Era perfeitamente possível desconfiar ou duvidar da suposta candidatura do senador Flávio Bolsonaro à presidência da República. Não que Flávio não tenha condições de representar a família como candidato. Já acumula boa experiência política, é senador e está no centro das articulações em Brasília, além de exibir ou tentar exibir a credencial de ser um Bolsonaro diferente, menos radical.
O problema é que a decisão da candidatura veio de repente, sem preparação e Flávio nem era o mais cotado. Pesquisas confirmaram essa última situação. Então, dava para desconfiar. O plano com as segundas intenções acabou revelado de forma atabalhoada pelo próprio senador Flávio Bolsonaro dois dias depois, neste domingo. A candidatura era um produto à venda e a moeda de troca a anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro, há duas semanas na cadeia pagando a pena de mais de 27 anos na condenação pelos atos golpistas e tentativa de abolição do estado democrático de direito.
O estranho foi Flávio abrir logo o negócio, colocar à mesa do jogo. Mas não há burrice na atitude como muitos avaliam. Pode haver precipitação pelo desespero da família em decorrência da consolidação da condenação e da prisão do ex-presidente. Todavia, o plano e jogo parecem adredemente delineados e devem continuar.
Antes de tudo, é bom não esquecer que uma das regras da política é que ninguém abre mão de poder. O bolsonarismo conta com voto e, portanto, detém um importante instrumento de poder. Muito poder. Pode ser que o panorama eleitoral mude, mas todas as avaliações ainda indicam que Bolsonaro dará as cartas na definição de candidaturas no campo da direita e nas eleições.
Assim, os dois nomes da família- Michelle ou Flávio – reunem plenas condições para entrarem na disputa e qualquer deles o candidato mais votado da direita. Num possível segundo turno, a tendência seria a unidade de toda a direita ou da maior parte dela em torno do Bolsonaro da vez. Então, por que abrir mão desse poder? Por isso Flávio é candidato e também pode ser Michelle. Será um Bolsonaro, sem dúvida.
Até agora, contudo, os partidos e agrupamentos mais amplos da direita reconhecem a força eleitoral do ex-presidente Bolsonaro, porém não quer votar num nome da família. Todos ou quase todos preferem o governador Tarcísio de Freitas (SP). Aqui reside o problema. A desconfiança. Por que todos querem Tarcísio? Porque ele não é genuinamente um Bolsonaro; por que há o risco de que ele seja capturado pelo centrão ou por outras forças políticas como já ocorreria em escala moderada no governo de São Paulo. E, o mais importante de tudo, porque, sendo candidato, Tarcísio assume o comando de direita e impinge a maior derrota a Bolsonaro, que é roubar sua liderança.
Apesar dessa avaliação, se a moeda de troca é a anistia para Bolsonaro, a família pode, em último caso, ceder e adotar a candidatura de Tarcísio de Freitas à presidência.
A candidatura de Flávio Bolsonaro leva essa discussão para o centro de política, o Congresso nacional. Como ele é mais moderado, a retirada de sua candidatura em troca de um acordo com o centrão para tirar Bolsonaro da cadeia causaria menos estragos. Fica a impressão, no entanto, de que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi preservada e nada indica que o senador Flávio Bolsonaro não possa crescer no processo de negociação ao qual está se metendo a partir desta semana. Qualquer um dos dois pode ser candidato à presidência da República, com ou sem anistia.
A verdade é que família Bolsonaro detém um largo poder de voto e, pelo visto, não está nenhum pouco disposta a abrir mão desse poder. Assim, a lógica indica que a família vai perseguir a candidatura à presidência da República até o final. Esse é o jogo.



