‘São 5 anos esperando o telefone tocar’, diz mãe de vítima ainda não encontrada em Brumadinho

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) matou 270 pessoas -incluindo duas mulheres grávidas. Cinco anos depois, sete dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos já foram vistoriados pelo Corpo de Bombeiros, mas os corpos de três vítimas seguem na lama, em lugar desconhecido.

Tiago Tadeu Mendes da Silva, Nathália de Oliveira Araújo Porto e Maria de Lurdes da Costa Bueno ainda não foram encontrados. Tiago e Natália eram funcionários da mineradora. Maria de Lourdes estava de férias em Brumadinho.

“Já são cinco anos de espera. Cinco anos de sofrimento. Cinco anos esperando o telefone tocar”, disse à reportagem, por mensagem de texto, a mãe de Tiago, Lúcia Aparecida Mendes Silva. “É como se tivessem arrancado uma parte de mim.”

Hoje, os trabalhos de identificação de vítimas estão concentrados no antigo terminal de cargas ferroviárias da Mina do Córrego do Feijão, logo abaixo da barragem B1, que estourou no dia 25 de janeiro de 2019.

Os bombeiros já não inspecionam os rejeitos ao longo de toda a área atingida pela lama, como ocorria até o segundo ano depois da tragédia. Isso porque, desde 2022, os rejeitos de minério de ferro são recolhidos por equipes da Vale e levados até o antigo terminal. Lá, são depositados em um equipamento parecido com um funil e passam por uma triagem inicial.

Feita a triagem, o material sobrante é posto numa esteira, instalada em um equipamento de mineração adaptado. Bombeiros e funcionários da Vale sentados em uma cabine climatizada inspecionam o rejeito que passa por ali.

“Ao sinal de qualquer objeto de interesse [restos mortais, principalmente] o bombeiro ordena a interrupção do movimento da esteira e desce para vistoriar o material”, diz o tenente-coronel Josias Soares, do 7º Batalhão do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Ele trabalhou durante um ano e dez meses nas buscas, tendo comandado a operação em 2020.

Essa esteira carrega os rejeitos até uma espécie de malha vibrante, que separa do material qualquer objeto que tenha mais que cinco centímetros. O que fica retido na malha é inspecionado uma segunda vez antes de ser descartado.

Restos mortais encontrados em qualquer uma das etapas do processo são enviados para a perita criminal Angela Romano, que trabalha em uma tenda de identificação de vítimas de desastres (DVI, na sigla em inglês), instalada perto do local, na base dos bombeiros.

Com ajuda de dois técnicos e de um veterinário, a perita da Polícia Civil de Minas Gerais limpa os objetos. Quando identifica restos humanos, ela preenche uma ficha de identificação e remete o material para o IML (Instituto Médico Legal) de Belo Horizonte.

“Ano passado encontramos 18 segmentos humanos e mais de 100 segmentos de animais -principalmente vacas, cavalos e porcos”, conta.

Do IML, os restos mortais podem ter dois destinos. Arcadas dentárias e segmentos que permitem identificar impressões digitais são analisados no próprio local. Segmentos que precisam ser identificados por DNA são enviados para o Instituto de Criminalística, também vinculado à Polícia Civil. DNA extraído de roupas, escovas de dente e fios de cabelo doados por parentes das vítimas ajudam os peritos do a identificar os segmentos analisados.

“Às vezes a análise de DNA esgota o material e não devolve um resultado conclusivo”, diz Romano. Segundo ela, até o momento 123 amostras retornaram resultados inconclusivos. Elas devem ser enviadas para um memorial construído em homenagem às vítimas e ainda não inaugurado.

Como mostrou o UOL na semana passada, o IML guarda 410 segmentos de 133 vítimas já identificadas. Os segmentos ficam em um caminhão frigorífico, armazenadas dentro de caixas de zinco. Há uma caixa para cada vítima.

Sempre que há uma identificação, as famílias são avisadas. Algumas escolhem recolher o material e sepultá-lo junto a outros fragmentos já encontrados. Outras escolhem cremá-lo ou mantê-lo no IML para destinação ao memorial.

“As vítimas foram mineradas pela Vale”, diz Alexandra Andrade, tesoureira da Avabrum, a associação dos familiares e vítimas dos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. “Dentro das famílias das vítimas, muitos preferem não contar aos parentes o estado em que o corpo foi recuperado e sepultado”, afirma.

“A Vale não entregou e nunca vai entregar o corpo do meu filho”, diz Lúcia Aparecida, a mãe de Tiago. Ela e a filha, Daiana Mendes Almeida, defendem que as buscas sejam interrompidas e um parque seja construído no local da barragem.

Segundo a Vale e o Governo de Minas Gerais, as buscas só serão interrompidas quando um segmento da última vítima for encontrado -ou quando todos os rejeitos tiverem sido vistoriados.

Em nota, a Vale afirma que sempre norteou suas atividades por premissas de segurança e que nunca se evidenciou nenhum cenário que indicasse risco iminente de ruptura da estrutura B1, nome da barragem que ruiu.

Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo no início do mês, o relatório Dia a Dia do Acordo Geral de Reparação, até novembro de 2023 havia sido concluído 64% do compromisso de R$ 37,6 bilhões firmado em 2021 entre a Vale, o Governo de Minas Gerais, o Ministério Público Federal e o Ministério Público e a Defensoria Pública estadual.

A empresa afirmou que assumiu um compromisso com a reparação que vai além do pagamento das indenizações e do cumprimento dos acordos judiciais.

“A Vale tem total consciência das graves consequências que o rompimento da barragem causou”, afirma. “É um trabalho diário, realizado a partir de escutas ativas e respeitosas com as comunidades e em cumprimento de todos os compromissos assumidos com as instituições de justiça, governos e, principalmente, com a população.”

MARCOS HERMANSON / Folhapress

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