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Dias antes de morrer, Gerson buscou o Conselho Tutelar para tirar carteira de trabalho

O gesto, interpretado por profissionais como um raro sinal de tentativa de reorganizar a própria vida, tornou-se um símbolo de uma trajetória marcada por abandono, diagnósticos tardios e falhas em diversas políticas públicas

Sepultado jovem morto por leoa após invadir recinto em zoológico de João Pessoa
Foto: Reprodução/ Instagram

Dias antes de ser atacado por uma leoa no Parque da Bica, em João Pessoa , o jovem Gerson de Melo Machado, conhecido como Vaqueirinho, procurou o Conselho Tutelar para solicitar documentos necessários à emissão de sua carteira de trabalho. O gesto, interpretado por profissionais como um raro sinal de tentativa de reorganizar a própria vida, tornou-se um símbolo de uma trajetória marcada por abandono, diagnósticos tardios e falhas em diversas políticas públicas.

Segundo a conselheira tutelar Verônica Oliveira, Gerson chegou ao órgão pedindo ajuda administrativa, demonstrando vontade de buscar um emprego formal. No entanto, a iniciativa ocorreu em meio a um processo judicial que, no dia 25, havia determinado uma avaliação urgente para viabilizar sua aposentadoria por incapacidade. A intimação nunca chegou a ser cumprida: Gerson morreria poucos dias depois, ao invadir o recinto da leoa Leona.

O caso de Gerson é descrito por especialistas como um retrato da negligência estrutural. Seu prontuário de mais de 200 páginas mostra que ele enfrentou dificuldades desde os 4 anos. Filho de mãe com esquizofrenia, e sem o nome do pai no registro, foi o único entre cinco irmãos que não foi adotado. Instituições chegaram a descrevê-lo como “perverso”, justificando a recusa em acolhê-lo.

Entre internações, crises e abordagens policiais, passou a adolescência sob medidas socioeducativas e chegou a ser apreendido dez vezes antes dos 18 anos. Em seguida, viveu nas ruas após ser desligado de abrigos. Dormia em praças, pedia comida e se envolvia em pequenos delitos — muitos deles cometidos, segundo conselheiros, para conseguir ser preso e, assim, receber algum tipo de cuidado.

O laudo psiquiátrico solicitado ainda em 2018 só foi emitido em 2023, apontando “comportamento disjuntivo” e oscilações de humor, mas não identificou esquizofrenia. O diagnóstico correto só seria concluído em 2025, após crises severas registradas na prisão, onde o jovem apresentava delírios, alucinações e se automutilava.

Apesar de ter passado por atendimentos no Caps Infantil, na Policlínica de Mandacaru e posteriormente no Caps adulto, sua baixa adesão ao tratamento, somada à falta de uma rede integrada de apoio, prejudicou a continuidade dos cuidados.

Com a vida desestruturada, Gerson se tornou alvo fácil de criminosos, que o incentivavam a cometer furtos. Passava longos períodos nas ruas, circulando entre João Pessoa e Recife, onde a avó o acolheu em alguns momentos. Chegou a montar cavalos encontrados pelo caminho e a tentar viajar em uma moto furtada até Natal.

Seu apelido, “Vaqueirinho”, dado por forças de segurança devido ao hábito de cavalgar animais alheios, nunca foi aceito por ele.

Especialistas afirmam que o caso revela falhas profundas do Estado.

Para o psiquiatra Rodrigo Bressan, da Unifesp, a falta de tratamento precoce agravou irreversivelmente a evolução do quadro:

Deixaram ele ficar psicótico a ponto de entrar numa jaula de leoa.

A pesquisadora Ludmila Correia, da UFPB, classifica o histórico de Gerson como “negligência sistemática”, apontando ausência de políticas de moradia, convivência comunitária e assistência social.

Já o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo, defende que uma internação protetiva poderia ter evitado o desfecho:

A leoa tinha assistência completa. Gerson não tinha nada.

Na direção oposta, a presidente do Conselho Federal de Psicologia, Alessandra Almeida, critica as repetidas prisões e internações compulsórias, que, segundo ela, agravaram o quadro:

O afastamento da comunidade desestabilizou ainda mais o jovem. Todos falhamos com ele.

Após o ataque, a leoa Leona ficou em observação e voltou ao recinto. O Parque da Bica permanece fechado, e a Polícia Civil investiga o caso.

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