A educação municipal em 24: do PME aprovado à carência de professores, infraestrutura e em violência

A rede municipal de ensino como um ato de coragem aos que lhe buscam pela liberdade apresentada por Freire

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Paulo Freire: “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem” | Foto: Grupo Thathi

Em 2024, o ensino público em Ribeirão Preto foi marcado pela aprovação do Plano Municipal da Educação. O documento, que começou a ser desenvolvido há quase duas décadas, foi confirmado durante sessão tumultuada por questões ideológicas de religião e político-partidárias no plenário do legislativo municipal. 

Em 2024 também, pelo outro lado da moeda, os alunos da rede municipal em Ribeirão Preto já enfrentaram desde o encerramento do dia de aula antes do horário previsto por falta de professores até o atraso nas entregas do uniforme, o calor insuportável pela falta de ar-condicionado e até violência física. 

Ainda no tocante ao PME, como o próprio executivo descreve, o documento representa uma política pública voltada à educação com metas e ações para implantação, além de significar o compromisso com a educação de qualidade. 

“Ele representa o compromisso com uma educação de qualidade, justa e acessível. O PME é uma política pública voltada para a educação, que propõe ações e metas de curto, médio e longo prazo, a serem atingidas dentro dos próximos dez anos”, afirma o site próprio sobre documento apresentado pela administração municipal. 

Realidade cruel em dualidade à utopia. Como denunciado de forma exclusiva pelo jornalismo do THMais, em março, alunos do 4° ano da escola municipal Professor Doutor Waldemar Roberto enfrentavam, desde o início do ano letivo de 2024, a falta de professores em matérias diversas. Por este motivo, as aulas foram lecionadas no pátio da instituição.

De acordo com a mãe denunciante, que prefere não ter a identidade divulgada, faltavam professores de Geografia, Inglês, Matemática e Educação Física. Por este motivo, seis classes assistiam aula no pátio do colégio. 

Quando o pátio não servia, os alunos eram liberados antes do término previsto e os pais recebiam a notícia por meio de uma mensagem por WhatsApp. Além da falta de professores, acusa-se ainda a falta de uniforme e a entrega incompleta do material escolar. 

“Tem professor que fica exigindo que eles venham de uniforme. Como as crianças vão usar o uniforme sem o uniforme?”, questiona uma mãe de aluno não identificada.

No final do mês de março, após a denúncia, foi anunciada a convocação de 104 professores de educação básica I, II e III por parte da prefeitura. Os profissionais foram aprovados em processos seletivos e concursos públicos. 

Em caráter efetivo, foram chamados: 16 professores de educação básica I , 07 professores de educação básica II e 01 professor de educação básica III. 

Além disso, em caráter temporário, foram chamados: 55 professores de educação básica I, 11 professores de educação básica II e 14 professores de educação básica III. Os quais – 02 de Artes, 02 de Língua Portuguesa, 01 de Ciências, 01 de Matemática, 02 de Educação Física e 06 de Atendimento Educacional Especializado (AEE).

A rede municipal conta com 108 escolas municipais próprias, sendo 36 Centros de Educação Infantil, que atendem alunos de 0 a 3 anos; 41 Escolas Municipais de Educação Infantil, que atendem alunos de 4 e 5 anos; 31 Escolas Municipais de Ensino Fundamental, que atendem alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, e 29 escolas de Educação Infantil em parceria com Organizações da Sociedade Civil. São 50 mil alunos. 

Calor em prazo estendido

Ao final de abril, coube a promessa da instalação de equipamentos de ar-condicionado em todas as escolas municipais de Ribeirão. Na ocasião, haviam 12 unidades faltantes, enquanto a instalação já havia ocorrido em 90% das instituições. Quando questionada novamente sobre, a prefeitura estendeu o prazo para o fim da instalação somente em maio. 

“A respeito do ar-condicionado, (os equipamentos) não foram instalados, as crianças estão passando mal de tanto calor. Não chegou uniformes, outras escolas já entregaram. Aqui no Waldemar a prefeitura não mandou ainda”.

À época, por meio de nota, a Secretaria da Educação afirmou que “a previsão é de finalização até o final de abril”, como previu a administração.

O final de abril chegou nesta semana, e a secretaria novamente foi questionada sobre a promessa feita. Em resposta ao jornalismo do THMais, a secretaria afirmou que 95% das escolas estão com o equipamento, e a implantação completa deve ser finalizada neste novo mês. 

“Hoje, cerca de 95% das escolas já estão com os aparelhos, as últimas escolas são as maiores, necessitando de uma intervenção ainda mais complexa. Todas as unidades estão recebendo uma nova rede elétrica, o que demanda mais tempo. A Pasta trabalha com uma previsão de finalização, que deve se estender até maio”. 

