Administrar uma cidade não é tarefa fácil. Não há como discordar dessa assertiva, principalmente em tempos de dificuldade financeira. Aliás, muitos percalços também se colocam pela frente de quem administra uma empresa, ou mesmo, uma casa de família. O empresário precisa ter muita competência para vender o seu produto ou serviço, de modo a garantir lucro e atender bem a clientela. O chefe de família precisa se virar, ainda que na informalidade, para colocar a comida na mesa, proporcionar ao seu núcleo uma moradia digna, saúde e escola para os filhos. Isso nem sempre é possível, e quando não é a desgraça da extrema pobreza ou da miséria pode ser o resultado.
Não vou aqui discutir fundamentos teóricos de administração, mas posso afirmar, pela experiência de alguém que já passou por situações em que se viu como administrador, que alguns fatores são fundamentais nessa tarefa: rigidez de caráter, bom senso e empatia para com os administrados. Rigidez de caráter para não transigir com interesses outros que prejudiquem os desideratos a serem perseguidos: o bem coletivo, no caso do administrador público; o sucesso e reputação da empresa, no caso do empresário, e o planejamento familiar, no caso do chefe de família. Bom senso, no sentido de equidade, para não se permitir a produção de injustiças (não admitir privilégios, no caso do administrador público; não prejudicar direitos de seus empregados e nem enganar o consumidor, no caso do empresário, e não permitir que situações difíceis produzam conflitos no âmbito familiar, no caso do líder familiar). Empatia, para entender os sentimentos daqueles para quem repercutem os atos e as omissões do administrador (vale para qualquer espécie de administrador).
Das três categorias que elenquei: o administrador público, o empresário e o chefe de família, aquele que proporcionalmente aos demais a responsabilidade tem um peso maior, por estar no comando de uma cidade (o administrador público), é o que menores consequências experimenta em caso de insucesso em sua missão. O empresário, no caso de má gestão, pode ir à falência e, por conseguinte ter o seu negócio, o seu patrimônio e sua integridade psíquica prejudicados. Na família, então, é um desastre. Violência, alcoolismo, drogas e desagregação estão entre os graves riscos da derrocada familiar.
Pois bem, salvo se tiver cometido graves ilegalidades, a ponto de responder por consequências criminais ou por atos de improbidade, o mau governante termina seu mandato e parte para outra, como se nada tivesse acontecido. Se buscar a reeleição e não obtiver êxito, não raramente acaba contemplado por cargo melhor no seu clã político. Junto com ele seguirá sua equipe, dentro da qual, muitas vezes, se alocam pessoas que nenhum vínculo possuem com a comunidade, e não possuir vínculo não é o pior. Não possuem nenhuma responsabilidade para com o resultado (ainda que desastroso) do seu trabalho.
Vejam que existe uma frase pronta que não sai da boca dos políticos: “governar é eleger prioridades”. Não há que discordar, mas será que as prioridades eleitas por sua excelência o governante refletem rigidez de caráter, bom senso e empatia. Não raramente, logo de cara, falta a integridade de caráter, porque, na verdade os seus interesses são colocados acima dos interesses da coletividade. E nem se fale em bom senso e empatia, porque a injustiça social e o sofrimento alheio não lhe dizem respeito.
O empresário responsável cuida da imagem do seu negócio, do equilíbrio nas contas e do bem estar de sua equipe no ambiente de trabalho. O chefe de família cioso quer viver com os seus num ambiente saudável, onde não falte comida e atenção para com a saúde e a educação dos filhos. O bom governante haveria de cuidar da zeladoria da cidade, de um eficiente atendimento à saúde dos administrados, da disponibilização de boas escolas e de professores em número suficiente para atender à demanda educacional, de atenção para com os miseráveis (muitos jogados pelas ruas e praças) e de cooperação com a Polícia Militar para oferecer ambientes seguros para a população. Isso teria que ser levado a efeito com muito rigor frente os gastos, para caber no orçamento e, eventualmente, se sobrasse algum dinheiro (o que difícil nos dias atuais), ou por via de empréstimos (se houvesse comprovada condição de solvabilidade), fazer investimentos em benfeitorias no contexto físico da cidade ou para melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Porém, na cabeça de um governante cujo foco de atuação está voltado para interesses diversos dos interesses da coletividade, a boa zeladoria (não apenas pela questão de estética e limpeza, mas também para combater transmissores de doenças epidêmicas e proliferação de insetos e animais peçonhentos) pode não ser prioridade. A gestão ao menos razoável do sistema de saúde (que dá trabalho, porque demanda estratégia, equipe qualificada e bons equipamentos) pode esperar. Afinal, a má fama da saúde pública está disseminada pelo País. Uma aceitável qualidade do ensino, com professores bem formados e escolas em condições mínimas para atender a dignidade dos profissionais e dos alunos que a frequentam é coisa para o futuro. Socorrer os infortunados que como zumbis vivem ao desabrigo, se alimentam de favor, se afundam no álcool e nas drogas e tumultuam cruzamentos importantes da cidade em busca de esmola, está fora de cogitação. Não sobra dinheiro para a assistência social.
Na cabeça desse mesmo gestor, as verdadeiras prioridades (de quem?) podem ser: erguer um suntuoso centro administrativo, cujo orçamento final pode chegar à casa de 65 milhões de reais, contratar empréstimo para a restauração de imóveis que não atendem nem a saúde e nem a educação, comprar prédios abandonados por instituições bancárias, irrigar o caixa dos veículos de imprensa com o que se chama, equivocadamente a meu ver, de “propaganda oficial” e preparar a máquina para enfrentar as próximas eleições.
Portanto, os desafios da tarefa de administrar são muitos, mas podem ficar mais suaves na seara pública, quando o efetivo compromisso não está voltado, necessariamente, para o êxito da administração, mas para interesses outros, evidentes para quem possui uma mínima porção de senso crítico e sempre inconfessáveis por parte do laborioso administrador.