinados para investigar lesões cardíacas, mas Medei afirma que a vacina, por proteger contra casos graves, deve diminuir a resposta imune descontrolada que pode ser gerada por infecção.
“A vacinação não impede totalmente a infecção, ela ainda pode ocorrer, entretanto ela pode ajudar a controlar essa desregulação imunológica, essa ação exacerbada, que ocorre em pacientes não vacinados.”
Os pesquisadores afirmam que os próximos passos da pesquisa devem incluir a avaliação de sequelas pós-Covid em pacientes hipertensos. O estudo contou com apoio financeiro da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), do Idor, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da Capes, da Finep e do Instituto Serrapilheira.
ANA BOTTALLO