Sobre os equipamentos já instalados, falta suporte da rede elétrica e estes não funcionam até o momento. Como ocorre na escola municipal Prof. Anísio Teixeira, por exemplo, os aparelhos foram instalados, mas falta a renovação da rede elétrica e a troca do padrão de energia para aação de refrigeração dos aparelhos.

A mudanaça já foi solicitada à CPFL pela prefeitura municipal. De acordo com a assessoria, todas as escolas municipais passam pelo processo de troca da rede elétrica, e os aparelhos de ar-condicionado só irão funcionar após tal alteração na rede de energia.

Violência e protesto

O sumiço de uma caneta esferográfica acabou com o espancamento de um aluno de 14 anos, cuja identidade será preservada, na escola municipal Prof. Anísio Teixeira, localizada na zona Leste de Ribeirão Preto. 

O estudante foi agredido por socos, chutes e até uma mordida. Dois estudantes participaram das agressões, em violência consumada dentro de uma sala de aula do 9° ano. Os golpes atingiram a cabeça, tórax, pescoço, costas e braços do adolescente. Sobre o caso, a violência foi caracterizada pela prefeitura como “um desentendimento”. 

Em publicação nas redes sociais, a mãe do aluno violentado afirma que a escola não prestou socorro ao jovem agredido. “Não prestaram socorro, não chamaram uma ambulância, apenas me ligaram dizendo que ela havia se envolvido em uma briga”, publicou. 

No Jardim Zara, bairro também localizado no setor Leste, professores, pais e alunos da Escola Municipal de ensino fundamental José Rodini Luiz realizaram um protesto pacífico contra a diretora da instituição. 

Conforme relatado pelos manifestantes, desde que assumiu o cargo, a diretora tem causado situações de constrangimento para professores e alunos, inclusive com uso de violência.

A comunidade escolar afirma que já enviou um abaixo assinado para a Secretaria de Educação pedindo providências, mas, até o momento, não tiveram um posicionamento.

Para além da violência física, caracterizada por uma ação propriamente dita contra o indivíduo, há também a violência moral, psicológica, verbal, patrimonial e entre outras que distinguem a prática de ofensa contra a vida. 

Jardim Marchesi, fevereiro de 2024. O acúmulo do lixo é somado ao vazamento de esgoto em via pública às proximidades de uma creche do bairro, que possui sua geografia para o lado oeste do mapa da cidade.

Na avenida dos Andradas, o urubu que aproveita a carniça a céu aberto divide espaço com a família que propõe à criança a educação na escola infantil Auta de Souza.

“As crianças pulando esgoto para ir à escola, passando pelo meio do mato com lixo, bicho morto. Daqui uns dias, a gente vai encontrar até pescador com churrasqueirinha do lado”, lamenta o pai Richard. 

Ainda segundo ele, que há tempos percorre pela via a caminho da instituição de ensino, a sujeira sempre existiu. “Meu outro filho que já estudou aqui passou pela mesma coisa. Lixo, carniça”.

A mãe Bianca levava o seu filho mais novo à creche quando foi questionada sobre o tema. “Se fosse um bairro de alto padrão eles arrumavam, mas é uma vergonha para a gente que é mãe e as crianças terem que passar por isso”, desabafou. 

Ribeirão 2030

Conforme dados divulgados pelo Instituto Ribeirão 2030, em 2021, 26% dos alunos do ensino fundamental mostraram aprendizado insuficiente em matemática e 41% atingiram apenas o nível básico. 

O Instituto é uma organização da sociedade civil apartidária e independente dedicada para estudar e debater temas relevantes para a sociedade de Ribeirão Preto e região. Dentre os temas em analisados está a educação, base da cidadania, eixo estruturante para o desenvolvimento social e econômico.

Ainda sobre o estudo, este é embasado em dados públicos de relatórios oficiais de transparência. Destaca a correlação entre desempenho educacional e desigualdades socioeconômicas, com escolas em bairros mais afastados e vulneráveis apresentando resultados significativamente inferiores em comparação com aquelas em áreas de classe média.

A constatação mais alarmante do levantamento é o baixo investimento na formação contínua dos professores, com apenas 0,002% do orçamento da Secretaria de Educação dedicado a essa área em 2022.

O estudo completo será divulgado em evento público agendado para o dia 07 de maio, a partir das 18:30h, no auditório da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP). para participar, clique aqui e faça a sua inscrição. 

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. Paulo Freire, em ‘Educação como prática da liberdade’.